A ocupação israelita assenta em práticas discriminatórias que geram constante tensão nos territórios palestinianos

Há 28 anos, as pedras foram a arma dos palestinianos na revolta (Intifada) contra a ocupação israelita. Treze anos depois, a Intifada de Al-Aqsa explodia sob o signo de ataques suicidas. A resistência palestiniana à ocupação israelita — que dura há 48 anos — assemelha-se, cada vez mais, a um vulcão aparentemente adormecido mas com explosões pontuais. Na origem da violência estão práticas discriminatórias usadas por Telavive para controlar — e frustrar — os palestinianos e que levam cada vez mais vozes a comparar Israel a um Estado de apartheid.
COLONATOS: Todo o hectare conta
Qualquer dos 550 mil colonos judeus que vivem no território palestiniano da Cisjordânia (os da Faixa de Gaza foram transferidos em 2005) goza dos privilégios decorrentes da lei civil israelita. Isso inclui o direito de voto e de recurso aos tribunais. Em contrapartida, os palestinianos que vivem no mesmo território são tutelados pela lei militar, estando sujeitos a ameaças de prisão e detenções arbitrárias e indefinidas. A expansão dos colonatos — considerados “ilegais” pelo Tribunal Penal Internacional — tem levado ao confisco de terras de populações árabes. A situação é dramática para os beduínos (nómadas) que veem escassear as áreas de pastoreio, ficando limitados a trabalhar nos colonatos, que lhes tiraram as terras e lhes pagam salários inferiores. É o que acontece com as populações afetadas pelo polémico projeto E1, que ligará Jerusalém Oriental (ocupada) ao colonato de Ma’ale Adumim, onde vivem 40 mil pessoas.
ESTRADAS: Sair à rua pelo telhado
Na paisagem da Cisjordânia é possível ver modernas autoestradas asfaltadas paralelas a ruas em terra. As primeiras ligam colonatos e apenas judeus as podem usar. Foi numa destas vias que foram raptados, a 12 de junho de 2014, três jovens judeus, posteriormente encontrados mortos. O caso esteve na origem da última ofensiva israelita na Faixa de Gaza e levou israelitas a questionarem a capacidade do Estado para garantir a segurança dos seus compatriotas num cenário de ocupação. Os jovens foram raptados na área C — assim definida pelos Acordos de Oslo de 1993 —, cuja administração e segurança são da total responsabilidade de Israel. Mas é na cidade de Hebron que esta prática tem contornos mais extremos. Em 2000, o exército israelita interditou a circulação de palestinianos na Rua Shuhada, o coração comercial da localidade. As portas de algumas casas onde viviam palestinianos foram soldadas ou entaipadas, obrigando os moradores a recorrer a saídas alternativas. O documentário “The Rooftops of Hebron” (Os Telhados de Hebron, 2006), divulgado pela B’tselem (organização israelita de defesa dos direitos humanos nos territórios ocupados), conta a história de Malka Kafisha, uma palestiniana que para sair à rua passou a ter de subir pelo telhado.
MURO: Rendilhado de cantões
Iniciado em 2003, para travar os ataques suicidas da segunda Intifada, o muro da Cisjordânia cresce de forma cega, cortando aldeias a meio (como em Abu Dis) e separando casas e áreas agrícolas. A “barreira de separação”, como Israel prefere chamar — os seus 708 km são sobretudo em arame e não em betão —, não segue o traçado do armistício de 1949 (Linha Verde). Perto de Belém, a aldeia de Al-Nu’man, por exemplo, ficou cercada pelo muro. Os habitantes foram informados que não seriam abertas passagens na vedação, pelo que melhor seria se abandonassem a aldeia. O mapa da Cisjordânia é hoje um rendilhado de cantões, afastados por checkpoints militares israelitas em prejuízo da circulação quotidiana dos árabes e, a prazo, de uma Palestina independente e economicamente viável. Na Faixa de Gaza, o outro território palestiniano, controlado pelos islamitas do Hamas, Israel bloqueia por terra, ar e mar.
DEMOLIÇÕES: Destrói ou paga!
