O gesto é tudo

Na Tailândia, manifestantes recorreram ao gesto de resistência da saga Hunger Games para desafiar o Governo. Nas ruas árabes, os dedos em v uniram milhões de pessoas contra regimes déspotas. Dedos apontados para cima, para baixo, dedos juntos ou separados, mãos abertas viradas com a palma para a frente, punhos erguidos, polegares para baixo. Um pouco por todo o mundo, a mímica é uma arma. Nas ruas ou entre políticos, por vezes bastam gestos para passar mensagens importantes. Segue-se a prova em duas dúzias de imagens.

Perto da aldeia grega de Idomeni, um homem fecha as mãos e cruza os punhos incentivando ao bloqueio de uma linha de caminhos de ferro, junto à fronteira com a República da Macedónia. Migrantes e refugiados exigem que as fronteiras se abram para prosseguirem viagem até ao norte da Europa MARKO DJURICA / REUTERS
Investigado pela justiça brasileira por ocultação de património e lavagem de dinheiro, o ex-Presidente brasileiro Lula da Silva defende-se também nas ruas com o punho erguido da resistência. A imagem documenta uma manifestação pró-democracia em São Paulo, a 8 de abril NACHO DOCE / REUTERS
Populista e desbocado, o magnata norte-americano Donald Trump tem esbanjado confiança durante as primárias republicanas, o processo de escolha partidária que antecede as presidenciais nos Estados Unidos que, no caso republicano, termina a 7 de junho. Este comício em Buffalo, Nova Iorque, a 18 de abril, foi apenas um desses momentos CARLO ALLEGRI / REUTERS
Um manifestante desaprova a atuação da polícia de choque que intercetou a marcha de um grupo de pessoas a caminho da Arena Castelão, em Fortaleza (Brasil), onde se disputava um jogo da Taça das Confederações, em 2013. Exigiam melhores serviços públicos e protestavam contra os avultados gastos com os grandes eventos desportivos no país DAVI PINHEIRO / REUTERS
Jeroen Dijsselbloem (à direita) continua a presidir ao Eurogrupo, mas Yanis Varoufakis (à esquerda) já não é ministro das Finanças da Grécia. Bruxelas, porém, continua a cruzar os dedos na esperança que as políticas de Atenas levem o país a bom porto FRANÇOIS LENOIR / REUTERS
Ofensivo, obsceno, insultuoso. O significado do “dedo do meio” não é passível de equívocos. Várias teorias arriscam uma origem para este gesto fálico. Numa delas, antropólogos sustentam que é uma variação de uma estratégia agressiva de alguns primatas que mostravam o pénis ereto aos inimigos numa tentativa de intimidação RAFAEL MARCHANTE / REUTERS
Pode ser utilizado para apontar um caminho, mas também para visar alguém. Nas ruas, o dedo indicador é muitas vezes usado para denunciar. A foto mostra um protesto anti-corrupção em Banguecoque, capital da Tailândia, a 15 de novembro de 2013  CHAIWAT SUBPRASOM / REUTERS
Em riste, o dedo indicador assumiu, desde meados de 2014, um significado tenebroso — é juntamente com a bandeira negra um dos símbolos da propaganda do autoproclamado “Estado Islâmico” (Daesh). O gesto alude ao “tawhid”, um conceito central no Islão relativo à unicidade de Alá e que reporta à primeira metade da “shahada”, a afirmação de fé dos muçulmanos: “Não há outro deus senão Alá. Maomé é o seu mensageiro” REUTERS
Os dedos em “v” foram um dos símbolos da Primavera Árabe, exibidos por milhões de pessoas nos protestos que tomaram as ruas um pouco por todo o mundo árabe. A foto mostra Ahmed Néjib Chebbi, advogado e político tunisino, num protesto pró-democracia na Avenida Bourguiba, em Tunis. Várias teorias tentam identificar a origem deste gesto. Uma delas arrisca que terá surgido durante a batalha de Azincourt em 1415, na Guerra dos 100 Anos, quando soldados franceses ameaçavam cortar os dois dedos de arqueiros ingleses feitos reféns para os impedir de disparar o arco. Em sinal de provocação, os ingleses acenavam aos inimigos com os dedos ameaçados. Durante a II Guerra Mundial, este foi um sinal usado profusamente. Quando as tropas nazis marchavam pelas ruas de Paris e o Reino Unido era o último reduto contra Hitler, o Comando Britânico esboçou a campanha de resistência “V for Victory” nos países ocupados. Aos microfones da BBC, o editor Douglas Ritchie — que surgia com a alcunha de “Colonel Britton” — apelava a que o “v” fosse usado como “símbolo da vontade invencível dos territórios ocupados”. O sinal começou a surgir a giz nos pavimentos, pintado em paredes ou em carros alemães. O gesto seria popularizado pelo primeiro-ministro Winston Churchill, o que lhe valeu fama mundial ZOUBEIR SOUISSI / REUTERS
