EUA admitem “erro humano” no ataque a hospital dos Médicos sem Fronteiras

Uma investigação militar concluiu que as forças norte-americanas no Afeganistão demoraram 17 minutos a reagir ao alerta dos Médicos sem Fronteiras, quando o seu hospital de Kunduz estava a ser alvejado por um AC-130 americano, a 3 de outubro passado. Um “acidente trágico e evitável”, admitiu o comandante das forças norte-americanas

Os Estados Unidos admitiram que o bombardeamento aéreo de 3 de outubro ao hospital de Kunduz, no norte do Afeganistão, resultou de “erro humano”. O ataque provocou 30 mortos, entre os quais 13 funcionários dos Médicos Sem Fronteiras (MSF), organização que geria aquela unidade de saúde.

“Às 2h20 um responsável das forças de operações especiais na [base aérea] de Bagram recebeu um telefonema dos MSF avisando que as suas instalações estavam a ser atacadas. O comando central e o comando das operações especiais dos EUA demoraram até às 2h37 para perceber o erro fatal. Nessa altura o [avião de combate] AC-130 já tinha parado de disparar. O ataque demorou cerca de 29 minutos”, explicou o general John Francis Campbell, comandante das forças dos EUA no Afeganistão, numa conferência de imprensa em Cabul, esta quarta-feira.

Kunduz, a capital da província com o mesmo nome, no norte do país, tinha sido tomada pelos talibãs dias antes. Segundo o general Campbell, a equipa a bordo do AC-130 julgou estar a disparar sobre um outro edifício identificado como uma estrutura usada pelos talibãs.

Os sistemas de identificação de alvos do aparelho falharam na disponibilização de informação precisa, bem como o sistema eletrónico e de comunicações a bordo, incluindo uma emissão de vídeo que, em circunstâncias normais, envia imagens, em tempo real, para altos comandantes.

Os MSF reagiram pela voz do diretor geral da delegação da organização em Bruxelas, Christopher Stokes. “A versão dos acontecimentos dos EUA deixa os MSF com mais perguntas do que respostas. É chocante que um ataque possa ser levado a cabo sem que as forças norte-americanas tenham olhos sobre o alvo nem acesso a uma lista de alvos a não atacar, e tenham sistemas de comunicações deficientes”, acusou.

“O assustador catálogo de erros revela a negligência grosseira por parte das forças norte-americanas bem como violações às regras da guerra”, acrescentou Stokes.

Os MSF apelaram a uma “investigação independente e imparcial” ao ataque. Segundo o diário “The New York Times”, vários militares foram suspensos de funções finalizada a investigação.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 26 de novembro de 2015. Pode ser consultado aqui

UE adota novas etiquetas para produtos oriundos dos colonatos e enfurece Israel

A Comissão Europeia publicou, esta quarta-feira, um documento onde lista novas regras de etiquetagem para bens produzidos nos territórios ocupados por Israel. Nas lojas europeias, qualquer bem fabricado num colonato não escapará à designação “colonato israelita”

A relação entre Israel e a União Europeia gelou esta quarta-feira após a Comissão Europeia publicar um documento (aqui) onde descreve como deverá ser feita a rotulagem dos bens importados pela UE que são produzidos na Cisjordânia, Faixa de Gaza, Montes Golã e Jerusalém Oriental, territórios que a União não reconhece como parte integrante de Israel.

Nas lojas europeias, a designação “produto de Israel” deixa de ser válida para bens produzidos nos Montes Golã e na Cisjordânia (Jerusalém Leste incluído), onde Israel tem colonatos.

No caso de produtos oriundos da Palestina que não de colonatos judeus, na etiqueta deverá ler-se “produto da Cisjordânia”, “produto de Gaza” ou “produto da Palestina”. O documento esclarece que ao usar a palavra “Palestina”, esta não deve ser interpretada como reconhecimento do Estado da Palestina.

Relativamente aos produtos originários dos colonatos, “a expressão ‘colonato israelita’ ou equivalente tem de ser acrescentada, entre parênteses, por exemplo”, diz o documento. Ou seja, só serão permitidas etiquetas com a inscrição “produto da Cisjordânia (colonato israelita)”, por exemplo.

“Este tipo de etiquetagem irá fortalecer os radicais que defendem um boicote a Israel e que negam o direito de Israel existir”, reagiu em comunicado o ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel.

“É uma indicação da origem, não um rótulo de alerta”, esclareceu à Reuters o embaixador da União Europeia em Israel, o diplomata dinamarquês Lars Faaborg-Andersen. Bruxelas refuta as acusações de boicote, defendendo que, com esta legislação, não está a dar quaisquer indicações de consumo aos europeus.