A contagem é feita por uma organização israelita: desde 1967, Israel já ordenou a demolição de 48.488 casas palestinianas, denuncia o Comité Israelita Contra a Demolição de Casas (ICHAD). Invocando procedimentos administrativos, como a falta de uma determinada licença, autoridades municipais israelitas emitem ordens de demolição de casas árabes. “Na prática, essas licenças são quase impossíveis de obter por parte dos palestinianos em áreas controladas pelos israelitas, considerando que um processo de planeamento separado disponível apenas para colonos lhes garante licenças de construção muito mais facilmente”, denuncia a Human Rights Watch, num relatório de 2012. Esta prática é particularmente relevante em Jerusalém Oriental (ali fica o Muro das Lamentações e a Esplanada das Mesquitas), onde a percentagem de árabes é cada vez menor. Casos há em que após receberem a ordem de demolição, palestinianos lutam anos nos tribunais (quando o podem custear), acabando por ver as suas pretensões rejeitadas. Depois, restam-lhes duas opções: ou destroem as suas casas pelas próprias mãos ou terão de pagar uma multa, o que não impedirá os tratores municipais de deitarem a casa abaixo. A questão das demolições tornou a norte-americana Caterpillar um alvo da campanha internacional BDS (Boicote, Desinvestimento, Sanções), contra Israel.
RETALIAÇÃO: Punição coletiva
A demolição de casas é, pontualmente, utilizada para punir ou enviar uma mensagem a palestinianos suspeitos de envolvimento em “ataques terroristas”. Foi o que aconteceu em Hebron, às casas dos dois suspeitos da morte dos três jovens judeus, em junho de 2014. A medida afeta, muitas vezes, toda a família do suspeito, independentemente da sua participação ou não no crime e, por vezes, toda a região. A seguir ao rapto dos três judeus, a operação de busca (Guardião dos Irmãos) decorreu em várias cidades da Cisjordânia: foram mortos nove palestinianos, detidas centenas de pessoas e efetuadas incursões em universidades, jornais e milhares de casas. Outras formas de punição coletiva são o confisco de terras e arranque ou queima de oliveiras e árvores de fruto (seja para construir o muro ou entregar as propriedades a judeus), a imposição de recolher obrigatório, incursões militares (por vezes, noturnas), o corte de eletricidade ou o próprio bloqueio à Faixa de Gaza.
JUSTIÇA: Presos sem acusação
Em julho passado, o Parlamento de Israel (Knesset) aprovou uma lei que possibilita que jovens palestinianos possam ser condenados até 20 anos de prisão por atirarem pedras contra as forças de ocupação israelitas. O deputado israelita árabe Jamal Zahalka pôs o dedo na ferida: “Imaginem que são levados diante de um verdadeiro juiz aquele que atirou a pedra e os responsáveis pela situação que o levou a atirar a pedra. Quem mandaria o juiz para a prisão? Quem destruiu a casa do atirador da pedra, expropriou as suas terras, matou o seu irmão, ou o rapaz que a atirou?” Segundo a organização B’tselem, no fim de agosto passado, havia nas prisões israelitas 5373 palestinianos detidos por razões de segurança: 156 eram menores e 341 objeto de “detenção administrativa”, ou seja, sem acusação nem julgamento.
VIOLÊNCIA: Colonos intocáveis
A 5 de agosto, Mordechai Meyer tornou-se o primeiro colono judeu alvo de detenção administrativa (por seis meses), por envolvimento no fogo posto que destruiu a Igreja da Multiplicação, na Galileia (norte de Israel). Tratou-se de um caso inédito também por ter levado as autoridades de Telavive a referirem-se a Mordechai como “membro de um grupo terrorista judaico”. Três dias antes, o Governo de Benjamin Netanyahu aprovara a extensão das medidas de detenção administrativa (até então aplicáveis apenas a árabes) a cidadãos israelitas judeus suspeitos de ataques contra palestinianos. A medida do Governo de Telavive era uma resposta a um crime que está na origem da atual vaga de violência: a 31 de julho, na aldeia de Duma, Ali Dawabsheh, de 18 meses, foi queimado vivo quando a sua casa foi atingida por cocktails molotov lançados por colonos. Os pais sobreviveram com queimaduras graves, mas acabariam por sucumbir. Dois colonos foram identificados mas, até ao momento, ninguém foi detido.
ÁGUA: A conta-gotas
Israel controla, virtualmente, toda a água disponível nos aquíferos da Cisjordânia: 73% destes recursos são canalizados para território israelita, 10% são para uso nos colonatos, ficando os restantes 17% de água para os palestinianos, que têm de a comprar a Israel a preços mais altos. A maioria da água consumida em Israel flui da bacia do rio Jordão, ainda que apenas 3% da sua extensão fique dentro das fronteiras anteriores a 1967, data do início da ocupação.
Artigo publicado no “Expresso”, a 17 de outubro de 2015
