Ponto de viragem no Irão… com algumas reticências

Uma semana depois das 10ª eleições legislativas da era revolucionária no Irão, e entretanto conhecidos os resultados finais, verifica-se, pela primeira vez, uma perda de influência dos conservadores e um reforço dos moderados e reformistas. A coesão, ou falta dela, no seio do campo moderado será um desafio para o Presidente Rouhani

Sete meses após a assinatura do acordo sobre o programa nuclear iraniano — que levou ao levantamento de sanções económicas em vigor há mais de uma década e ao degelo na tensa relação de quase 40 anos com o Ocidente —, a dupla jornada eleitoral de 26 de fevereiro no Irão (para o Parlamento e para a Assembleia de Peritos) sancionou a linha política que tem vindo a ser traçada pelo Presidente, o moderado Hassan Rouhani.

Dos 55 milhões de eleitores, 62% afluíram às urnas e ditaram, na sua maioria, uma perda de influência dos conservadores (também chamados principalistas) e um reforço dos moderados e reformistas.

“Esta eleição pode ser um ponto de viragem na história da República Islâmica”, lê-se num editorial do jornal reformista “Mardom Salari”, cujo editor executivo, Mostafa Kavakebian, foi eleito deputado por Teerão. “A maior conquista desta eleição é o regresso dos reformistas ao sistema de Governo. Por esta razão, deixarão de lhes chamar sediciosos ou infiltrados”, como os acusava a linha dura do regime, insinuando ligações ao Ocidente.

Um judeu no Parlamento iraniano

Em concreto, para o Majlis (Parlamento, de 290 lugares), os conservadores — alinhados com o líder espiritual, ayatollah Ali Khamenei — elegeram 68 deputados, enquanto os reformistas e moderados obtiveram 85 e 73, respetivamente. Foram ainda eleitos cinco representantes de minorias religiosas: três cristãos (arménio, assírio e caldeu), um zoroastriano e um judeu. Em abril, irão novamente a votos 59 circunscrições onde nenhum candidato obteve 25% dos votos.

Mas o que significa ser moderado ou conservador num país onde a política se move mais em função de personalidades do que de formações políticas?

Também designados conservadores pragmáticos ou centristas, os moderados têm uma agenda conservadora em matérias sociais e mais liberal no que respeita à economia, defendendo a abertura das portas do país a investimentos estrangeiros.

Além do Presidente Rouhani, também o antigo chefe de Estado Ali Akbar Hashemi Rafsanjani e também Hassan Khomeini, neto do fundador da República Islâmica, partilham desta sensibilidade. Nesta eleição, enquanto os dois primeiros foram facilmente eleitos para a Assembleia de Peritos, o neto do ayatollah Khomeini foi vetado pelo Conselho de Guardiões (conservador), à semelhança do que aconteceu a muitos outros candidatos reformistas, outra tendência do campo moderado.

Reformistas em prisão domiciliária

Defensores de mais democracia e mais liberdades civis, designadamente ao nível dos órgãos de informação, os reformistas advogam também uma relação mais aberta com o Ocidente.

Atualmente, alguns das suas vozes mais destacadas estão limitadas na sua capacidade de expressão, nomeadamente o ex-Presidente Mohammed Khatami (1997-2005) — cuja fotografia está proibida de ser publicada nos jornais — e ainda Mir Hossein Mousavi e Mehdi Karroubi, líderes do Movimento Verde de 2009 (protestos populares contra a reeleição do Presidente conservador Mahmud Ahmadinejad), que continuam em prisão domiciliária.

No extremo oposto aos moderados, estão os conservadores, maioritários no Majlis desde a revolução de 1979. Personalidades religiosas e populistas, têm ideias muito rígidas em matérias sociais e defendem uma relação limitada com o Ocidente. Fortemente ligados aos Guardas da Revolução, a força de elite do regime iraniano, têm uma sólida base eleitoral nas áreas rurais. Foram dos maiores críticos ao acordo sobre o nuclear celebrado entre o Irão e seis potências internacionais.

Ontem conservadores, hoje moderados

Das eleições de 29 de fevereiro, resulta, porém, uma grande incógnita… A fação moderada venceu, mas entre os candidatos eleitos há uns “mais moderados do que outros…” Um dos mais questionáveis é Kazem Jalali, até há pouco um conservador da linha dura, que defendeu a pena de morte para os líderes do Movimento Verde.

Outros nomes polémicos eleitos entre os moderados para a Assembleia de Peritos são Mohammad Reyshahry e Ghorbanali Dorri-Najafabadi, ex-ministros da Informação acusados pela oposição ao regime de envolvimento na execução de milhares de dissidentes, ou o ayatollah Yousef Tabatabai Nejad, um forte opositor dos direitos das mulheres.

A diversidade de pontos de vista entre os moderados é um desafio que o Presidente Rouhani terá de gerir — para corresponder às expectativas da chamada “geração K” (que já não tem memória da revolução de 1979) e ganhar balanço para uma possível reeleição. Previstas para a primavera de 2017, as próximas presidenciais já não estão muito longe.

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 4 de março de 2016. Pode ser consultado aqui

Otegi sai da prisão “mais independentista”

Líder histórico do partido independentista basco Batasuna, Arnaldo Otegi foi libertado esta terça-feira, após cumprir seis anos e meio de prisão

Cerca de 200 pessoas concentraram-se, esta terça-feira, junto à entrada da prisão de Logroño, norte de Espanha, para saudar a libertação de Arnaldo Otegi, o líder histórico do Batasuna (partido independentista basco). “Todas estas câmaras [de televisão] são a prova de que há presos políticos no Estado espanhol. Não há tantas câmaras quando se trata de presos sociais”, disse Otegi.

Sob aplausos e gritos de “independência” e “presos bascos para a rua”, o ex-porta-voz do Batasuna — eleito em 2013 secretário-geral da formação política Sortu (fundada em 2011), quando já estava preso — declarou-se “mais independentista” do que antes de ser preso e condenado. “Agora temos de tirar os presos da prisão e tratar da independência”, assegurou, de punho erguido.

Preso em 2009, Otegi “passou 2331 dias na prisão por tentativa de reconstituição do Batasuna, ilegalizado [em 2003, considerado o braço político da organização terrorista basca ETA], através do projeto Bateragune, seguindo instruções da ETA”, escreve o diário “El País”. Inicialmente, Otegi foi condenado a 10 anos de prisão. Em 2012, o Supremo Tribunal reduziu a pena para seis anos e meio, considerando-o um mero “membro” e não “dirigente” da ETA.

O País Basco tem eleições regionais previstas para o final deste ano. Em liberdade, Otegi ressurge como uma das vozes mais audíveis da chamada “esquerda abertzale” — termo usado para fazer referência aos partidos ou organizações de ideologia nacionalista e independentista basca. Do ponto de vista económico e social, dizem-se socialistas.

Porém, uma possível candidatura de Otegi a lehendakari (presidente do governo regional basco) está condicionada por imperativos legais. A Audiência Nacional decretou a impossibilidade de ele ser candidato ou titular de cargos públicos até 2021, limitação que o Supremo Tribunal manteve quando reviu a pena.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 1 de março de 2016. Pode ser consultado aqui