Al-Shabaab volta a atacar na Somália. Pelo menos 13 mortos

Grupo islamita reivindicou dois ataques suicidas que visavam tropas da União Africana, perto do aeroporto de Mogadíscio

Duas fortes explosões foram sentidas na manhã desta terça-feira perto do principal aeroporto de Mogadíscio, a capital da Somália, onde está aquartelada a Missão de manutenção de paz da União Africana na Somália (AMISOM).

“Os nossos mujahidin [combatentes] atacaram Halane [um complexo fortemente protegido que abriga trabalhadores da ONU, diplomatas internacionais e a AMISOM] que é a base de forças estrageiras que estão a ocupar o nosso país muçulmano”, afirmou à Al-Jazeera Abdulaziz Abu Muscab, um porta-voz do grupo islamita Al-Shabaab. “Matamos dezenas deles.”

Segundo a televisão árabe, foram mortas nos dois ataques suicidas pelo menos 13 pessoas, nove das quais eram seguranças das Nações Unidas.

O primeiro rebentamento ocorreu próximo da entrada usada pelas tropas da União Africana e a segunda junto a um “checkpoint” controlado por forças do Governo somali. Em ambos os casos foram usados veículos armadilhados.

O grupo Al-Shabaab [A Juventude, em árabe], que tem ligações à Al-Qaeda, está empenhado em derrubar o Governo central apoiado pelas Nações Unidas. A AMISOM apoia o Governo central no combate ao Al-Shabaab.

No mês passado, o grupo reivindicou dois ataques sangrentos aos hoteis Nasa Hablod e Ambassador, na capital somali (31 mortos, no total).

Analistas preveem que a proximidade das eleições legislativas no país, previstas para o próximo mês de agosto, possa contribuir para um aumento dos ataques do Al-Shabaab.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 26 de julho de 2016. Pode ser consultado aqui

O terror chegou de carro outra vez

Armas de fogo, facas, suicidas, carros… Os métodos terroristas em França são variados

“Se não fores capaz de encontrar uma bala ou um IED (explosivo improvisado) então escolhe um ímpio americano, francês ou qualquer aliado, golpeia-lhe a cabeça com uma pedra, mata-o com uma faca, passa-lhe por cima com o carro, empurra-o de um lugar alto, estrangula-o, ou envenena-o.” Esta frase soou em setembro de 2014, da boca do porta-voz do autodenominado Estado Islâmico (Daesh), Abu Mohamed Al-Adnani. Num áudio, o jiadista incitou simpatizantes a espalhar o terror junto do Ocidente de várias formas possíveis. “Especialmente, os sujos e desprezíveis franceses.”

Dias antes, a França entrara na guerra ao Daesh. A 19 de setembro, dois caças-bombardeiros Rafale descolaram de Abu Dhabi, no Golfo Pérsico, e destruíram um arsenal nos arredores da cidade iraquiana de Mossul (norte), ainda na posse do Daesh. Com esta ação, a França tornava-se o primeiro país europeu a atacar alvos jiadistas, ao lado dos EUA, e colocava-se na mira do Daesh.

Os apelos de Al-Adnani não tardariam a começar a ser concretizados. A 20 de dezembro de 2014, um cidadão francês nascido no Burundi e convertido ao Islão atacou à facada um posto de polícia em Joué-lès-Tours, ferindo três agentes.

Atropelamentos pelo Natal

Nos dois dias seguintes, com a França em preparativos para o Natal, dois atentados — um em Dijon e outro em Nantes — incluíram outra das técnicas sugeridas por Abu Mohamed Al-Adnani: o lançamento de viaturas contra transeuntes, como agora em Nice com o camião (em Dijon foram atingidas 11 pessoas e em Nantes 10, uma fatalmente). Um terceiro abalroamento com carro aconteceu a 1 de janeiro de 2016 quando um francês de 29 anos de ascendência tunisina atingiu quatro militares que protegiam uma mesquita em Valence (sul), com o objetivo de “matar soldados”. Seriam encontradas no seu computador imagens de propaganda jiadista.

