Espião que azedou a relação entre EUA e Israel vai sair em liberdade

Há 30 anos foi condenado a prisão perpétua por espiar a favor de Israel. O norte-americano Jonathan Pollard vai ser libertado dentro de quatro meses. Há quem diga que os EUA querem acalmar o Estado hebraico, que não aceita o acordo sobre o nuclear iraniano

O norte-americano Jonathan Pollard foi condenado a prisão perpétua por espiar a favor de Israel U.S. NAVY / WIKIMEDIA COMMONS

Tem sido a pedra no sapato das relações entre Estados Unidos e Israel nos últimos 30 anos. Mas já tem solução agendada. Jonathan Pollard, o norte-americano condenado a prisão perpétua em 1985 por espionagem a favor de Israel, será libertado a 21 de novembro.

A decisão tomada na Comissão de Liberdade Condicional do Departamento de Justiça dos EUA foi confirmada na terça-feira pelos advogados de Pollard (que o defendem pro bono), Eliot Lauer e Jacques Semmelman, e também pelo secretário de Estado John Kerry, que garantiu não haver qualquer relação entre esta decisão e o recente acordo sobre o nuclear iraniano, ao qual o aliado israelita se opõe fortemente.

Em Israel, porém, a leitura é outra. “A libertação de Pollard parece ser um prémio de consolação para Israel por causa do acordo com o Irão”, lê-se no diário “Ha’aretz”. Ainda assim, muitos não esconderam o seu entusiasmo: “Trinta longos anos depois, o momento por que ansiávamos chegou”, afirmou o ministro israelita da Agricultura, Uri Ariel.

Israel pagou e pediu desculpa

Pollard, hoje com 60 anos, é o único cidadão norte-americano alguma vez condenado a prisão perpétua por espiar a favor de um país aliado. À altura, trabalhava como analista de informações na Marinha dos EUA. Quando passou informação secreta para o Governo de Israel, era Ronald Reagan Presidente em Wahington e Shimon Peres primeiro-ministro em Telavive.

Em 1987, o Governo israelita emitiu um pedido formal de desculpas aos EUA pela sua participação no ato de espionagem, mas só onze anos depois admitiu ter pago a Pollard pelas informações. Em 1995, Israel atribuiu ao espião a cidadania israelita.

Alistair Baskey, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, esclareceu na terça-feira que, após ser libertado, Pollard terá de permanecer nos EUA nos cinco anos seguintes. “O Presidente não tem qualquer intenção de alterar os termos da liberdade condicional de Pollard”, disse.

Nas últimas três décadas, as sucessivas administrações norte-americanas têm resistido à pressão israelita para libertar Pollard. Na sua autobiografia, o ex-Presidente Bill Clinton escreveu que, em 1998, o então diretor da CIA, George Tenet, ameaçou demitir-se se Pollard saísse em liberdade.

A libertação do espião tem sido objeto de rumores, ao longo dos anos, muitas vezes aventada como incentivo para Israel fazer concessões no âmbito das negociações com os palestinianos. É agora confirmada numa altura em que as relações entre Washington e Telavive já tiveram melhores dias.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 29 de julho de 2015. Pode ser consultado aqui

Jornalistas espanhóis desaparecidos na Síria

Três repórteres espanhóis estão desaparecidos na Síria há dez dias. Foram vistos pela última vez em Alepo, numa zona controlada pela filial local da Al-Qaeda. O Governo de Madrid já está “a trabalhar no assunto”

Três jornalistas espanhóis estão desaparecidos na Síria desde 12 de julho. O Ministério dos Negócios Estrangeiros está “ao corrente da situação” e “a trabalhar no assunto”, garantem fontes do Governo de Madrid citadas pelo diário “El Mundo”.

O jornalista Antonio Pampliega, o operador de câmara Ángel Sastre e o fotógrafo José Manuel López foram vistos pela última vez na parte antiga da cidade de Alepo, no norte do país, no passado dia 11. Citado pela agência Efe, o diretor do Observatório Sírio dos Direitos Humanos, Rami Abderrahman, disse que testemunhas viram os repórteres dentro de uma furgoneta branca, juntamente com o seu tradutor sírio.

Segundo Abderrahman, o veículo foi intercetado por um grupo armado desconhecido que usava roupas “ao estilo afegão”.

