Uma nova campanha ambiental recorre a fotos dramáticas para alertar para os efeitos catastróficos da intervenção direta do Homem sobre o planeta. Do lixo no mar aos cemitérios de tecnologia, a Terra está esgotada e tem cada vez menos condições para acomodar uma população que não para de crescer. “Estamos a pedir muito ao planeta”, diz ao “Expresso” um dos dinamizadores da campanha Global Population Speak Out
A cada hora que passa, há 9000 novos habitantes na Terra. Previsivelmente, ao longo da vida, grande parte destas pessoas não passará sem um portátil, um tablet e/ou smartphone, que irá substituindo por modelos mais sofisticados com cada vez mais frequência.
“Se os dispositivos tecnológicos servirem como instrumentos de marketing para a economia de consumo — ou seja, se os utilizadores estiverem expostos a propagandas implacáveis que os instam a comprar produtos que não são realmente necessários para a sua prosperidade —, isso conduzirá ao aumento da extração de recursos naturais”, alerta ao “Expresso”Joseph Bish, da organização Population Media Center, promotora da campanha ambiental Global Population Speak Out.
Posta de pé por cientistas, académicos, líderes de opinião, ambientalistas e cidadãos comuns preocupados, esta campanha coloca ênfase nas consequências nefastas para o planeta da intervenção direta do ser humano.
“Recentemente, um estudo [da Universidade de Yale, EUA] revelou que 40% dos adultos em todo o mundo nunca ouviram falar de alterações climáticas”, diz Joseph Bish. “Com base nas taxas de extinção globais, habitats destruídos, alterações químicas dos oceanos e do céu, alterações climáticas, toxicidade e poluição do ambiente, é claro que nós estamos a pedir muito ao planeta.”
Peça central nesta campanha de sensibilização ambiental, o livro “Over Development, Over Population, Over Shoot” — que pode ser folheado gratuitamente aqui — reproduz mais de 170 fotografias que testemunham a destruição generalizada de ecossistemas terrestres, marítimos e aéreos. Os organizadores esperam com estas imagens dramáticas contribuir para alterar mentalidades e hábitos.
“Há muitas formas de mudar regras e comportamentos sociais”, diz Joseph Bish. “O ensino primário e secundário é a mais importante. Também há estratégias como a educação-espetáculo (“entertainment-education”), um método já testado de envolvimento de públicos, introdução de novas ideias e capacitação de pessoas para que tomem melhores decisões com base em mais informação e no incentivo à auto-avaliação e discussão. Estas novas dinâmicas sociais criam condições para mudanças duradouras na sociedade.” O programa infantil “Rua Sésamo” será, porventura, o mais famoso da técnica de educação-espetáculo.
Ao longo de 316 páginas, o livro alerta para fenómenos como o sobrepovoamento das cidades, a produção alimentar intensiva, a sobreexploração de recursos, altos níveis de poluição, caça ilegal, deflorestação, consumo tecnológico desenfreado.
Conclui Joseph Bish: “Nós temos a expectativa de que o nosso planeta forneça espaço, comida e abrigo, facilmente e de forma automática, aos novos habitantes e àqueles que já cá estão — ainda que maltratando terrivelmente a natureza e as espécies com quem coabitamos”.
MAR DE LIXO — O surfista indonésio Dede Surinaya apanha uma onda carregada de lixo na baía de Java, a ilha mais povoada do mundo. “Água e ar, os dois fluidos fundamentais de que depende toda a vida, tornaram-se caixotes de lixo globais.” (Jacques-Yves Cousteau, oceanógrafo francês) ZAK NOYLE / GLOBAL POPULATION SPEAK OUTDEGELO QUE MATA — Um urso sucumbiu, sem ter o que caçar perante a falta de gelo nos fiordes de Svalbard, Noruega. “A situação no Ártico assemelha-se a uma bola de neve: perigosas mudanças no Ártico decorrentes da acumulação antropogénica de gases com efeito de estufa levaram a mais atividades que conduziram a mais emissões de gases com efeito de estufa. Esta situação tem o ímpeto de um comboio desgovernado.” (Carlos Duarte, ecologista espanhol especializado no impacto das alterações climáticas nos oceanos) ASHLEY COOPER / GLOBAL POPULATION SPEAK OUTILHAS SUBMERSAS — Um dos Estados mais vulneráveis às alterações climáticas, o arquipélago das Maldivas está gravemente ameaçado pela subida do nível do mar. Outro país afetado pelo fenómeno é o Tuvalu. “A ilha está cheia de buracos e a água do mar está a preenche-los, inundando áreas que não estavam submersas há 10 ou 15 anos.Temos projeções para daqui a 50 anos. Depois disso, vamos afogar.” (Paani Laupepa, ex-assessor no Ministério dos Recursos Naturais do Tuvalu) PETER ESSICK / GLOBAL POPULATION SPEAK OUTNUVEM DE POLUIÇÃO — No Bangladesh, chaminés de olarias rodeadas de lixo cospem fumo negro para a atmosfera. “Simplificando, se não redirecionamos os nossos sistemas de extração e produção e não mudarmos a forma como distribuímos, consumimos e dispomos das nossas coisas — aquilo a que por vezes chamo o modelo colher-fazer-desperdiçar —, a economia tal como ela existe matará o planeta.” (Annie Leonard, perita norte-americana em desenvolvimento sustentável) M.R. HASASN / GLOBAL POPULATION SPEAK OUTFAUNA CONTAMINADA — Na ilha Midway, no Pacífico, longe dos grandes centros comerciais, a carcaça de um albatroz revela a ingestão de grande quantidade de