Após a conquista de Ramadi aos jiadistas, as autoridades iraquianas apressaram-se a identificar a próxima batalha — Mosul — e a prometer o fim do Daesh para 2016. Confrontados com crescentes perdas territoriais, os extremistas contra-atacam com retórica. Muçulmanos de todo o mundo respondem-lhes… com sarcasmo
A reconquista de Ramadi, concluída na segunda-feira pelas tropas iraquianas, é o mais visível — e importante — de um conjunto de desaires acumulados recentemente pelo autoproclamado Estado Islâmico (Daesh). Aquela cidade iraquiana é um dos vértices do chamado “triângulo sunita”, uma grande área habitada maioritariamente por populações muçulmanas sunitas (confissão minoritária no Iraque) que engloba a capital, Bagdade.
No tempo de Saddam Hussein, o “triângulo” era um bastião de apoio ao Presidente (também ele sunita). No pós-Saddam, tornou-se um pólo aglutinador do descontentamento sunita em relação à governação sectária de Bagdade (beneficiando a maioria xiita) e uma zona permeável ao Daesh (sunita) que capitalizou apoio com a frustração sunita.
Mas para Bagdade, Ramadi é só o início da libertação do Iraque das mãos do Daesh. “Após a vitória em Ramadi, a libertação da nossa querida Mosul será alcançada graças à cooperação e à unidade de todos os iraquianos”, afirmou o primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Abadi. “2016 será o ano da grande vitória final, quando a presença do Daesh no Iraque terminar.”
Situada a 400 km para norte de Bagdade, a retoma de Mosul (a segunda cidade iraquiana) significará, para as autoridades iraquianas, o fim do “califado” proclamado, a 29 de junho de 2014. “Foi ali que Abu Bakr al-Baghdadi declarou o seu califado”, disse o ministro das Finanças Hoshiyar Zebari. “É, literalmente, a capital deles.”
Raqqa debaixo de fogo
Também na Síria, o cerco ao Daesh está a apertar-se. Raqqa, onde o Daesh tem o seu quartel-general, tem sido alvo de fortes bombardeamentos da aviação norte-americana, russa e francesa, intensificados após os atentados de Paris de 13 de novembro.
No sábado, as Forças Democráticas da Síria — uma coligação rebelde apoiada pelos EUA e que inclui curdos sírios e grupos árabes e cristãos — capturaram ao Daesh a grande barragem de Tishrin, no Rio Eufrates, 90 km para leste de Alepo, no âmbito de uma operação que visa cortar as linhas de abastecimento dos jiadistas no norte da Síria.
No dia seguinte, o ministério da Defesa da Rússia — país que tem sido acusado de alvejar mais grupos opositores a Bashar al-Assad do que posições do Daesh — divulgou um vídeo filmado com drone mostrando bombardeamentos russos a 37 refinarias e outras instalações petrolíferas e 17 colunas de camiões do Daesh preparados para transportar, clandestinamente, petróleo para a Turquia.
Daesh sobe a fasquia e ameaça Israel
Enquanto, no sábado, já se anunciava a recuperação de Ramadi — e Bagdade celebrava um teste bem sucedido à capacidade operacional das forças iraquianas —, surgia nas redes sociais um áudio atribuído a Abu Bakr al-Baghdadi (mas cuja autenticidade não foi confirmada de forma independente).
Na mensagem de 24 minutos, o “califa” (que não se ouvia desde maio) garantia que os bombardeamentos da Rússia e da coligação liderada pelos EUA não conseguiam enfraquecer o Daesh. “Estejam confiantes de que Deus concedará a vitória àqueles que o adoram, e ouçam as boas notícias de que o nosso Estado está a ir bem. Quanto mais intensa é a guerra, mais pura e mais difícil ela se torna”, disse.
Al-Baghdadi não se limitou à defesa e subiu a fasquia das ameaças como nunca antes, visando diretamente… Israel, que faz fronteira com a Síria, mas, até ao momento, não foi alvo dos jiadistas. “Estamos mais próximos de vocês a cada dia que passa. Não pensem que nos esquecemos de vocês”, disse. “Deus fez com que os judeus de todo o mundo se reunissem em Israel, o que torna a guerra contra eles mais fácil.”
Ao ameaçar Israel, o Daesh tenta ganhar popularidade entre os muçulmanos — o ódio a Israel é um sentimento partilhado de Rabat a Jacarta. Mas também corre o risco de estar a lavrar a sua sentença de morte. Jurgen Todenhofer, um jornalista alemão de 75 anos que, em 2014, passou dez dias junto do Daesh, afirmou, recentemente, numa entrevista ao jornal digital britânico “The Jewish News”: “O único país que o Daesh teme é Israel. Disseram-me que estão conscientes que o exército israelita é demasiado forte para eles”.
Muçulmanos sarcásticos com o Daesh
Na gravação atribuída a Al-Baghdadi, o Daesh diz-se rodeado de inimigos e apela ao levantamento de muçulmanos no mundo inteiro. O apelo foi correspondido, mas não exatamente no sentido pretendido pelos jiadistas…
“Desculpa camarada, não quero arriscar morrer antes de sair o próximo Guerra das Estrelas”, tweetou @MohsinArain91. “O meu pai diz que tenho de estar em casa às oito da noite. Estamos despachados a essa hora?”, ironizou uma muçulmana que se identifica como @guidanceofgod.
“Desculpa lá Daesh. Este muçulmano aqui acaba de acordar. Precisa de café. E também, como é fim de semana de Natal, tenho de estar com a família. Estou no ir”, escreveu @SalmanSoz. “Desculpa, mas vou celebrar o ano novo com amigos e estou ocupado a organizar a festa. Talvez mais tarde?”, propôs @najibsamehgmail.
Acossado no terreno, também no teatro da propaganda o Daesh está a sentir cada vez mais resistência.
Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 29 de dezembro de 2015. Pode ser consultado aqui