Quatro anos após o início da guerra na Síria, Alepo — a segunda maior cidade — é disputada por forças leais ao Governo de Bashar al-Assad e pela Frente al-Nusra, a filial local da Al-Qaeda. Pensa-se que os jornalistas desaparecidos se encontravam numa área controlada pela Frente al-Nusra.

Todos “freelance” (trabalhadores por conta própria) e com experiência noutros grande conflitos, os três cobriam o conflito sírio desde 2011.

Não é a primeira vez que jornalistas espanhóis desaparecem na Síria. Em setembro de 2013, foram sequestrados Marc Marginedas, do jornal “El Periódico de Catalunya”, em Hama, e ainda o repórter de “El Mundo” Javier Espinosa e o fotógrafo freelance Ricardo Garcia Vilanova, na província de Raqqa, o coração do autodenominado Estado Islâmico (Daesh).

A libertação destes reféns, cerca de seis meses após o rapto, indicia que as autoridades espanholas terão pago os resgates exigidos pelos terroristas, uma prática contrária à adotada nomeadamente pelos Governos dos Estados Unidos e Reino Unido que se recusam a pagar a terroristas e já viram nacionais seus serem degolados pelo Daesh.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 22 de julho de 2015. Pode ser consultado aqui

Mullah Omar “aprova” conversações de paz

O líder dos talibãs apoiou, numa mensagem divulgada esta quarta-feira, as conversações de paz entre os talibãs e o Governo de Cabul. Mas a crescente presença de extremistas do autodenominado Estado Islâmico no país está a originar divisões no seio do “movimento dos estudantes”

O líder dos talibãs afegãos considerou, esta quarta-feira, “legítimas” as conversações de paz em curso no Afeganistão que visam pôr um ponto final à guerra que grassa no país há mais de 13 anos.

Mullah Omar aludiu ao processo de paz durante a tradicional mensagem anual que antecede o Eid al-Fitr, a festa que assinala o fim do Ramadão. “Se olharmos para as nossas leis religiosas, descobrimos que reuniões e até interações pacíficas com os nossos inimigos não são proibidas”, escreveu o líder dos talibãs numa declaração publicada no sítio oficial dos talibãs.

Vários encontros informais têm-se sucedido nos últimos meses entre quadros talibãs e representantes do Estado afegão. Na semana passada, uma reunião na cidade paquistanesa de Murree, a norte de Islamabade, foi considerada pelo jornal paquistanês “Dawn” um “significativo passo em frente”.

Pela primeira vez, talibãs e representantes do Governo de Cabul estiveram oficialmente frente a frente. Estados Unidos e China foram observadores no encontro. As partes concordaram voltar a encontrar-se nas próximas semanas.

“O objetivo por detrás dos nossos esforços políticos é acabar com a ocupação”, escreveu Mullah Omar.

Emergência do Estado Islâmico

Porém, a predisposição da liderança talibã para o diálogo não é consensual no seio do “movimento dos estudantes”.

Muitos militantes continuam a defender que não deve haver conversações até que todas as forças estrangeiras sejam expulsas do território afegão. As tropas da NATO terminaram as suas ações de combate em dezembro passado, mas até finais de 2016 um pequeno contingente internacional continuará no país em ações de formação às tropas afegãs.

A divisão no seio dos talibãs, entre defensores e opositores às conversações de paz, agravou-se com a emergência no Afeganistão de um ramo do autodenominado Estado Islâmico (Daesh), que tem originado deserções no seio dos talibãs. ainda segundo o “Dawn”, posições do grupo extremista já começaram a ser bombardeadas por drones (aviões não tripulados) norte-americanos.

Sem aparecer em público há vários anos, Mullah Omar vê cada vez mais a sua liderança contestada. Com frequência, surgem rumores acerca da sua morte, em virtude de problemas de saúde.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 15 de julho de 2015. Pode ser consultado aqui

“Contabilista de Auschwitz” condenado a pena de prisão

Um tribunal alemão considerou Oskar Groening cúmplice na morte de 300 mil pessoas no campo de concentração de Auschwitz. Aos 94 anos, vai cumprir quatro anos de prisão

Oskar Groening, um antigo guarda do campo de concentração de Auschwitz, foi condenado esta quarta-feira a quatro anos de prisão, por um tribunal de Lueneburg, cidade do norte da Alemanha.