Uma gota no oceano

A decisão de Bruxelas apanhou o primeiro-ministro israelita nos Estados Unidos. Benjamin Netanyahu considerou a decisão da UE “hipócrita, de dois pesos duas medidas” e acusou os europeus de não adotarem decisões semelhantes relativamente a outros 200 conflitos territoriais em aberto no mundo, como entre Marrocos e o Sara Ocidental, por exemplo, ou entre a Turquia e Chipre.

“A economia israelita é forte e vai aguentar”, afirmou Netanyahu. “Quem irá sofrer são os palestinianos que trabalham em fábricas israelitas.”

Segundo o Ministério da Economia de Israel, as novas regras da UE terão um impacto de cerca de 50 milhões de dólares (46 milhões de euros) por ano, afetando sobretudo produtos frescos, como uvas e tâmaras, vinho, aves, mel, azeite e cosméticos feitos com minerais do Mar Morto.

“Isto corresponde a um quinto dos 200-300 milhões de dólares (185-280 milhões de euros) de bens produzidos nos colonatos cada ano, mas é uma gota no oceano quando comparado com os 30 mil milhões de dólares (28 mil milhões de euros) de bens e serviços transacionados entre Israel e a UE todos os anos”, calculou a agência Reuters.

“UE devia ter vergonha”, acusa Netanyahu

“A União Europeia devia ter vergonha de si própria”, acusou o primeiro-ministro israelita. “Não aceitamos o facto de a Europa rotular o lado que está a ser atacado por atos terroristas.”

A nova política europeia relativamente aos produtos dos territórios entra em vigor numa altura de grande tensão entre israelitas e palestinianos. Doze israelitas já foram mortos em ataques levados a cabo por palestinianos e mais de 70 palestinianos já foram mortos pelas forças de segurança israelitas.

Na origem da mais recente vaga de violência está, entre outros, a ocupação, mais especificamente, o crescimento dos colonatos judeus em terras que os palestinianos consideram suas.

Na segunda-feira, horas antes de Netanyahu se encontrar com Barack Obama na Casa Branca, a imprensa israelita revelou que o Governo tinha aprovado a construção de 2200 novas casas em colonatos da Cisjordânia.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 11 de novembro de 2015. Pode ser consultado aqui

Barbárie do Estado Islâmico origina protesto histórico no Afeganistão

Sete afegãos da minoria hazara foram decapitados por homens afetos ao autodenominado Estado Islâmico. Em Cabul, esta quarta-feira, hazaras, pashtunes, tadjiques e uzebeques uniram-se num protesto unânime pouco comum naquele país fortemente tribal. Um hazara disse ao Expresso ser este “o primeiro protesto nacional no Afeganistão em mais de 30 anos”

Milhares de afegãos protestaram, esta quarta-feira, nas ruas de Cabul contra a decapitação de sete pessoas de etnia hazara às mãos do autodenominado Estado Islâmico (Daesh), cada vez mais presente no país.

Transportando os caixões das vítimas — quatro homens, duas mulheres e uma criança, “decapitados com arame farpado”, escreveu a Al-Jazeera —, os manifestantes desfilaram em cortejo na direção do palácio presidencial para exigir justiça e a contenção da escalada da violência.

Wahid, um hazara de 27 anos, bem poderia estar entre os manifestantes, não tivesse sido obrigado a fugir do país em abril passado. “Saí numa altura em que havia muitos raptos a visar os hazaras”, conta ao Expresso. “Por três vezes, vi homens suspeitos a rondar a minha casa e a zona onde vivo e senti que também podia ser raptado. Aproveitei o início de uns combates e fugi. Pensei: ‘Se eles conquistarem a zona onde vivo podem facilmente invadir a minha casa e fazer o que bem quiserem’.”

O afegão vivia na província de Wardak, vizinha à de Ghazni, onde os sete hazaras massacrados desapareceram. Atualmente, vive em Nova Deli (Índia), onde luta pela atribuição do estatuto de refugiado junto do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

Wahid vai acompanhando, nas notícias, o drama de milhares de refugiados (muitos deles afegãos) que, de barco ou a pé, tentam entrar na Europa. “Não pude correr esse risco, por causa da Enarah. De outra forma, também teria ido.” Enarah é a filha de dois anos, que vive consigo e a mulher, em Nova Deli.

Minoritários e discriminados

Os hazaras são uma etnia minoritária no Afeganistão. De credo ismaelita (um braço dos xiismo), sofrem, no dia a dia, situações de discriminação por parte de afegãos oriundos de grupos étnicos maioritários. “Ao abrigo da Constituição do país, todas as etnias têm os mesmos direitos. Mas isso não é aplicado. Nós, hazaras, estamos em minoria e sentimo-nos discriminados. Apenas podemos viver em áreas específicas”, exemplifica Wahid.