plástico, acumulada nas praias. “É o mesmo o destino dos filhos dos homens e o destino dos animais; um mesmo fim os espera. Como a morte de um assim é a morte do outro. A ambos foi dado o mesmo sopro, e o homem não tem qualquer vantagem sobre o animal, pois tudo é ilusão.” (Bíblia, Eclesiastes 3:19) CHRIS JORDAN / GLOBAL POPULATION SPEAK OUTCULTURA DE CONSUMO — No esgotado campo de exploração petrolífera de Kern River, no estado norte-americano da Califórnia, parece não haver espaço para mais “derricks”. “No mundo desenvolvido, a única solução para os problemas do mundo em desenvolvimento é exportar o mesmo modelo económico insustentável, alimentando o consumo excessivo do Ocidente.” (Kavita Ramdas, ativista indiana) MARK GAMBA / CORBIS / GLOBAL POPULATION SPEAK OUTMARÉS NEGRAS — Mancha de crude em chamas, após a explosão, seguida de afundamento, em 2010, da plataforma de exploração petrolífera Deepwater Horizon, no Golfo do México. “Temos de compreender não só que cada área tem uma capacidade de carga limitada, como também que essa capacidade está a diminuir e a procura está a aumentar. Até esse entendimento ser parte intrínseca do nosso pensamento e exercer uma forte influência na formação de políticas nacionais e internacionais, dificilmente veremos em que direção o nosso destino vai.” (William Vogt, ecologista norte-americano) DANIEL BELTRA / GLOBAL POPULATION SPEAK OUTPAISAGEM TÓXICA — Vista aérea sobre uma região fértil em areias betuminosas, em Alberta, Canadá, onde se veem lagoas de detritos decorrentes da extração mineira. “Todos os problemas ambientais atuais são consequências más e imprevisíveis da tecnologia de que dispomos. Não há forma de acreditar que a tecnologia vai milagrosamente parar de causar problemas novos e imprevistos ao mesmo tempo que vai resolver os problemas que criou anteriormente.” (Jared Diamond, cientista norte-americano) GARTH LENTZ / GLOBAL POPULATION SPEAK OUTÁGUA IMUNDAS — Um pastor chinês tapa o nariz com a mão, não aguentando o cheiro nauseabundo que vem do Rio Amarelo, na província da Mongólia Interior. LU GUANG / GLOBAL POPULATION SPEAK OUTMAQUINARIA GIGANTE — Considerada a maior máquina móvel do mundo, a Bagger 288 desbrava terreno antes de se iniciar a extração de carvão, no complexo mineiro de Tagebau Hambach, Alemanha. “Ao longo da História, a exploração da Terra pelo Homem produziu esta progressão: colonização – destruição – abandono.” (Garrett Hardin, ecologista norte-americano) ACHIM BLUM / GLOBAL POPULATION SPEAK OUTCIDADES SEM FIM — Casas a perder de vista, nas colinas da Cidade do México, uma das megacidades mundiais. Com uma população superior a 20 milhões de pessoas, a capital mexicana tem uma densidade de 63.700 pessoas por quilómetro quadrado. “Infraestruturas públicas em todo o mundo estão a enfrentar uma pressão sem precedentes, com furacões, ciclones, inundações e incêndios florestais com crescente frequência e intensidade. É fácil imaginar um futuro em que cada vez mais cidades terão as suas frágeis e negligenciadas infraestruturas golpeadas por desastres e depois serão deixadas a apodrecer, sem os seus serviços centrais reparados ou reabilitados.” (Naomi Klein, ativista canadiana) PABLO LOPEZ LUZ / GLOBAL POPULATION SPEAK OUTAGRICULTURA INTENSIVA — Estufas cobrem a paisagem de Almeria, Espanha. “Somos escravos no sentido em que dependemos, para a nossa sobrevivência diária, de um império agro-industrial que ou se expande ou acaba — uma máquina louca — e que os especialistas não entendem e os gestores não conseguem gerir. E que, além disso, devora os recursos mundiais a um ritmo exponencial.” (Edward Abbey, escritor eco-anarquista norte-americano) YANN ARTHUS BERTRAND / GLOBAL POPULATION SPEAK OUTATERROS TECNOLÓGICOS — Toneladas de computadores obsoletos e destroços de outros equipamentos informáticos são enviados por barco do primeiro mundo para países subdesenvolvidos, para triagem ou para serem destruídos. A fotografia mostra uma lixeira em Acra, a capital do Gana. “Mesmo como local de eliminação de resíduos, o mundo é finito.” (William R. Catton Jr., sociólogo norte-americano)PETER ESSICK / GLOBAL POPULATION SPEAK OUTFLORESTAS DECAPITADAS — Troncos de árvores nivelados quase pela base denunciam o local de uma antiga mata, na Floresta Nacional Willamette, no Oregon, Estados Unidos. “Não compreendo porque quando nós destruímos algo que criamos falamos de vandalismo, mas quando destruímos algo criado pela natureza chamamos progresso.” (Ed Begley Jr., ator e ambientalista norte-americano) DANIEL DANCER / GLOBAL POPULATION SPEAK OUTCAÇA ILEGAL — Carcaça de um elefante abatido por caçadores furtivos, no norte do Quénia. “Hoje, existem menos de 3500 tigres pantera na natureza, o que corresponde a menos de 7% da sua extensão histórica. Com os tigres, testemunhamos o trágico desaparecimento de um dos animais mais apreciados do planeta, nessa gama. Toda a população de uma vez.” (Elizabeth L. Bennett, zoóloga norte-americana) KRISTIAN SCHMIDT / WILD AID / GLOBAL POPULATION SPEAK OUT
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 4 de agosto de 2015, onde constam as 15 imagens, e republicado a 30 de novembro de 2015. Pode ser consultado aqui e aqui e aqui
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.