Judeu condenado pela morte bárbara de palestiniano

A justiça israelita declarou um judeu de 30 anos culpado pela morte do jovem palestiniano Mohammed Abu Khdeir, raptado e queimado vivo no verão de 2014. O caso levou muitos israelitas a confrontarem-se com o fenómeno do terrorismo judeu

Um tribunal de Jerusalém culpou, esta terça-feira, o judeu Yosef Chaim Ben-David, 30 anos, da morte do palestiniano Mohammed Abu Khdeir, de 16 anos, queimado vivo após ser raptado perto de casa, na zona de Shuafat, um bairro árabe de Jerusalém. A sentença será conhecida a 3 de maio. O tribunal rejeitou o pedido de insanidade apresentado pela defesa e, baseando-se em relatórios psicológicos, considerou que Ben-David “compreendeu todas as suas ações”. Após ser raptado, Abu Khdeir foi levado para uma floresta onde foi espancado e queimado vivo.

Yosef Chaim Ben-David, então residente no colonato de Geva Binyamin, no território palestiniano ocupado da Cisjordânia, organizou a morte do menor palestiniano com a ajuda de dois menores judeus. Em fevereiro, estes dois cúmplices foram condenados — um a prisão perpétua e o outro a 21 anos de prisão. Cada um deles também foi condenado a pagar uma compensação à família de Mohammed Abu Khdeir no valor de 30 mil shekels (cerca de 7000 euros).

O crime aconteceu a 2 de julho de 2014 e foi um ato de vingança pela morte, a 12 do mês anterior, de três jovens judeus, perto do colonato de Alon Shvut, na Cisjordânia. Este último caso está na origem da operação militar israelita na Faixa de Gaza desencadeada a 8 de julho de 2014 — apesar de o crime ter acontecido na Cisjordânia, Israel alegou que os dois assassinos dos três judeus eram membros do Hamas, organização que controla aquele território palestiniano.

Penas longas… só no papel

As autoridades israelitas qualificaram a morte do palestiniano Abu Khdeir como “terrorismo” e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, numa condenação inédita, afirmou que não havia lugar “para esse tipo de assassinos na sociedade israelita”. Este caso levou muitos israelitas a confrontarem-se, pela primeira vez, com a existência de terrorismo judeu. Num artigo publicado a 11 de fevereiro e recordado, esta terça-feira, na edição digital do “Haaretz”, este diário israelita reflete sobre a forma como a justiça do país lida com o fenómeno.

Intitulado “Israel foi brando com os terroristas judeus nos anos 80 — A história irá repetir-se?”, o “Haaretz” defende que Israel enfrenta “uma nova vaga de extremismo violento perpetrado por judeus”. “Em agosto passado, os serviços de segurança israelitas descobriram um grupo extremista judeu chamado A Revolta, que pretendia derrubar o Governo através de ataques violentos contra os palestinianos. Três membros foram colocados em detenção administrativa. Enquanto dois já foram libertados, o ministro da Defesa Moshe Ya’alon, na semana passada [1 de fevereiro], prorrogou por mais quatro meses a detenção do líder do grupo, Meir Ettinger”, um neto do rabino Meir Kahane, fundador do Kach, um partido ultranacionalista proibido em Israel por incitamento ao racismo.

O artigo recua até ao início dos anos 80, quando 28 membros do Jewish Underground, “um grupo terrorista que tinha como alvo os palestinianos na Cisjordânia e em Jerusalém”, foram presos e condenados a longas penas de prisão. “No entanto, passados sete anos de estarem presos, todos tinham sido libertados, voltando ao centro das atenções como jornalistas respeitados, ativistas políticos e líderes dos colonos, ou fugindo à vida pública para conduzir vidas privadas.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 19 de abril de 2016. Pode ser consultado aqui

Talibãs iniciam a “ofensiva da Primavera”

Passado o rigor do inverno, os talibãs prometem mais um “verão quente” no Afeganistão. A ofensiva da primavera começou esta terça-feira, às cinco da manhã

É um ritual que se tem repetido nos últimos 15 anos no Afeganistão. Num email enviado a vários órgãos de informação, os talibãs anunciaram, esta terça-feira, a intensificação dos combates após a pausa de inverno. A “ofensiva da primavera” começou às cinco da manhã locais (mais três horas e meia do que em Portugal continental) e passará por ataques em grande escala, apoiados por ataques suicidas e assassínios de comandantes inimigos em centros urbanos.

A campanha — designada “Operação Omari” em homenagem a Mullah Omar, o fundador do movimento que morreu há três anos e cuja morte os “estudantes” encobriram durante dois anos — empregará “todos os meios à nossa disposição para atolar o inimigo numa guerra de desgaste que diminuirá a moral dos invasores estrangeiros e das suas milícias armadas internas”.

A declaração de guerra talibã surge três dias após uma visita não anunciada do secretário de Estado norte-americano ao Afeganistão. John Kerry reafirmou o apoio dos EUA ao Governo de unidade nacional e apelou ao Presidente Ashraf Ghani e ao chefe do Executivo Abdullah Abdullah que coloquem de lado as rivalidades e trabalhem em conjunto.

Sem ministro da defesa há dois anos

Quase dois anos após as disputadas eleições presidenciais, de que resultou uma espécie de poder partilhado entre os dois principais candidatos — solução mediada pelos EUA —, Ashraf e Abdullah ainda não chegaram a acordo em relação ao nome para ministro da Defesa, por exemplo.

Os talibãs têm-se aproveitado das fragilidades políticas do país. Segundo a NATO, controlam 6% do território e ameaçam um terço.

