Uma dívida pública impagável e apelos a uma reestruturação… Onde é que já ouvimos isto? Na Grécia, mas também em Porto Rico, um território autónomo sob soberania norte-americana que, contrariamente aos 50 estados, está impedido de declarar falência
A crise grega arrebatou as manchetes em todo o mundo. Se assim não fosse, o protagonismo teria cabido, muito provavelmente, à ilha de Porto Rico, um território autónomo com soberania dos Estados Unidos.
Porto Rico tem uma dívida pública a rondar os 72 mil milhões de dólares (65 mil milhões de euros) — para estabelecer uma comparação, o resgate a Portugal foi de 78 mil milhões — e o seu governador já veio afirmar que não é pagável.
“A dívida não é pagável”, disse Alejandro García Padilla, em entrevista ao “The New York Times”. “Não há qualquer outra opção. Eu adoraria ter uma opção mais fácil. Não se trata de política, trata-se de matemática.”
A Administração Obama já fez saber que está fora de questão qualquer resgate à ilha. Para complicar uma solução, ao abrigo da legislação em vigor, o território não pode declarar falência, ao contrário de qualquer um dos 50 estados da União.
Esta semana, o porta-voz da Casa Branca Josh Earnest afirmou que o Congresso deveria considerar a aprovação de nova legislação no sentido de garantir a Porto Rico a proteção oferecida pelo capítulo 9 do Código de Falências dos Estados Unidos, o que permitiria aos credores recuperarem pelo menos parte de seu dinheiro.
O influente diário norte-americano explica que uma ampla reestruturação da dívida porto-riquenha seria um teste sem precedentes ao mercado de títulos municipais, em que cidades e estados se apoiam para pagar necessidades básicas, como a construção de estradas e de hospitais públicos. E recorda que, no passado, esse mercado já foi abalado pelas falências municipais em Stockton (Califórnia), em 2012, e em Detroit (Michigan), em 2013.
Na segunda-feira, um tribunal de Boston bloqueou uma tentativa de Porto Rico de criar o seu próprio “modus operandi” na relação entre credores e entidades públicas. Concretamente, as autoridades de San Juan tentavam adotar uma lei que permitiria aos municípios insulares declararem falência. Na barra do tribunal, os advogados do território argumentaram que Porto Rico estava numa “terra de ninguém”, mas a sentença foi-lhes adversa.
A resposta à crise está agora nas mãos do Congresso dos Estados Unidos. Vários candidatos às presidenciais de 2016 já se pronunciaram sobre o assunto e os dois principais contendores na corrida à Casa Branca são unânimes em relação à solução. A democrata Hillary Clinton recusa qualquer resgate a Porto Rico, mas considera a opção da bancarrota “uma oportunidade justa no caminho do sucesso”.
Por seu lado, o republicano Jeb Bush afirmou: “Penso que Porto Rico tem de ser tratado como qualquer outro estado no que respeita à reestruturação”.
Na segunda-feira, a primeira mulher de ascendência porto-riquenha a ser eleita para a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, a democrata Nydia M. Velazquez (eleita por Nova Iorque), apelou à convocação de uma reunião de urgência do Grupo de Trabalho sobre Mercados Financeiros, criado em resposta ao “crash” bolsista de outubro de 1987 e que se manteve muito ativa durante a crise financeira de 2008.
A situação de Porto Rico é agravada pelo facto de 45% dos seus 3,6 milhões de habitantes viver em situação de pobreza. Em maio passado, a taxa de desemprego era de 12,4%.
Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 10 de julho de 2015. Pode ser consultado aqui