Talibãs atacam Parlamento de Cabul e pedem ao Estado Islâmico para não se meter no Afeganistão

Um ataque dos talibãs contra o edifício do Parlamento revela as fragilidades nas forças de segurança afegãs. Os fundamentalistas islâmicos tentam recuperar territórios, numa altura em que estão cada vez mais acossados por grupos afetos ao autodenominado Estado Islâmico

O Parlamento afegão foi atacado na manhã desta segunda-feira por um comando talibã. O atentado provocou 31 feridos e foi lançado durante uma sessão da Câmara Baixa (Wolesi Jirga) que se preparava para votar uma moção de confiança ao novo ministro da Defesa, Masoum Stanikzai.

“Um bombista suicida fez-se explodir no exterior do edifício do Parlamento e vários atiradores atacaram a partir de outro edifício próximo”, informou Ebadullah Karimi, porta-voz da polícia de Cabul.

Saleha Sadat, jornalista da televisão afegã TOLO News, que cobria os trabalhos dentro do Parlamento, afirmou que o local foi rapidamente evacuado e que todos os deputados e jornalistas saíram rapidamente do local.

“Lançamos um ataque contra o Parlamento quando decorria uma reunião importante para apresentação do ministro da Defesa”, justificou o porta-voz dos talibãs, Zabihullah Mujahid. A investida durou cerca de uma hora e terminou com a eliminação dos sete atacantes, às mãos das forças de segurança afegãs.

Este ataque contra um dos símbolos do poder central reforça dúvidas sobre a capacidade das forças afegãs para garantirem a segurança das suas instituições e dos cidadãos. A atividade dos talibãs tem aumentado desde a retirada da esmagadora maioria das tropas internacionais, no final do ano passado.

Esta segunda-feira, os fundamentalistas islâmicos confirmaram a reconquista do distrito de Dasht-e-Archi, na província de Kunduz (norte), o segundo em dois dias, após controlarem o distrito adjacente de Chardara. “Os talibãs assumiram o controlo esta manhã após cercarem a área durante dias”, afirmou esta segunda-feira Nasruddin Saeedi, governador de Dasht-e-Archi, após fugir para a cidade de Kunduz, capital da província com o mesmo nome. “Há muitos combatentes estrangeiros com armamento pesado. Pedimos reforços, mas não chegaram.” 

Estado Islâmico ao ataque

Os talibãs tentam recuperar o território perdido após mais de 13 anos de presença militar internacional no Afeganistão – iniciada após o 11 de Setembro, com o objetivo de punir os talibãs (no poder), que davam guarida ao líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden. Mas estão cada vez mais pressionados pela crescente presença do autodenominado Estado Islâmico (Daesh) no Afeganistão.

Na semana passada, o chefe do comité político dos talibãs, mullah Akhtar Mansoor, enviou uma carta ao líder do Daesh, o autodenominado califa Abu Bakr al-Baghdadi, apelando ao grupo rival que pare de recrutar combatentes no Afeganistão. “Com base na fraternidade religiosa, apelamos à vossa boa vontade, não queremos ver interferências nos nossos assuntos”, escreveu. 

Para os talibãs, no Afeganistão só há espaço para um grupo jiadista na luta pelo reestabelecimento da lei islâmica. “A jihad contra os invasores americanos e os seus escravos no Afeganistão tem de ser feita sob uma bandeira, uma liderança e um comando”, disse Mansoor. 

A carta parece também visar dissuadir combatentes talibãs de passarem para as fileiras do Daesh. Os combatentes afetos ao Daesh permanecem em número reduzido, mas a sua presença é cada vez mais notória. 

Combates entre talibãs e grupos dissidentes que declararam lealdade ao Estado Islâmico têm-se multiplicado sobretudo na província de Nangarhar (leste).  

Entre as causas para as deserções está a falta de ganhos territoriais significativos. Muitos questionam mesmo se o líder dos talibãs, mullah Mohammad Omar, continua vivo.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 22 de junho de 2015. Pode ser consultado aqui

Chicotadas a Raif podem recomeçar esta sexta. “Não sei o que fazer”, diz a mulher ao Expresso

Ensaf Haidar, esposa do blogger saudita condenado a 1000 vergastadas em público, não acredita em milagres. “Estou certa de que as chicotadas vão recomeçar esta sexta-feira”

É talvez o saudita mais famoso em todo o mundo para grande irritação das autoridades do seu país. Raif Badawi foi condenado a 10 anos de prisão e 1000 chicotadas por promover discussões de caráter político e religioso no seu blogue Rede Liberal Saudita (já não está online) uma sentença confirmada no fim de semana pelo Supremo Tribunal da Arábia Saudita. Não é possível interpor mais recursos, diz ao Expresso Ensaf Haidar, de 35 anos, esposa de Raif. Estou certa de que as chicotadas vão recomeçar esta sexta-feira.

