Bibi refém dos seus parceiros

Netanyahu conseguiu formar Governo em Israel, mas fica vulnerável a ‘extorsões políticas’

DONKEY HOTEY / WIKIMEDIA COMMONS

Quando cantou vitória nas legislativas de 17 de março, após quase todas as sondagens o colocarem no papel de perdedor, Benjamin Netanyahu nunca esperaria que a formação de Governo lhe desse tantas dores de cabeça. As negociações esgotaram os 42 dias previstos por lei. Quarta-feira, a 90 minutos do fim do prazo, o primeiro-ministro garantiu finalmente uma maioria.

“Comparado com o Governo anterior, o novo executivo é, ideológica e politicamente mais coerente. Está mais ancorado na direita conservadora e religiosa do espetro político israelita”, comenta ao Expresso Bruno Oliveira Martins, ex-analista político da delegação da União Europeia em Telavive. “À partida, questões como os subsídios à população haredim (ultraortodoxa), o papel da religião no Estado ou o carácter judaico de Israel estão no topo da agenda.”

Governo a cinco

Cinco partidos integram a coligação governamental: o Likud (direita), do primeiro-ministro; o Kulanu (centro-direita), centrado nas questões económicas; dois partidos religiosos ultraortodoxos, o Shah e o Judaismo da Torah Unida; e a Casa Judaica, liderada pelo ultranacionalista Naftali Bennett, apoiante do movimento de colonos no território palestiniano da Cisjordânia. No Knesset, o Executivo será apoiado por 61 dos 120 deputados. “O Governo irá estar permanentemente refém das posições dos parceiros da coligação para qualquer decisão importante, o que pode levar a chantagens e ‘extorsões políticas’. A forma como Bennett encostou Netanyahu à parede nos últimos dias deixa antecipar isso mesmo.”

Na reta final do processo negocial, Netanyahu perdeu o apoio de um aliado, Avigdor Lieberman, seu ministro dos Negócios Estrangeiros e líder do ultranacionalista Yisrael Beitenu (extrema-direita). E viu-se forçado a chegar a acordo com a Casa Judaica, de Bennett, que exigiu para o seu partido as pastas dos Negócios Estrangeiros e da Justiça. Por fim, acabou por ficar com as pastas da Justiça, entregue à engenheira Ayelet Shaked, de 39 anos, e da Educação, que ficará para Bennett.

Neste cenário de instabilidade, Bruno Oliveira Martins, professor auxiliar na Universidade de Aarhus, da Dinamarca, antecipa duas questões dominantes: “A subida dos temas religiosos ao topo da agenda política e o carácter decisivo que questões judiciais vão ter nas próximas semanas. O princípio da separação de poderes está seriamente ameaçado por reformas que Netanyahu tem tentado introduzir na composição e funcionamento do Supremo Tribunal, de forma a limitar o controlo judicial destes sobre o sistema político”. As duas tendências, diz o analista, estão relacionadas. “O Supremo Tribunal é visto pela direita como expressão do esquerdismo liberal e, sobretudo, secularista, que pretende combater.”

Como fica a Palestina?

Durante a campanha eleitoral, as questões que mais interessam à comunidade internacional estiveram ausentes da discussão, desde logo o conflito israelo-palestiniano, só referido já com as eleições à vista. Pressionado por sondagens adversas, Netanyahu prometeu que, caso vencesse, jamais existiria uma Palestina independente.

“A solução de dois Estados, neste momento e na prática, não existe. Desde o colapso das negociações com os palestinianos, lideradas pelo secretário de Estado dos EUA, John Kerry, nada tem acontecido, nem nos bastidores”, diz Bruno Oliveira Martins. “As relações entre Telavive e Washington deterioram-se no último ano e não é impensável admitir que a Administração Obama, em final de mandato e sem a pressão da reeleição, possa dar sinais concretos de impaciência, que já se revela na retórica de Obama, mas que ainda não se materializou em mais do que isso. Ainda assim, este tipo de atitude seria sempre uma pesada herança para o futuro Presidente e, nesta fase de pré-campanha, poderia causar danos na candidatura de Hillary Clinton, o que não é irrelevante.”

Com a relação entre Israel e a UE igualmente degradada — o Parlamento Europeu aprovou, em dezembro, o reconhecimento da Palestina —, poderão mais europeus seguir o exemplo da Suécia e reconhecer a independência palestiniana ao nível de governo? “As tensões políticas entre Bruxelas e Israel têm-se verificado com crescente frequência e, mesmo que uma posição forte e comum da UE não seja o cenário mais provável, não excluo de todo que outros Estados sigam o exemplo da Suécia.”

Artigo publicado no Expresso, a 9 de maio de 2015

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