“E temos menos hipóteses de conseguir um trabalho. Se precisarmos da assinatura de alguém dos serviços num determinado formulário, temos mais dificuldades para o conseguir, ou então temos de recorrer a subornos. Há uma enorme discriminação, sobretudo porque temos um credo diferente.”

Embora o grupo seja contemplado pelo sistema de quotas estabelecido, por exemplo, para a composição das forças de segurança. Como o Expresso constatou durante uma reportagem realizada em 2011 no Afeganistão, nas instalações militares sobram para os hazaras “trabalhos menores”, como as tarefas da limpeza ou o serviço de chá e café, por exemplo.

Condenação nacional

Segundo a Al-Jazeera, entre os manifestantes, esta quarta-feira, em Cabul havia, para além de hazaras, muitos pashtunes, tadjiques e uzebeques. “É o primeiro protesto nacional no Afeganistão em mais de 30 anos”, afirma Wahid.

Muitos “vieram de lugares distantes”, afirmou o chefe da polícia da capital, Abdul Rahman Rahimi. “Estamos a tentar que a manifestação não se torne violenta.”

Numa comunicação ao país, onde apelou à calma, o Presidente afegão, Ashraf Ghani, disse: “O inimigo está a tentar minar a nossa unidade”, acrescentando que “as forças de segurança do país são compostas por todos os grupos étnicos”.

Os sete cadáveres foram descobertos por talibãs, na região de Arghandab, província de Zabul (sul). Os “estudantes” entregaram-nos a anciãos da província vizinha de Ghazni, onde as vítimas foram raptadas há mais de um mês.

“Morte ao Estado Islâmico”

Precisamente em Ghazni, na terça-feira, manifestantes saíram à rua, acompanhando uma carrinha que transportava os caixões cobertos com bandeiras afegãs. “Morte ao Estado Islâmico”, ouviu-se.

“Queremos justiça não apenas para eles mas para milhares de outros inocentes que são mortos tão brutalmente, quase todos os dias”, afirmou à Al-Jazeera um manifestante, Ismail Khanjar. “Não queremos saber se eram xiitas ou não. São seres humanos e foram mortos daquela forma bárbara. Que crime cometeram?”

O Daesh irrompeu no Afeganistão em 2014. Desde então, a situação dos hazaras tem piorado consideravelmente, com várias notícias de raptos coletivos. Porém, no Afeganistão, a perseguição a esse grupo étnico é antiga. Durante os anos 90, milhares foram mortos pela Al-Qaeda e pelos talibãs (que à semelhança do Daesh são fundamentalistas sunitas).

Atualmente, “eles estão concentrados no sul do país, mas estão a tentar ganhar influência no norte”, diz Wahid.

Na semana passada, um grupo dissidente dos talibãs designado Alto Conselho do Emirado Islâmico do Afeganistão anunciou a eleição de um líder próprio, num aparente ato de desafio ao novo líder dos talibãs Mullah Akhtar Mansoor. “Aos poucos”, concorda Wahid, os talibãs vão ficando ainda mais radicais.

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 11 de novembro de 2015. Pode ser consultado aqui e aqui

 

Brechas na estratégia contra o Daesh

A intervenção russa na Síria obriga os Estados Unidos a reagir. Mas a força enviada por Washington “roça o ridículo”, diz um analista

Guerrilheira curda na frente de guerra GABRIEL CHAIM

Ainda não foi anunciada, mas a batalha por Raqqa, a capital do autoproclamado Estado Islâmico (Daesh), parece já estar em marcha. “Eles vão iniciar uma operação forte para tomar Raqqa. Não sei o dia exato. Eles não dizem. Mas a movimentação já começou”, disse ao Expresso o fotógrafo Gabriel Chaim. “Eles” são um grupo das Unidades de Proteção Popular (YPG, curdos sírios) que o brasileiro tem acompanhado desde Kobane, de onde saíram na semana passada. “Eles estão a tomar aldeias. Mas o avanço é lento. Há muitas minas escondidas.”

O repórter refere que a força que vai tentar reconquistar Raqqa inclui também peshmergas (curdos iraquianos) e milicianos do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK, separatistas curdos turcos). “Não vai ser fácil nem rápido. Só com apoio aéreo poderão derrotar o Daesh.”

