Muharram 1437 *

* Que é como quem diz, feliz ano novo islâmico. Milhões de muçulmanos assinalam, esta quinta-feira, a chegada de um novo ano

Passagem de ano é sinónimo de festa, feriado e… uma mesa farta com a família à volta. É assim em muitas casas portuguesas — e na generalidade do mundo muçulmano, que assinala esta quinta-feira a chegada do ano 1437. “Na Tunísia, temos o hábito de preparar um bom cuscus, que é o nosso prato nacional, com uma carne seca e salgada (o mesmo modo de preparação do bacalhau)”, explica ao Expresso a tunisina Sihem, que vive em Lisboa. “Normalmente, essa carne foi preparada antes, a partir do borrego sacrificado no ‘Id’, a festa que marca o fim da peregrinação a Meca.”

“Por norma, o dia é feriado administrativo em todos os países muçulmanos”, continua Sihem. “Os festejos diferem de país para país, mas em geral privilegia-se os encontros familiares sempre à volta de uma mesa rica.” Com a família na Tunísia, ela confessa que a data já lhe passa um pouco ao lado. “Cá não dá para festejar. As nossas festas passam muito pela família. Já me habituei a ignorar a data.”

O calendário muçulmano tem na sua origem um importante acontecimento histórico: a fuga do Profeta Maomé, e dos seus seguidores, de Meca para Medina. Em Meca, a popularidade das suas pregações era sentida, pelo poder instalado, como uma ameaça crescente. A hégira de Maomé (“hijra” em árabe significa “migração”) aconteceu a 622 d.C., que passou a ser o ano 1 do calendário islâmico.

Menos 11 dias todos os anos

Para determinar o ano em que vivem os muçulmanos não basta subtrair 622 ao ano em curso no Ocidente. O calendário muçulmano é lunar e totaliza, por ano, 354 ou 355 dias. Na prática, isto resulta num desfasamento de cerca de 11 dias comparativamente ao calendário gregoriano, que é solar.

Daqui resulta também uma rotação dos 12 meses do calendário islâmico — cada mês tem, alternadamente, 29 e 30 dias. Isto significa que a data da passagem de ano islâmica é variável, assim como as datas das festividades muçulmanas.

O primeiro dos 12 meses islâmicos chama-se Muharram (tem 30 dias). O mês mais famoso é o nono, Ramadan (30 dias), que corresponde ao período de jejum, que constitui uma das cinco obrigações de cada muçulmano. As outras quatro são o testemunho da fé, a oração, o pagamento da esmola e a peregrinação a Meca. O mês do Ramadão, por exemplo, demora 36 anos a perfazer uma volta ao calendário gregoriano.

Cada mês do calendário islâmico corresponde ao período entre duas lunações — tempo entre duas luas novas consecutivas. Em alguns países, o início do novo ano é determinado após observação da Lua, mas na maioria fazem-se cálculos astronómicos.

Métodos diferentes originam, por vezes, um hiato de um ou dois dias entre países na determinação do primeiro dia do ano. Nada que perturbe os negócios ou o normal funcionamento das instituições, já que, mesmo para os muçulmanos, o calendário lunar é usado apenas para determinar as datas das festividades religiosas. Em tudo o resto, é o calendário gregoriano ocidental que mede o tempo.

Sunitas vs xiitas: cisma também no calendário

Entre os cerca de 1200 milhões de muçulmanos em todo o mundo, este não será, porém, o primeiro “reveillon” de 2015. No Irão, e em países com grupos étnicos de influência persa, como é o caso do Afeganistão, o novo ano é assinalado impreterivelmente a 21 de março, coincidindo com a entrada da primavera.

O “Nowruz” — assim é conhecida a festa — está associado a tradições oriundas da religião zoroastriana, fundada na antiga Pérsia, muito antes do advento do Islão. “Apesar de sermos muçulmanos e de festejarmos todas as festas islâmicas, nós, iranianos, temos mais festas religiosas, como o ‘Id al-Ghadir’”, explica ao Expresso a iraniana Sepideh, que trabalha em Portugal. “Mas o nosso ano novo é o Nowruz. Seguimos o calendário solar persa.”

O “Id al-Ghadir” de que fala Sepideh refere-se à escolha de Ali, pelo Profeta, como seu sucessor, algo em que apenas os xiitas (como os iranianos) acreditam. Os sunitas não reconhecem essa nomeação, facto que está na origem do grande cisma entre muçulmanos sunitas e xiitas.

Em Portugal, como no resto do mundo, a esmagadora maioria dos cerca de 50 mil muçulmanos são sunitas. Estão maioritariamente concentrados na zona da grande Lisboa (Odivelas, Laranjeiro, Palmela e Barreiro), mas também há locais de culto no Porto e no sul do país.

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 15 de outubro de 2015. Pode ser consultado aqui

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