Coreia do Norte diz que testou a bomba H, mas há dúvidas

A Coreia do Norte acaba de aceder ao “grupo dos Estados nucleares avançados”, garantem as autoridades de Pyongyang. A realização de um teste nuclear, esta quarta-feira, não está em causa. Mas especialistas duvidam que tenha envolvido uma bomba de hidrogénio, como os norte-coreanos reclamam

A Coreia do Norte tem uma capacidade única de acordar o mundo em sobressalto. Em virtude da diferença horária, quando grande parte do planeta está a despertar do sono, já o dia vai lançado no país. E quando um líder como Kim Jong-un decide fazer jus à sua megalomania, a abertura dos noticiários internacionais está garantida.

Foi o que aconteceu esta quarta-feira quando, às primeiras horas da manhã em Portugal, foi conhecida a realização, na Coreia do Norte, de um teste envolvendo um dispositivo nuclear de hidrogénio miniaturizado. Segundo a agência oficial KCNA, o ensaio nuclear — o quarto desde 2006 — aconteceu às 10 horas locais (uma e meia da madrugada em Lisboa).

“Esta é a medida de auto-defesa que temos de tomar para defender o nosso direito de viver em face das ameaças nucleares e chantagens por parte dos Estados Unidos e para garantirmos a segurança da península coreana”, justificou a apresentadora da televisão estatal norte-coreana. “Não vamos desistir de um programa nuclear, enquanto os EUA mantiverem a sua postura agressiva.”

Coreia do Sul pede mais sanções

O Conselho de Segurança da ONU reuniu-se de urgência para discutir este aparente significativo avanço das ambições militares norte-coreanas. Park Geun-hye, a Presidente da Coreia do Sul — com quem o Norte continua tecnicamente em guerra desde 1953, quando foi assinado um armistício mas não um tratado de paz após a Guerra da Coreia —, instou a comunidade internacional a adotar sanções mais duras contra a Coreia do Norte.

Pyongyang garante que a detonação da bomba de hidrogénio (bomba H) coloca o país “no grupo dos Estados nucleares avançados”. Mas, na região, especialistas questionam os componentes usados no ensaio, defendendo que a atividade sísmica detetada no sítio de testes de Punggye-ri (nordeste) — 5.1 na escala de Richter — sugere a utilização de um dispositivo menos potente.

Citado pelo jornal “The Japan Times”, o australiano Crispin Rovere, especialista em política nuclear e controlo de armas, afirmou: “A informação sísmica recebida indica que a explosão é significativamente mais baixa do que a que seria de esperar de um teste com a bomba H. O que me parece é que eles realizaram com sucesso um teste nuclear, mas não conseguiram completar a explosão de hidrogénio”.

Uma bomba de hidrogénio — também designada bomba termonuclear — tem um poder muito mais destruidor do que as bombas atómicas despejadas pelos EUA sobre Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945. Enquanto estas baseavam-se em reações de fissão de elementos radioativos (urânio e plutónio respetivamente), a bomba H baseia-se numa reação de fusão de isótopos do hidrogénio, libertando quase mil vezes mais energia.

A bomba H nunca foi usada em tempo de guerra. A única vez que foi detonada foi a 1 de novembro de 1952, no atol de Eniwetok (Ilhas Marshall). Nesse ensaio (operação Ivy), a bomba teve um poder de explosão de cerca de 10 milhões de toneladas de TNT, sensivelmente 700 vezes o poder da bomba de Hiroshima.

A Coreia do Norte é, oficialmente, uma potência nuclear desde que, a 9 de outubro de 2006, realizou o seu primeiro ensaio atómico. Nessa altura, já se havia retirado do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), de 1970. Fê-lo a 10 de janeiro de 2003, após os EUA terem acusado Pyongyang de possuírem um programa secreto de enriquecimento de urânio.

Do “clube do nuclear”, fazem mais sete países: os cinco Estados permanentes do Conselho de Segurança da ONU (EUA, Rússia, Reino Unido, França e China), a Índia e o Paquistão. A nona potência, não declarada, é Israel. Os três últimos não subscrevem o TNP.

O teste hoje anunciado por Pyongyang aconteceu dois dias antes do 32º aniversário de Kim Jong-un, no poder há quatro anos. Analistas referem que o líder norte-coreano busca um grande feito para dar visibilidade ao sétimo congresso do Partido dos Trabalhadores da Coreia, marcado para maio — o partido no poder já não reune em congresso há 36 anos.

“Não creio que tenha sido um teste com uma bomba H. A explosão teria de ser maior”, disse Choi Kang, vice-presidente do Instituto Asan de Estudos Políticos, sedeado em Seul (Coreia do Sul), citado pelo diário “The Japan Times”. “Eu acho que eles estão a disfarçar o teste realizado, porque recentemente Kim Jong-un falou do assunto.”

No mês passado, durante uma inspeção militar, o líder norte-coreano sugeriu que o país já tinha desenvolvido a bomba H. Fora de portas — então, como agora —, o anúncio foi acolhido com ceticismo.

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 6 de janeiro de 2016. Pode ser consultado aqui

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