Dois povos, duas Sírias

Gabriel recorda que Raqqa é uma cidade árabe. Os curdos, que não são árabes, “fizeram uma parceria com um grupo ligado ao Exército Livre da Síria (rebeldes moderados), composto por ex-moradores da cidade, e estão a treiná-los. Quando recuperarem Raqqa vão entregar o poder a esse grupo árabe. Imagine-se o que aconteceria se curdos tomassem conta de uma cidade árabe… os árabes iriam revoltar-se”.

Na Síria, como no Iraque, árabes e curdos são mundos diferentes. Mas é do outro lado da fronteira, na Turquia — onde o poder central é desafiado pelo separatista PKK —, que este protagonismo curdo no combate ao Daesh mais indispõe. “Depois do surpreendente resultado eleitoral do AKP, a possibilidade de um entendimento entre rebeldes curdos e Governo ficou mais distante”, disse ao Expresso Manuel Castro e Almeida, colunista da televisão Al-Arabiya.

“Mal foi conhecido o resultado, o AKP acelerou a retórica anticurda, em relação ao PKK e aos curdos sírios. A Turquia continua a bombardear posições curdas na Síria e já vincou que não permitirá uma entidade curda autónoma, quase independente, na fronteira com a Síria. Este cenário, cada vez mais real, daria aos curdos da Turquia uma grande vantagem. Para o Governo AKP, fortemente ideológico e conservador, esta sempre foi a principal ameaça do conflito sírio.”

Na estratégia anti-Daesh que se esboça, nem só a Turquia mostra reservas. Após os EUA anunciarem o envio de 50 homens para o terreno, o Presidente russo, Vladimir Putin, alertou para o risco de uma “guerra por procuração” na Síria. Castro e Almeida defende, antes, que a preocupação de Washington é evitar um envolvimento prolongado e de difícil saída naquele que é o conflito mais complicado em décadas.

Há espaço para cooperar

“O programa americano de treino de rebeldes moderados, cancelado recentemente, propunha treinar milhares, mas treinou poucas dezenas. O contingente que Obama decidiu agora enviar (nem são tropas de combate) por enquanto roça o ridículo dada a gravidade da situação e a magnitude da ameaça”, diz este especialista em assuntos do Médio Oriente.

Há oito dias, em Viena, negociações sobre o conflito sentaram à mesa, pela primeira vez, todos os Estados da região, incluindo os arqui-inimigos Arábia Saudita (árabe sunita) e Irão (persa xiita). “Rússia e EUA podem ter visões diferentes em relação à Síria e ao regime, mas também têm preocupações comuns, com o Daesh no topo. Apesar da intervenção russa envolver bombardeamentos contra a oposição em geral, e não só o Daesh, há bastante espaço para cooperação. É verdade que a intervenção russa obriga os americanos a reagir. Mas para a Rússia a crise síria é mais importante estrategicamente do que para os EUA. Há uma forte possibilidade de a Rússia aceitar um novo governo sem Bashar al-Assad, desde que os seus interesses estratégicos sejam garantidos.”

Artigo publicado no Expresso, a 7 de novembro de 2015

Por que jogam equipas israelitas nas provas da UEFA?

Faz fronteira com a Síria e com o Egito, mas goza, a nível futebolístico, de um estatuto europeu. Israel disputa o Campeonato da Europa a nível de seleções e os seus clubes competem nas provas da UEFA, como o confirma o jogo desta quarta-feira entre Maccabi de Telavive e FC Porto

A cada nova época desportiva, já poucos estranham a presença de equipas israelitas nas provas organizadas pela UEFA. É assim desde 1992, ano em que Maccabi de Telavive e Hapoel Petah-Tikva fizeram história ao tornarem-se os primeiros clubes israelitas a participarem nas competições europeias.

Criado em 1948, Israel herdou dos britânicos, que detinham o mandato da Palestina, o entusiasmo pelo futebol — hoje, o desporto mais popular entre os israelitas. Correspondendo à sua localização geográfica, em 1954, o país aderiu à Confederação Asiática de Futebol, estatuto que duraria apenas 20 anos.

Cedo, a participação desportiva israelita começou a ressentir-se de atitudes de boicote por parte de equipas adversárias, que se recusavam a defrontar os israelitas.

Vencer sem jogar

Em 1958, essa animosidade levou a um episódio bizarro: durante a fase de qualificação para o Mundial da Suécia, Israel garantiu o apuramento sem ter disputado um único jogo. Turquia (que hoje também disputa as provas da UEFA), Indonésia e Sudão recusaram jogar contra Israel. Para contornar o embaraço, a FIFA organizou um “play off” entre Israel e o País de Gales. Israel perdeu as duas partidas por 2-0.