Das 1000 vergastadas a que foi condenado, em novembro do ano passado, Raif, de 31 anos, sofreu até ao momento o primeiro conjunto de 50, desferidas a 9 de janeiro, numa praça em frente a uma mesquita de Jidá, a sua cidade natal. Um vídeo feito pela calada durante a aplicação do castigo tornou-se viral nas redes sociais e desencadeou uma vaga de indignação internacional.

O caso sensibilizou a opinião pública internacional, mas poucos governos levaram-no a altas instâncias. Ainda só quatro ministros dos Negócios Estrangeiros falaram do caso de Raif em público, lamenta-se Ensaf. Os da Áustria, Noruega, Suécia e (da província canadiada) do Quebec, onde ela vive com o estatuto de refugiada, juntamente com os três filhos do casal, todos menores.

Margot Wallström, a chefe da diplomacia sueca, qualificou a punição a Raif como medieval. O ministro dos Negócios Estrangeiros da Áustria telefonou-me e disse-me que falaria sobre o caso de Raif em Genebra, no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Eu nunca tinha falado com ele, diz Ensaf, que gostaria de ver mais diplomacias empenhadas em resgatar o marido do sofrimento a que foi condenado por apenas expressar a sua opinião.

Na terça-feira, Roland Ries, presidente da Câmara de Estrasburgo, anunciou a atribuição da medalha da cidade a Raif Badawi. Na véspera, o porta-voz dos serviços de Ação Externa da União Europeia emitiu um comunicado afirmando que “os castigos corporais são inaceitáveis e contrários à dignidade humana e reiterando apelos para que “as autoridades sauditas suspendam mais punições corporais a Raif Badawi.

No mesmo sentido, também o Departamento de Estado norte-americano apelou ao cancelamento do castigo e à revisão do caso e da sentença. Opomo-nos firmemente a leis, incluindo as leis de apostasia, restritivas do exercício da liberdade de expressão, afirmou o porta-voz Jeff Rathke.

Entre as provas recolhidas pela justiça saudita que incriminam o blogger está um like que fez numa página do Facebook sobre árabes cristãos.

Desde que as vergastadas foram suspensas que, a cada sexta-feira, Ensaf habituou-se a expressar o seu alívio pela não punição do marido através de uma curta mensagem na sua página no Facebook: Raif não foi açoitado hoje.

Esta sexta-feira, a acontecer, as vergastadas acontecerão após a oração do meio-dia (mais duas horas que em Lisboa). Ensaf está mentalizada para colocar um post diferente, ou simplesmente remeter-se ao silêncio. Não sei o que hei-de fazer…, admite, ciente que, nesta altura, esgotados os recursos na justiça, apenas um perdão do rei Salman, no trono desde 23 de janeiro passado, pode fazer reverter a situação.

Da mesma forma que os protestos internacionais terão contribuído para a suspensão da aplicação da sentença durante cinco meses, Ensaf acredita que continuar a falar do assunto pode ajudar. Por favor, não parem de falar, falem em todo o lado, apela. E organizem vigílias em frente à embaixada da Arábia Saudita.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 11 de junho de 2015. Pode ser consultado aqui

Traineira sueca que vai desafiar bloqueio israelita a Gaza está em Lisboa

Cinco anos após o ataque israelita contra a I Flotilha rumo a Gaza, a iniciativa volta a repetir-se. Uma das embarcações que tentará quebrar o bloqueio israelita àquele território palestiniano está esta quarta-feira em Lisboa

Traineira sueca Marianne de Gotemburgo atracada na marina do Parque das Nações, em Lisboa MARGARIDA MOTA

A iniciativa internacional “Flotilha rumo a Gaza”, que tentará pela terceira vez quebrar o bloqueio israelita à Faixa de Gaza, passa esta quarta-feira por Lisboa. Saída da Suécia a 10 de maio, uma das embarcações participantes, a traineira sueca Marianne de Gotemburgo, atraca, cerca das 15h, na marina do Parque das Nações (Expo), de onde arrancará na quinta-feira na direção do Mediterrâneo. Ali se juntará a outros barcos que irão, em conjunto, entrar no porto de Gaza.