Os ataques ao “Charlie Hebdo” e a um hipermercado kosher (judaico) de Paris, em janeiro de 2015 (20 mortos e 22 feridos), onde foram usadas armas de fogo, representaram uma ameaça terrorista em solo francês sem precedentes. Menos de um ano depois, os múltiplos atentados na capital — 130 mortos e 352 feridos no clube Bataclan, junto ao Stade de France e em várias esplanadas e restaurantes — onde, além de armas de fogo, também foram usadas granadas e coletes suicidas, confirmaram a vulnerabilidade do país.

Um caso de decapitação

A 26 de junho de 2015, registara-se em França um caso de decapitação, na zona industrial de Saint-Quentin-Fallavier, perto de Lyon (sueste). O motorista Yassin Salhi decapitou o patrão e a seguir atirou uma carrinha contra cilindros de gás na subsidiária francesa da Air Products and Chemicals, ferindo duas pessoas.

A agora martirizada Nice também não foi poupada pela ameaça. A 3 de fevereiro de 2015, três militares que guardavam um centro judaico foram atacados por Moussa Coulibaly, de 30 anos, conhecido das forças de segurança e condenado por seis vezes, entre 2003 e 2012, por delitos de direito comum.

Do rol de ataques que têm fustigado a França desde a declaração do “califado”, em junho de 2014, só poucos foram reivindicados pelo Daesh (como o de novembro de 2015 em Paris) ou pela Al-Qaeda (“Charlie Hebdo”, reivindicado pelo braço da organização no Iémen). A maioria foi realizada por indivíduos que atuam por conta própria, inspirados pela propaganda jiadista.

Como explicou ao “Expresso” Manuel Almeida, doutorado em Relações Internacionais pela London School of Economics, a propósito da vaga de atentados durante o Ramadão, os bombardeamentos sobre o Daesh na Síria e no Iraque levarão a um processo de descentralização do grupo.

“A tendência será para um aumento do número de ataques, muitos dos quais levados a cabo por indivíduos com laços ténues ao grupo, que receberam pouco ou nenhum treino e que apenas partilham a ideologia”. Como parece ser o caso do de Nice.

CRONOLOGIA

PAÍSES FUSTIGADOS PELA VIOLÊNCIA

NIGÉRIA — Dois homens fazem-se explodir a 28 de novembro de 2014 na mesquita central de Kano. Este ataque do Boko Haram faz 121 mortos e 260 feridos

PAQUISTÃO — A 16 de dezembro de 2014, sete homens armados afetos ao Tehrik-i-Taliban atacam uma escola em Peshawar. Morrem 148 pessoas

CAMARÕES — Boko Haram atravessa a fronteira e ataca a cidade de Fotokol: 90 mortos e 500 feridos

IÉMEN — Quatro ataques suicidas contra duas mesquitas de Sanaa matam 142 e ferem 352. O Daesh reivindica o ataque

QUÉNIA — A 2 de abril de 2015, homens armados irrompem na Universidade de Garissa e matam 148 pessoas. Ataque atribuído ao grupo Al-Shabaab

AFEGANISTÃO — Uma série de ataques à bomba no centro de Cabul atribuídos aos talibãs fazem 50 mortos, a 7 de agosto de 2015

TURQUIA — Duas bombas são detonadas no exterior da estação central de Ancara, a 10 de outubro de 2015. 103 mortos e mais de 500 feridos

IRAQUE — A 3 de julho de 2016, decorria o Ramadão, dois ataques à bomba numa área comercial de Bagdade matam 291 pessoas.

(Mapa: Promenade des Anglais, em Nice (França), onde teve lugar o atentado de 14 de julho de 2016, com um camião, que provocou 84 mortos)

Artigo publicado no Expresso, a 16 de julho de 2016

A ironia de uma imagem

Durante as movimentações militares, o Presidente Erdogan recorreu ao Facetime para dizer aos turcos que controlava o país. Ele, que odeia as redes sociais

BURAK KARA / GETTY IMAGES

Há cerca de duas semanas, após visitar o aeroporto de Istambul, onde 45 pessoas morreram e mais de 200 ficaram feridas na sequência de um ataque suicida, Recep Tayyip Erdogan fez um discurso violento contra a internet. “Sou contra as redes sociais. Fui atacado muitas vezes por causa disto. Sou contra o Twitter e todas as outras e não publico nada. Não as uso.”