Aos 94 anos, Groening foi considerado cúmplice na morte de 300 mil pessoas, entre maio e julho de 1944. Neste período, centenas de milhar de judeus foram enviados da Hungria para Auschwitz-Birkenau, um campo de extermínio na Polónia ocupada pelos nazis. Entre 1940 e 1945, mais de um milhão de pessoas, na sua maioria judeus, foram assassinadas neste campo.

Durante o julgamento, o ex-oficial das SS, conhecido como “o contabilista de Auschwitz”, testemunhou que era responsável por guardar os pertences confiscados aos prisioneiros e pela recolha do dinheiro que lhes era roubado. O tribunal considerou que essas funções foram importantes para manter o campo de extermínio em funcionamento.

Contrariamente a outros antigos nazis levados a tribunal, Groening falou publicamente do seu papel em Auschwitz. “Eu vi as câmaras de gás. Eu vi os crematórios. Eu estava na rampa quando os processos de seleção (para as câmaras de gás) começaram”, disse no documentário “Auschwitz: os nazis e a Solução Final”, produzido em 2005 pela BBC.

Groening disse que falava em público do assunto para calar os negacionistas do Holocausto. E durante o julgamento admitiu sentir-se “moralmente culpado”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 15 de julho de 2015. Pode ser consultado aqui

Um acordo que muda o curso da História

Custou mas foi. Irão e comunidade internacional alcançaram um acordo histórico sobre o programa nuclear iraniano. A infraestrutura nuclear iraniana continuará de pé, mas sob apertada vigilância

Dezoito dias de conversações em Viena, inseridas num processo negocial que se arrastava há 22 meses, mudaram o curso da História como a conhecíamos desde que George W. Bush inscreveu o Irão no “eixo do mal” que apoia o terrorismo. O acordo sobre o programa nuclear iraniano, anunciado esta segunda-feira, resgata o Irão do estatuto de pária a que estava condenado sobretudo após o endurecimento de política externa subsequente ao 11 de Setembro e abre portas a uma maior cooperação entre Estados Unidos e Irão — ironicamente, de relações cortadas desde a Revolução Islâmica de 1979, que derrubou o Xá — na explosiva região do Médio Oriente.

Objetivamente, o acordo alcançado não elimina a infraestrutura nuclear iraniana; mas coloca-a sob uma vigilância permanente que fará soar alarmes se o Irão pisar o risco. Como explicou o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, este acordo garante o aumento do chamado “breakout” (ou seja, o tempo que medeia entre a decisão de ter a bomba e a sua obtenção efetiva) dos atuais “dois ou três meses” para “um ano ou mais”.

“Neste momento, o Irão deve estar a ser vigiado 24 horas por dia por vários serviços de informações e serviços secretos”, comenta ao Expresso Francisco Galamas, investigador na área da proliferação de armas de destruição em massa. “Qualquer tentativa de não respeitar o acordo, seria quase de imediato reportada e, provavelmente, a informação seria colocada nos meios de comunicação social para pressionar as elites políticas de diversos países.”

Inspetores da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), um organismo especializado das Nações Unidas, terão “acesso permanente” a todas as instalações suspeitas “onde e quando for necessário”, garantiu Obama. Se forem detetadas violações ao acordo, as sanções que a comunidade internacional aceitou levantar, serão repostas.

“Este acordo constitui uma oportunidade para avançarmos numa nova direção”, disse Barack Obama, num discurso em direto, na televisão, pouco após o histórico anúncio. “Este acordo foi obtido com base, não na confiança, mas na verificação.”

De regresso a casa, as delegações norte-americana e iraniana levam na mala o mesmo acordo, mas perante a necessidade de o “vender” às respetivas opiniões públicas — e assumir as cedências feitas —, as retóricas de Washington e Teerão poderão soar contraditórias. O que, aliás, já começou a acontecer… “O nosso objetivo era manter o programa nuclear e ver as sanções levantadas”, congratulou-se o Presidente iraniano, Hassan Rohani, que começou a discursar na televisão mal Obama acabou.