A bordo, Marianne transporta equipamento médico e painéis solares. “Tudo o que levam são coisas simbólicas”, diz ao “Expresso” a palestiniana Shahd Wadi, membro da Plataforma BDS-Portugal (um movimento internacional de solidariedade para com os palestinianos e que apela a ações de boicote, desinvestimento e à adoção de sanções contra Israel).

“O objetivo desta iniciativa é furar o bloqueio à Faixa de Gaza. É preciso que alguém faça alguma coisa, sob pena do povo que vive naquele bocado de território ficar isolado para sempre”, diz.

Cozinha da embarcação Marianne de Gotemburgo MARGARIDA MOTA

Entre os passageiros, no troço do percurso entre Bueu (Galiza) e Lisboa, está a eurodeputada espanhola Ana Maria Miranda Paz.

Recordar a tragédia a bordo do Mavi Marmara

A primeira iniciativa deste género realizou-se em 2010 e ficou marcada pela tragédia. A 31 de março, nove ativistas que seguiam no navio turco Mavi Marmara foram mortos e mais de 50 feridos no decurso de uma operação militar desencadeada pela marinha israelita. (Um dos feridos com gravidade, um turco de 51 anos, morreu em 2014, após um longo período em coma.)

“Estou preocupada”, diz a palestiniana Shahd Wadi. “Mas tenho esperança que não se repita o que aconteceu com o Mavi Marmara. Estas pessoas que vão a bordo têm uma grande coragem. Tem de haver mais iniciativas. É preciso isolar Israel em vez de isolar as pessoas em Gaza.”

Cerca das 18h30 desta quarta-feira, será organizada uma manifestação, junto ao Meo Arena, que seguirá na direção do Marianne. Às 21 horas, a bordo da traineira, terá lugar um debate envolvendo a tripulação e ativistas da causa palestiniana. O evento é aberto ao público.

Manifestação de apoio à “Flotilha rumo a Gaza”, a caminho da marina do Parque das Nações MARGARIDA MOTA

Num comunicado enviado às redações, a organização recorda o 5.º aniversário do assalto ao Mavi Marmara e denuncia “a impunidade com que Israel pratica os seus atos de pirataria e de crimes contra a humanidade” bem como “a cumplicidade das instituições internacionais e dos vários governos, entre os quais o de Portugal”.

Reação da embaixada de Israel

Num email enviado à redação do “Expresso” na sequência da publicação deste artigo, a embaixada de Israel expressa o seu lamento “por todos os inocentes que sofreram e continuam a sofrer em Gaza, mas o único responsável pela situação em Gaza é o Hamas, uma organização terrorista que inclui na sua agenda o direito e até a obrigação de destruir o Estado de Israel”.

O Hamas controla a Faixa de Gaza desde junho de 2007 quando tomou o poder pela força, até então nas mãos da Autoridade Palestiniana. Na sequência desse golpe, Israel decretou um embargo ao território palestiniano por terra, mar e ar.

“Israel está a fazer tudo o que lhe é possível para fornecer comida e mantimentos às pessoas de Gaza”, acrescenta a embaixada de Israel, “mas, ao mesmo tempo, não pode permitir que o Hamas continue a contrabandear armamento e outros materiais destinados à recuperação das suas capacidades militares e continue a cavar túneis usados para atacar dentro das fronteiras de Israel, já para não mencionar os milhares de mísseis disparados de Gaza contra as nossas cidades. Nenhum Estado à face da Terra permitirá que tal aconteça junto às suas fronteiras.”

A reação da representação diplomática israelita, assinada pelo primeiro-conselheiro Raslan Abu Rukun, termina fazendo referência ao caso Mavi Marmara: “Expressamos pesar pela perda de vidas neste incidente, mas recordamos que eles atacaram brutalmente os nossos soldados com facas, barras de ferro, etc.” Dez soldados israelitas ficaram feridos durante a abordagem pelas forças israelitas a este barco turco. No caso das outras cinco embarcações, não se registaram incidentes.