Ficou conhecido como a saudação “três Shalits” e foi usado como símbolo de propaganda pelo movimento islamita palestiniano Hamas, após o rapto de três jovens israelitas, a 12 de junho de 2014, perto de um colonato no território palestiniano da Cisjordânia. Gilad Shalit foi um famoso soldado israelita que esteve refém do Hamas entre 2006 e 2011 e que foi libertado em troca da saída de 1027 presos palestinianos das prisões israelitas MUSSA QAWASMA / REUTERS
A trilogia “Hunger Games”, adaptada ao cinema com grande sucesso, inspirou o movimento pró-democracia na Tailândia que saiu à rua em força após o golpe militar de 22 de maio de 2014. Na tela, a população da nação imaginária de Panem, que vivia na pobreza, revolta-se contra o poder central do abastado Capitólio que forçava jovens a competirem até à morte em concursos transmitidos pela televisão. Em sinal de unidade e solidariedade para com os jovens em lutam pela sobrevivência, a população do distrito 12 erguia o braço juntando os três dedos do meio. O gesto saltou dos ecrãs para a vida real e muitos tailandeses adotaram-no para desafiar a junta militar, que depois declarou-o ilegal CHAIWAT SUBPRASOM / REUTERS
No Egito, se dois dedos identificavam os opositores a Mubarak durante a revolução de 2011, quatro dedos passaram a identificar os apoiantes da Irmandade Muçulmana, após o seu Presidente Mohamed Morsi ter sido deposto por um golpe militar, em 2013. O gesto nasceu após um massacre — 1150 mortos segundo a Human Rights Watch — na Praça Rabi’a Al-Adawiya, em Nasr City, arredores do Cairo, onde milhares de “Irmãos” que acampavam em permanência foram dispersos com grande violência pelas forças da ordem. Rabaa al-Adawiya, que dá nome à praça, foi uma santa muçulmana e mística sufi do século VIII. Em árabe, “rabi’a” significa “quarto” (ordinal de quatro), daí os quatro dedos MUHAMMAD HAMED / REUTERS
A mão aberta é um clássico em protestos de natureza variada. Em Espanha, milhões de cidadãos abriram as duas mãos em manifestações sucessivas contra o terrorismo da ETA, a organização separatista basca fundada em 1959 e que cessou atividade em 2011 — Movimento ¡Basta Ya! Ainda em Espanha, o gesto foi usado, mais recentemente, nos protestos dos Indignados. Mas foi nos EUA que ganhou um cunho mais dramático. Na sequência da morte do jovem afro-americano Michael Brown, em Ferguson, Missouri, atingido a tiro por um polícia branco, a 9 de agosto de 2014, multiplicaram-se protestos sob o slogan “Hands up. Don’t Shoot” (Mãos ao alto. Não dispare). Negros marchavam de mãos abertas para demostrar intenções pacíficas para com a polícia CARLO ALLEGRI / REUTERS
Na imagem, apoiantes do Partido de Ação Nacionalista (MHP) fazem o sinal da “cabeça de lobo” numa iniciativa de rua em Ancara. Esta formação partidária é próxima dos “Lobos Cinzentos”, uma organização juvenil ultra-nacionalista e neo-fascista que visa, nomeadamente, os turcos de origem curda. Um dos seus membros era Mehmet Ali Agca que, em 1981, tentou assassinar o Papa João Paulo II, na Praça de S. Pedro UMIT BEKTAS / REUTERS
Liderado por Joshua Wong (ao centro, na foto), o movimento estudantil pró-democracia Scholarism (entretanto dissolvido para dar lugar a um partido político) desafiou o Governo chinês nas ruas de Hong Kong, sobretudo em 2014. O protesto ficou conhecido como Revolução dos Guarda-chuvas (usados para tentar conter o gás lacrimogénio lançado pelas forças de segurança), mas outros símbolos foram usados pelos manifestantes. “Cruzamos os braços para expressar a nossa insatisfação em relação ao Governo e para refletir a nossa desconfiança em relação ao Governo central chinês”, explicou Joshua Wong à CNN. Pequim aprovara legislação condicionadora da eleição do Governo daquela região administrativa especial chinesa ANTHONY KWAN / GETTY IMAGES
