É o canal artificial mais antigo do mundo e inaugura na quinta-feira um novo troço. Aos 146 anos de vida, o Canal do Suez aposta no crescimento, perante a crescente concorrência do Panamá e… da China

É uma obra faraónica e, ao que parece, um grande motivo de orgulho no país dos Faraós. Em contagem decrescente para a inauguração de um novo braço do Canal do Suez — que acontecerá esta quinta-feira —, nove nadadores estenderam sobre as águas do canal artificial mais antigo do mundo uma bandeira do Egito com cinco quilómetros de comprimento. Numa outra iniciativa, o mergulhador Walaa Hafez, conhecido como “a baleia egípcia”, vai tentar bater um recorde mundial, percorrendo 125 km debaixo de água.
É dia de festa gorda no Egito e, para fazer jus à importância do evento, funcionários públicos, bancários e trabalhadores da Bolsa receberam “ordem” para gozar um dia feriado.
Segundo “The Cairo Post”, está confirmada a presença de delegações de 121 países e pelo menos 26 chefes de Estado, entre os quais o francês François Hollande. Portugal será representado pelo secretário de Estado da Cooperação, Luís Campos Ferreira.
A cerimónia será uma oportunidade para celebrar a maior expansão deste Canal desde a sua abertura, em 1869. Mas também um ato simbólico de afirmação da liderança do Presidente Abdel-Fattah El-Sisi, o ex-general que afastou a Irmandade Muçulmana do poder em 2013, e do próprio Egito na disputa pela hegemonia no “campeonato” dos grandes canais marítimos.
“Do ponto de vista da indústria naval, esta iniciativa de expandir o Canal do Suez é um pouco surpreendente”, diz Ralph Leszczynski, da empresa Banchero Costa & Co., sedeada em Singapura. “Tanto quanto sei, não havia nenhuma necessidade premente ou solicitações nesse sentido.”
Alguns críticos deste projeto recordam que o Suez — que é uma fonte de receitas fundamental para o Estado egípcio — tem ainda muito que recuperar em virtude dos grandes prejuízos sofridos pela crise financeira mundial. Dados compilados pela agência Bloomberg revelam que o número de embarcações que atravessa o Canal permanece 20% abaixo do seu nível de 2008 e apenas 2% mais alto do que há uma década.
O jornal “The National”, dos Emirados Árabes Unidos, avança com argumentos geopolíticos para lançar algumas dúvidas sobre a oportunidade do projeto egípcio. Esta obra, escreve na edição desta quarta-feira, “devia garantir que o Suez permanecesse competitivo em relação ao seu principal rival, o Canal do Panamá, no que diz respeito ao transporte de mercadorias entre a costa oriental da Ásia e a costa oriental da América do Norte”.
Porém, continua o jornal, “o número de navios que se prevê que utilizem os dois canais, ainda que em crescimento, é sempre limitado e algumas das vantagens do Suez quase de certeza que irão sofrer erosão devido a um canal totalmente novo que a China está a planear começar a construir no final do ano na Nicarágua, não muito longe do Panamá”, e que deverá começar a funcionar em 2020.
O novo troço, que demorou um ano a ser construído, consiste numa extensão de 35 quilómetros, paralela ao curso do Canal (que mede, no total, 193 quilómetros), e no alargamento e aprofundamento de outros 37 quilómetros.
Foi pago com dinheiros egípcios — 8,5 mil milhões de dólares (7,7 mil milhões de euros) — e, assim o espera a Autoridade do Canal do Suez, poderá contribuir para quase triplicar as receitas provenientes da sua utilização — dos atuais 5,3 mil milhões de dólares (4,8 mil milhões de euros) para cerca de 13,2 mil milhões de dólares (12 mil milhões de euros) em 2023.
Esta obra possibilitará o trânsito de navios nos dois sentidos numa extensão de 72 quilómetros (com uma profundidade de 24 metros) e encortará o período de espera dos barcos de 18 para 11 horas. No Egito, acredita-se que, dentro de uma década, o número de navios a atravessar o Canal poderá duplicar.
Aberto em 1869, após uma década de obras que custou milhares de vidas de trabalhadores, o Canal do Suez é uma das artérias de navegação mais importantes para o comércio mundial, e em particular para o tráfico petrolífero. Estima-se que, em 2013, 4,6% do petróleo e produtos derivados foram escoados através do Suez. E que por ali flua cerca de 7,5% do comércio marítimo mundial.
Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 5 de agosto de 2015. Pode ser consultado aqui