Nessa altura, o Governo suspendera o acesso sobretudo ao Twitter e ao Facebook e muitos ultilizadores que conseguiam contornar o bloqueio através de acessos privados criticavam a mordaça imposta que impedia a partilha de contactos visando a ajuda a vítimas do atentado.

Esta sexta-feira, quando estava em curso uma tentativa de golpe de Estado e a televisão estatal estava sem emissão, Erdogan falou com a CNN Turca via Facetime — o “software” desenvolvido pela Apple que só funciona com rede de internet — para garantir que estava aos comandos do país. Secretamente, terá tido a esperança que a internet que tanto odeia pudesse ajuda-lo a travar o golpe.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 16 de julho de 2016. Pode ser consultado aqui

O país dos golpes militares

Desde 1960, a Turquia já foi palco de quatro golpes militares bem sucedidos. Do último, em 1997, resultou o nascimento do Partido Justiça e Desenvolvimento que haveria de elevar Erdogan ao poder

Desde a fundação da República da Turquia, em 1923, por Mustafa Kemal Ataturk, que os militares sempre se assumiram como os guardiães da laicidade do país herdeiro do Império Otomano. Por essa razão, durante o século XX, intervieram diretamente na política por quatro vezes.

1960 — TOLERÂNCIA ZERO À RELIGIÃO
O Governo democraticamente eleito do Partido Democrático, do primeiro-ministro Adnan Menderes e do Presidente Celal Bayar, começa a flexibilizar algumas regras relativas à religião: permite a reabertura de milhares de mesquitas, legaliza o “adhan” (chamamento à oração) em árabe, em vez de turco, e abre novas escolas religiosas. Encurta o período do serviço militar obrigatório, impõe leis restritivas à imprensa e ocasionalmente impede a publicação de jornais críticos. Os militares intervêm e devolvem o poder aos civis. O Presidente, o primeiro-ministro e alguns membros do gabinete são presos e acusados ​​de alta traição e uso indevido de fundos públicos. O primeiro-ministro, o ministro dos Negócios Estrangeiros e o ministro das Finanças depostos são executados.

1971 — REPOR A ORDEM
A estagnação económica provoca agitação generalizada. Grupos de trabalhadores manifestam-se nas ruas, por vezes com violência. A moeda desvaloriza e a inflação atinge os 80% ao ano. Os militares intervêm para “repor a ordem”. O chefe de Estado Maior, Memduh Tagmac, acusa o primeiro-ministro Suleyman Demirel de conduzir o país à anarquia e exige a formação de um “governo forte e credível inspirado nas ideias de Ataturk”. Demirel demite-se horas depois.

1980 — ONZE CHEFES DE GOVERNO NUMA DÉCADA
A instabilidade continua após o golpe de 1971. A Turquia muda de primeiro-ministro… onze vezes nessa década. A economia continua estagnada e grupos da esquerda e da direita enfrentam-se violentamente nas ruas. Milhares de pessoas são assassinadas. Em setembro, os militares, liderados pelo Chefe de Estado Maior general Kenan Evren, anunciam na televisão estatal a dissolução do governo e a imposição da lei marcial. A estabilidade política contagia a economia, após a privatização de indústrias estatais. A inflação cai e o emprego cresce. É redigida uma nova Constituição que é submetida a referendo, em 1982, e aprovada de forma esmagadora.