Artigo publicado no Expresso Online, a 3 de junho de 2015. Pode ser consultado aqui

Quando os Nobel da Paz contribuem para a guerra

Aung San Suu Kyi está a ser criticada por não defender a minoria rohingya. Não é caso único entre aqueles que receberam o Nobel da Paz. Nem sempre o percurso dos galardoados corresponde às expectativas e, noutros casos, é o próprio Comité que nunca deu o Nobel da Paz a Mahatma Gandhi, por exemplo a distinguir personalidades implicadas em episódios de violência. Seis casos foram particularmente controversos

Aung San Suu Kyi

De Nobel para Nobel. O líder dos budistas do Tibete, Dalai Lama (Nobel da Paz 1989), apelou na semana passada à líder da oposição na Birmânia, Aung San Suu Kyi (Nobel da Paz 1991), que faça alguma coisa em defesa dos rohingya, a minoria muçulmana que enfrenta uma situação de perseguição naquele país de maioria budista.

“É muito triste. Espero que Aung San Suu Kyi, enquanto Nobel da Paz, possa fazer alguma coisa”, disse o Dalai Lama. “Eu estive com ela duas vezes, em Londres e depois na República Checa. Falei do assunto e ela disse-me que tinha algumas dificuldades, que as coisas eram muito complicadas. Mas apesar disso eu sinto que ela pode fazer alguma coisa.”

Aung San Suu Kyi, que completa 70 anos a 19 de junho, tem sido criticada por não se pronunciar sobre o drama dos rohingya discriminados internamente e rejeitados externamente, como o demonstra os barcos à deriva, cheios de gente desesperada, junto às costas da Tailândia, Indonésia e Malásia, sem que estes países lhe abram portas.

Em declarações ao “Expresso”, Akihisa Matsuno, professor na Universidade de Osaka (Japão) especializado em assuntos do Sudeste Asiático, descodifica o silêncio da Nobel da Paz. “O assunto dos rohingya é difícil não só para Aung San Suu Kyi, mas para qualquer político birmanês. Mesmo os ativistas pró-democracia não têm coragem de falar sobre o problema.”

Falar dos rohingya arruína a carreira política

Na Birmânia (país também chamado Myanmar), quer as populações budistas quer as minorias étnicas que vivem no país algumas das quais lutam por autonomia ou autodeterminação olham para os rohingya como estrangeiros (bangladeshianos) e não como cidadãos birmaneses. “Neste aspeto, todos estão de acordo”, comenta o professor Matsuno. “Se Aung San Suu Kyi falar dos rohingya, ela e a sua Liga Nacional para a Democracia (LND) perderão apoio e verão a popularidade de todo o movimento democrático afetada.”

Em 2012, quando de uma digressão da Nobel birmanesa pela Europa, ela falou publicamente do assunto e logo foi dissuadida por conselheiros a não voltar a fazê-lo. “Para qualquer político na Birmânia, falar dos rohingya significa o fim da sua carreira política”, refere o académico japonês.

A Birmânia tem eleições parlamentares previstas para o final do ano. Estará então em causa a eleição de 75% dos lugares os restantes 25% são nomeados pelo regime. A seguir ao ato eleitoral, um colégio eleitoral designará o chefe de Estado Suu Kyi está impedida de se candidatar aos cargos de presidente ou vice-presidente uma vez que os seus filhos não têm nacionalidade birmanesa (são britânicos).

Para alterar este preceito constitucional, é necessário o apoio de mais de 75% dos deputados, uma fasquia difícil de superar dada a lealdade de (pelo menos) 25% dos deputados ao regime liderado pelo ex-general Thein Sein. “Até ao momento, não houve pressão internacional suficiente para que o regime considere rever a Constituição”, comenta o professor da Universidade de Osaka.

Objetivo é sobreviver e ganhar as eleições

“É um erro assumir que Aung San Suu Kyi tem uma ambição pessoal de liderar o país. Mas a sua LND e um ciclo alargado de políticos e ativistas pró-democracia têm de sobreviver e têm de ganhar as próximas eleições. É o objetivo dela neste momento. A LND é totalmente dependente de Aung San Suu Kyi sem qualquer outro político à altura de a substituir. O problema dos rohingya surgiu numa má altura para ela e para o movimento pró-democracia em geral”, defende Akihisa Matsuno.

“A comunidade internacional deveria condenar o Governo da Birmânia, e não Suu Kyi. Também deveria condenar o monge budista radical que instiga a violência (Ashin Wirathu), e não a LND.”