Preço do petróleo em queda

O levantamento das sanções — a principal exigência iraniana — acontecerá por fases, à medida que a AIEA for confirmando que Teerão está, efetivamente, a cumprir. Decretadas pela ONU e também por EUA e UE, bilateralmente, as sanções têm asfixiado a economia iraniana. Cálculos efetuados por Jack Lew, secretário norte-americano do Tesouro, indicam que os proventos decorrentes da não venda de crude privaram os cofres de Teerão de mais de 160 mil milhões de dólares (144 mil milhões de euros) desde 2012 — quase duas vezes o resgate da troika a Portugal.

Perante a perspetiva de o petróleo iraniano voltar a inundar os oleodutos na direção do ocidente, o preço do barril de crude estava em queda esta segunda-feira nos mercados internacionais.

Garantida a colaboração do Irão e abertas as portas do país aos inspetores da AIEA, os EUA esperam capitalizar com esta aproximação a Teerão nos três principais conflitos em curso no Médio Oriente, onde o Irão tem ascendente sobre importantes fações: apoia os rebeldes huthis no Iémen, é aliado do regime de Bashar al-Assad na Síria e também do regime iraquiano.

Todos partilham com o Irão a interpretação xiita do Islão e, no caso dos dois últimos, o ódio ao autodenominado Estado Islâmico (que, à semelhança da Al-Qaeda, professa o sunismo e considera os muçulmanos xiitas tão infiéis quanto os cristãos).

Nesta questão, ganha importância a questão do embargo de armas ao Irão, que, segundo o acordo, permanecerá em vigor nos próximos cinco anos, estando previstas, porém, entregas especiais de armamento a Teerão autorizadas pelo Conselho de Segurança da ONU.

Israel diz que é um “erro histórico”

Paralelamente, o Irão é também aliado do grupo xiita libanês Hezbollah, um inimigo declarado de Israel (potência nuclear não-oficial), que o sente como uma ameaça à sua sobrevivência. Benjamin Netanyahu, que em março discursou no Congresso dos EUA onde repetiu a palavra “Irão” 107 vezes, considerou este acordo “um erro histórico”, evidenciando uma predisposição para o combater em todas as frentes. Esta semana, o primeiro-ministro israelita abriu uma conta no Twitter em língua farsi, dirigida ao povo iraniano: “Quanto mais o regime se sente forte e impenetrável à pressão estrangeira, mais aumentará a opressão interna”, twitou Netanyahu.

Tal como em Telavive, o ceticismo quanto a este acordo reina em muitas capitais árabes. Árabes e persas protagonizam a rivalidade mais antiga no Médio Oriente e alguns analistas defendem que a falta de confiança no Irão (o gigante persa com o 17º maior território do planeta e mais de 77 milhões de habitantes) pode originar uma corrida ao nuclear na região. Barack Obama não iludiu a questão e afirmou que a falta de um acordo tornaria essa possibilidade “mais provável”.

Teerão e Washington terão agora pela frente a árdua tarefa de justificar o acordo dentro de portas. Hassan Rohani verá o seu pragmatismo esbarrar no conservadorismo de muitos “ayatollahs” bem colocados. Por seu lado, Barack Obama terá de lidar com um Congresso de maioria politicamente adversa e que tem, por lei, 60 dias para rever (e contestar) o documento. Quando hoje se dirigiu à nação, Obama deixou um aviso: “Irei vetar qualquer legislação que impeça o sucesso da aplicação deste acordo. Não é tempo para politiquices ou encarniçamentos. Discursos duros vindos de Washington não resolvem problemas”.

Foto de família dos protagonistas de um acordo histórico, assinado no edifício das Nações Unidas em Viena, capital da Áustria, a 14 de julho de 2015. Da esquerda para a direita, Wang Yi (ministro dos Negócios Estrangeiros da China), Laurent Fabius (ministro dos Negócios Estrangeiros de França), Frank Walter Steinmeier (ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha), Federica Mogherini (Alta Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança), Mohammad Javad Zarif (ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão), Ali Akbar Salehi (Chefe da Organização para a Energia Atómica do Irão), Sergey Lavrov (ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia), Philip Hammon (secretário dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido) e John Kerry (secretário de Estado dos EUA). Fora da imagem está Ernest Moniz (secretário da Energia dos EUA) JOE KLAMAR / REUTERS

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 14 de julho de 2015. Pode ser consultado aqui