Igualmente, em 1964, quando Israel recebeu e venceu a Taça Asiática, o feito foi ensombrado pelo facto de 11 dos 16 países participantes se terem retirado da competição. Israel ganharia o torneio triunfando apenas contra Índia, Coreia do Sul e Hong Kong.

A convivência de Israel no seio da Confederação Asiática de Futebol complicou-se definitivamente após a eclosão da guerra do Yom Kippur, em 1973, a quarta israelo-árabe. Durante os Jogos Asiáticos do ano seguinte, disputados em Teerão (ainda no Irão reinava o Xá Mohammad Reza Pahlavi), Kuwait e Coreia do Norte recusaram defrontar Israel.

Os israelitas chegariam à final, que perderiam por 0-1 para os iranianos (um jogo impossível de se realizar na atualidade). Porém, o mérito desportivo sucumbiria à contestação política e Israel seria expulso da Confederação Asiática em 1974.

Durante os anos 80, a seleção israelita jogou a maioria dos jogos contra equipas europeias, disputou na Europa a qualificação para o Mundial de Espanha (1982) e na Oceânia o acesso aos dois torneios seguintes (México 86 e Itália 90).

Casa emprestada por causa da guerra em Gaza

O futebol israelita recuperaria a estabilidade competitiva em 1992, quando as suas equipas começaram a disputar as provas da UEFA. O país seria admitido na confederação como membro associado nesse ano e como membro de pleno direito dois anos depois.

De permeio, em 1993, a seleção israelita atingiria a glória ao derrotar a França, no Parque dos Príncipes, em Paris, por 2-3, durante a qualificação para o Mundial dos Estados Unidos. (Atualmente, é na zona europeia que a seleção israelita disputa a qualificação para os Mundiais da FIFA.)

Se, em termos políticos, Israel encontrou na UEFA a estabilidade que a dada altura perdeu na Confederação Asiática, a instabilidade crónica que flagela a região do Médio Oriente tem penalizado as equipas israelitas também no seio europeu.

Na última época, por exemplo, por determinação da UEFA, Maccabi de Telavive, Hapoel de Telavive e Hapoel Beersheva tiveram de recorrer a “locais alternativos, fora do território de Israel” para disputar os jogos caseiros da Liga dos Campeões e da Liga Europa. Um efeito colateral de mais uma guerra na Faixa de Gaza, no verão de 2014.

Palestinianos mostram cartão vermelho

Em maio passado, o conflito israelo-palestiniano chegou ao Congresso anual da FIFA, realizado em Zurique (Suíça). Membro da organização desde 1998 — à semelhança das associações de outras nações não soberanas como Inglaterra, Escócia e País de Gales —, a Associação Palestiniana de Futebol lançou uma petição no sentido da suspensão de Israel.

Então, os palestinianos enumeraram situações que, em seu entender, encerram em si violações dos princípios e da ética da FIFA por parte das autoridades israelitas: restrições à circulação de jogadores e responsáveis palestinianos entre os dois territórios palestinianos (Cisjordânia e Faixa de Gaza); proibição de entrada a adversários internacionais nos territórios ocupados palestinianos; inclusão de equipas oriundas de colonatos nos campeonatos secundários israelitas.

Jibril Rajub, presidente da Associação Palestiniana de Futebol, acabaria por emendar a moção, retirando a exigência da suspensão de Israel e propondo a formação de um comité internacional que investigue a liberdade de movimentos dos jogadores palestinianos, as acusações de racismo e o estatuto de cinco equipas israelitas sedeadas na Cisjordânia.

A cedência palestiniana foi muito criticada entre os palestinianos. “Isto não quer dizer que eu vou desistir da resistência”, garantiu Jibril Rajub. “Não devemos misturar política e futebol”, contrapôs o delegado israelita, Ofer Eini.

O CASO BRAHIMI

Mal foi conhecido que o FC Porto ia defrontar o Maccabi de Telavive, para a Liga dos Campeões, multiplicaram-se apelos, na imprensa argelina e nas redes sociais, para que o argelino Yacine Brahimi se recusasse a defrontar os israelitas. “A decisão final sobre as minhas deslocações profissionais cabe a mim e ao FC Porto”, escreveu Brahimi no Facebook. Na primeira mão, no Dragão, a 20 de outubro passado, Brahimi marcou um dos golos da vitória do Porto por 2-0 sobre o Maccabi. Uma lesão entretanto diagnosticada resolveu o dilema relativo à sua deslocação a Israel

* Este texto baseia-se num artigo escrito por Richard Williams, publicado Sky News Online

Artigo publicado no Expresso Online, a 4 de novembro de 2015. Pode ser consultado aqui