Na segunda-feira, em Jalalabad (leste), um talibã suicida fez-se explodir numa moto, matando pelo menos 12 recrutas do exército que seguiam num autocarro. Horas antes, num ataque semelhante em Cabul, morreram duas pessoas.

A rebelião talibã intensificou-se após a retirada das tropas de combate internacionais, no final de 2014, que expôs a falta de preparação das forças de segurança afegãs, que passaram a evidenciar elevadas baixas e altas taxas de deserção. Até ao final deste ano, os EUA querem reduzir o seu contingente de 9800 para 5500 militares.

Daesh atua silenciosamente

Em 2015, já sob a liderança de Mullah Akhtar Mansur, os talibãs reconquistaram, durante 15 dias, a cidade de Kunduz (norte), naquela que foi o maior feito militar desde o fim do regime talibã, em 2001.

Na segunda-feira, a CNN noticiou que a estratégica província de Helmand (sul), “pela qual milhares de soldados da NATO morreram a lutar, está mais próxima do que nunca de cair para os talibãs”.

A luta talibã tem-se radicalizado graças também à crescente presença de militantes afetos ao autodenominado Estado Islâmico (Daesh) no Afeganistão. “Ele existe, floresceu e está a expandir-se. Atua silenciosamente e reune força para ações decisivas”, afirmou, no início de abril, Zamir Kabulov, enviado presidencial da Rússia para o Afeganistão, em entrevista ao jornal “Izvestiya”. Para este responsável russo, o Daesh quer usar o país como “trampolim para uma expansão mais ampla”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 12 de abril de 2016. Pode ser consultado aqui

“Refugiados não querem ir para o Golfo”

Chegado a Lisboa há cerca de meio ano, o embaixador kuwaitiano recorda que o seu país foi pioneiro na ajuda aos refugiados

O êxodo de milhões de pessoas para fugir aos conflitos no Médio Oriente colocou sob fogo os países árabes ribeirinhos do Golfo Pérsico. Por que razão as ricas petromonarquias não se mostravam disponíveis para acolher refugiados? “É para a Europa que os refugiados querem ir, e não para a região do Golfo”, justifica o embaixador do Kuwait em Portugal, Fahad Salim al-Sabah, em entrevista ao “Expresso”. “Ninguém pediu para ir para o Kuwait. Os refugiados querem ir para a Europa e para a América.”

O diplomata, membro da família real que governa o território desde o século XVIII, garante que o Kuwait está de portas abertas para receber refugiados sírios. “Há uma grande comunidade de sírios [cerca de 120 mil] que vive no país há dezenas de anos. Se tiverem familiares em situações difíceis na Síria, estes podem vir diretamente para o Kuwait. A Síria é um país em agonia e nós estamos atentos a isso.”

A guerra na Síria dura há mais de cinco anos e há quatro que o Kuwait se empenha na realização de conferências internacionais de doadores. A 30 de janeiro de 2013, quando ainda ninguém tinha ouvido falar do autodenominado Estado Islâmico (Daesh) nem a crise dos refugiados assumira as proporções atuais, o Kuwait acolheu a primeira cimeira do género. “O emir Sabah Al-Ahmad Al-Jaber Al-Sabah [no trono desde 2006] previu o que acabou por acontecer. Ele é o decano mundial dos ministros dos Negócios Estrangeiros, exerceu o cargo durante 40 anos [1963-2003]. Tem uma visão estratégica de longo prazo.”

No conjunto das quatro conferências de doadores já organizadas desde 2013 — as três primeiras na Cidade do Kuwait —, já foram angariados quase 18 mil milhões de dólares (16 mil milhões de euros). Para esse bolo, o Kuwait contribuiu com 1600 milhões de dólares (1400 milhões de euros). “O emir é um humanista. Percebeu desde o início desta crise que o problema era sério, quando outros pensavam que era temporário e que terminaria em meses. Ele conhecia as consequências e previu o efeito bola de neve.”

Portugal sem embaixada

Chegado a Lisboa há meio ano, Fahad Salim al-Sabah é apenas o segundo diplomata kuwaitiano desde 2010, ano em que foi aberta a embaixada. Inversamente, Portugal não tem embaixada no Kuwait — é o diplomata nos Emirados Árabes Unidos quem representa Portugal. “Estou ansioso por ver um embaixador português no Kuwait de forma a que possa transmitir informações aos empreendedores e às empresas portuguesas sobre o meu país.”

As trocas comerciais entre os dois países são modestas. Dados da AICEP referentes a 2015 revelam que o Kuwait está em 76.º lugar na lista de clientes de Portugal (compra sobretudo produtos agroalimentares, eletrodomésticos, calçado, madeira e papel) e em 95.º na de fornecedores. O embaixador já começou a visitar o país e confessou-se impressionado com o Centro de Incubação de Empresas de V. N. de Gaia (INOVAGAIA). Quer ir também para sul, apreciar o sector do turismo.

“Estou ansioso por ver um embaixador português no Kuwait. Seria uma ajuda às empresas portuguesas”

Com quatro milhões de habitantes (dois terços são imigrantes), o Kuwait é o 10.º produtor mundial de petróleo e o 4.º maior exportador. A baixa do preço do crude no mercado internacional não apanhou o país desprevenido. “Conseguimos estabilizar a situação porque diversificámos os nossos investimentos internacionais nos anos 70. Investimos em todo o mundo, em todos os mercados.” Portugal está na agenda.

(Foto: Placa no muro da Embaixada do Estado do Kuwait, em Lisboa MARGARIDA MOTA)

Artigo publicado no Expresso, a 9 de abril de 2016