1997 — GOLPE PÓS-MODERNO
Nas eleições de 1995, o Partido do Bem-Estar, islamita, obtém ganhos esmagadores que o levam ao poder no ano seguinte à frente de uma coligação governamental. Dois anos depois, os militares emitem um conjunto de recomendações que o Governo acata. O primeiro-ministro Necmettin Erbakan concorda com um programa educativo obrigatório de oito anos, para impedir que os alunos se inscrevam em escolas religiosas e o uso do véu é proibido nas universidades, entre outros. Erbakan acaba por se demitir. Alguns académicos chamam a esta intervenção dos militares um “golpe pós-moderno”. Em 1998, o Partido do Bem-Estar é banido. Alguns membros avançam para a constituição de uma nova formação, o Partido Justiça e Desenvolvimento. Entre eles está Recep Tayyip Erdogan, que em 2003 seria primeiro-ministro da Turquia e em 2014 Presidente.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 16 de julho de 2016. Pode ser consultado aqui

Que semelhança entre Nice e a ‘Intifada dos carros’ na Palestina?

A comparação é absurda, defende uma especialista em assuntos palestinianos. Os palestinianos atacam com carros por desespero e falta de perspetivas quando à resolução de um conflito com 68 anos e não para lançar o terror

A utilização de um camião no atropelo deliberado de civis na via pública motivou comparações entre o atentado de Nice e a chamada “Intifada dos carros”, em Israel e no território palestiniano da Cisjordânia.

“Não faz sentido fazer uma comparação dessas. Primeiro, comparar por si só um grupo militante como o [autodenominado] Estado Islâmico [Daesh], que emergiu da Al-Qaeda e tem vindo a aterrorizar meio mundo desde 2006, com uma sociedade civil que vive sob ocupação há 68 anos é abstruso e absurdo”, diz ao “Expresso” Eva Oliveira, investigadora na Universidade de Birzeit (Cisjordânia).

“Segundo, os ataques observados em solo palestiniano ou israelita são espontâneos. A motivação não é a de aterrorizar em si, mas sim de revolta e resistência ao status quo. Os palestinianos atacam por desespero e falta de perspetiva quanto à resolução do problema. São 68 anos a viver sob ocupação, sem direitos humanos básicos e condições de vida dignas. Não se deve substimar os efeitos da ocupação na sociedade civil.”

Entre os palestinianos, os ataques com recurso a carros têm sido uma expressão da chamada “Intifada silenciosa”, em curso, por oposição à primeira (a das pedras, entre 1987 e 1993) e à segunda (a de Al-Aqsa, entre 2000 e 2005) e que resultaram em conflitos abertos entre as partes. (Em árabe, Intifada significa “insurreição”.)

Outra fase, mais recente, é a “Intifada das facas”, em que a violência se faz sentir com recurso a armas brancas.

Colonos também atropelam

No contexto deste conflito, não são só os palestinianos que lançam as viaturas para matar. Na Cisjordânia, também os colonos judeus recorrem por vezes a esse método. A 19 de outubro de 2014, por exemplo, um colono atropelou deliberadamente duas meninas palestinianas de 5 e 6 anos, em Sinjil, perto de Ramallah (Cisjordânia). Uma morreu, a outra ficou gravemente ferida.

“As formas de ataque, ou de resistência, resultam dos meios disponíveis. Na Cisjordânia em especial, mas também em Israel, os palestinianos não têm contacto físico direto com os israelitas ou com os colonos. A estrada é, por esse motivo, o momento comum, o local onde ambos se encontram.”

Da mesma forma, os ataques ocorrem sobretudo em zonas de grande tensão, como a cidade santa de Jerusalém — que tanto israelitas como palestinianos querem para capital do seu Estado — como próximo da cidade palestiniana de Hebron, onde vivem colonos judeus especialmente radicais.

“Nestas mesmas estradas podem-se observar também ataques com pedras a veículos, sendo estes ataques efetuados por ambas as partes”, diz a investigadora, que já viveu no território.

Uma diferença importante que Eva Oliveira enumera comparativamente ao atentado de Nice prende-se com o modus operandi. “Nunca foram usados camiões de tal envergadura, nunca foram usados veículos contra uma multidão tão grande, nem nunca se viu um intuito de matar o maior número possível de civis”, diz. “No geral, os ataques visam um grupo pequeno de pessoas. Nunca um atacante teve o intuito de matar tantos civis quanto possível. Considero esse facto uma diferença bastante relevante.”

Artigo publicado no Expresso Online, a 15 de julho de 2016. Pode ser consultado aqui