Com a violência anti-rohingya concentrada sobretudo na província de Rakhine, junto à fronteira com o Bangladesh, Akihisa Matsuno acredita que esta comunidade corre o risco de ser totalmente expulsa da província. “Seria uma versão birmanesa de limpeza étnica. Não penso ou não quero pensar que haverá um genocídio, porque tal não poderá acontecer se não for organizado de forma sistemática por determinadas autoridades. Instigar a violência pode contribuir para a morte de dezenas de pessoas, mas sem a intervenção dos militares julgo que não haverá assassínios em massa em grande escala. O regime sabe que seria fatal para si. A comunidade internacional não iria tolerar. Mas o que o regime pode fazer é instigar pessoas comuns para que empurrem os rohingya na direção do mar.”

AUNG SAN SUU KYI NÃO ESTÁ SÓ…

BARACK OBAMA  Com apenas nove meses na Casa Branca, Barack Obama recebeu o Nobel da Paz 2009 para surpresa geral. Aos comentários de que o Nobel era precipitado e tinha motivações políticas sucederam-se críticas à atuação do próprio laureado: a coberto da guerra contra o terrorismo internacional, Obama mandou bombardear no Iraque, Afeganistão, Líbia, Paquistão e Iémen, nestes dois últimos casos com aviões não tripulados (drones)

LIU XIAOBO — Galardoado pela sua luta não violenta em prol dos direitos humanos na China, Liu Xiaobo foi criticado por ter apoiado intervenções militares dos Estados Unidos. “O mundo livre liderado pelos EUA combateu quase todos os regimes que esmagaram os direitos humanos. As grandes guerras em que os EUA se envolveram são todas eticamente defensáveis”, escreveu em 1996, num artigo intitulado “Lições da Guerra Fria”. Viu-lhe ser atribuído o Nobel da Paz de 2010, mas Pequim impediu-o de ir recebe-lo. E para protestar contra esse reconhecimento, instituiu o Prémio Confúcio da Paz, atribuído na mesma altura do Nobel

HENRY KISSINGER — Mais de 40 anos depois do fim da guerra do Vietname, muitos continuam a pedir a prisão do então secretário de Estado norte-americano, pelo seu papel no conflito. Kissinger recebeu o Nobel da Paz em 1973, juntamente com o líder vietnamita Le Duc Tho, o qual declinou o prémio dizendo que os Acordos de Paz de Paris não estavam a ser aplicados na sua plenitude. O Nobel a Kissinger é considerado o mais controverso de sempre

YASSER ARAFAT — Em 1994, o Comité Nobel reconheceu os protagonistas da paz celebrada no Médio Oriente e premiou o líder palestiniano Yasser Arafat e os israelitas Yitzhak Rabin e Shimon Peres. Os críticos de Arafat recordaram então o passado violento da Organização de Libertação da Palestina, que liderava, nomeadamente o período na década de 70 que ficou conhecido como “Setembro Negro”. Kare Kristiansen, membro do Comité Nobel, demitiu-se do cargo em protesto contra a escolha. A Arafat chamou “o terrorista mais proeminente do mundo”

ANWAR SADAT & MENACHEM BEGIN — O Nobel da Paz de 1978 foi entregue ao Presidente egípcio Anwar Sadat e ao primeiro-ministro israelita Menachem Begin. Através do Acordo de Camp David, ambos celebraram a paz entre os respetivos países, que dura até hoje. Mas no passado, os dois tinham-se destacado na guerra contra o colonizador britânico. Em 2006, um livro do jornalista alemão Henning Sietz defendeu que Begin participou, em 1952, numa tentativa de assassínio contra o chanceler alemão Konrad Adenauer

HULL CORDELL — Hull Cordell recebeu o Nobel da Paz em 1945 pelo seu contributo para a criação da Organização das Nações Unidas. Cordell tinha sido secretário de Estado do Presidente Franklin D. Roosevelt e protagonista da polémica à volta do St. Louis, uma embarcação que transportava cerca de 950 judeus, em fuga aos horrores do regime nazi, e que em 1939 se acercou do Estreito da Florida para atracar nos EUA. Cordell defendeu junto de Roosevelt a recusa da entrada, posição que prevaleceu, e o St. Louis viu-se forçado a regressar à Europa: um quarto dos seus passageiros morreu nas câmaras de gás

Artigo publicado no Expresso Online, a 1 de junho de 2015. Pode ser consultado aqui e aqui