Cruzados sobre o peito, os braços podem traduzir sentimentos carinhosos. É o que Hugo Chávez, o carismático e populista Presidente venezuelano falecido a 5 de março de 2013, pretendeu transmitir ao povo que o saudava junto à varanda do Palácio Miraflores, em Caracas. Chávez tinha acabado de regressar de mais uma viagem a Cuba, onde era tratado a um tumor, que se revelaria fatal CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS
Nicolas Maduro herdou de Hugo Chávez não só a presidência da Venezuela como o jeito para comunicar com o povo de forma afetiva. Na foto, ele recorre à mímica para fazer um coração direcionado a um grupo de estudantes que o saudava no exterior do Palácio Miraflores, em Caracas CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS
Petro Poroshenko, Presidente da Ucrânia, marca presença numa cerimónia de homenagem às vítimas da II Guerra Mundial, junto ao Túmulo do Soldado Desconhecido, em Kiev, a 22 de junho de 2015. A mão sobre o coração revela sentimento e respeito. Noutras circunstâncias, colocar a mão sobre o coração significa que aquilo que se diz é a mais pura das verdades. Para muitos povos, é um hábito que acompanha a interpretação do hino nacional, por exemplo REUTERS
As mãos juntam-se durante uma oração e também num desejo de paz. Esta é uma forma de saudação que caracteriza o líder espiritual dos tibetanos, Dalai Lama JESSICA RINALDI / REUTERS
Juntar as mãos em sinal de paz pode também ser um recurso quando, por algum motivo, os interlocutores estão impedidos de se tocarem, como acontece na situação da foto, relativa a um encontro em Nova Deli entre o iraniano Javad Zarif e a indiana Sushma Swaraj, a 14 de agosto de 2015. Na República Islâmica do Irão, por norma, um homem só deve tocar em mulheres da família ou naquela com quem vai casar. A prática é seguida à risca pelo protocolo iraniano, ainda que nas ruas haja cada vez mais cidadãos a ignora-la ADNAN ABIDI / REUTERS
De mãos dadas, revelador de unidade e coesão, um grupo de pessoas exige, junto ao Parlamento de Taiwan, a revisão da lei do referendo, para que os assuntos mais controversos possam ser submetidos a consulta popular. O protesto, a 10 de abril de 2015, inseria-se no chamado Movimento do Girassol, que contestava um acordo comercial celebrado com a República Popular da China e visto como uma ameaça à democracia em Taiwan PICHI CHUANG / REUTERS
Um casal de migrantes prossegue viagem perto de Gevgelija, na Macedónia, após atravessar a fronteira entre a Grécia, a 6 de setembro de 2015. De mãos entrelaçadas, ajudam-se e incentivam-se para ultrapassar o muito que ainda têm pela frente STOYAN NENOV / REUTERS
O gesto repete-se milhões de vezes todos os dias e em todo o mundo. Mas há situações que são mais especiais do que noutras. Com um simples apertar de mão e uma máquina fotográfica por perto, os Presidentes de Cuba e dos Estados Unidos, Raúl Castro e Barack Obama, mostraram ao mundo que a inimizade que caracterizou a relação bilateral desde a Revolução cubana de 1959 faz parte do passado. Este cumprimento aconteceu a 21 de março deste ano, durante a histórica visita de Obama a Cuba CARLOS BARRIA / REUTERS
Barack Obama não se dá mal com o humor e ao longo dos dois mandatos como Presidente dos Estados Unidos marcou presença nos “talk shows” humorísticos variadas vezes. A sua atitude descontraída contribuiu igualmente para que tirasse partido de situações inesperadas. Desafiado pelo cadete Robert McConnell a posar “à James Bond”, durante a cerimónia de atribuição de diplomas da Academia da Guarda Costeira dos EUA, a 20 de maio de 2015, Obama não desiludiu. A pensar numa carreira em Hollywood após deixar a Casa Branca? KEVIN LAMARQUE / REUTERS

Artigo publicado no Expresso Diário, a 16 de maio de 2016. Pode ser consultado aqui

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