O terror chegou de carro outra vez

Armas de fogo, facas, suicidas, carros… Os métodos terroristas em França são variados

“Se não fores capaz de encontrar uma bala ou um IED (explosivo improvisado) então escolhe um ímpio americano, francês ou qualquer aliado, golpeia-lhe a cabeça com uma pedra, mata-o com uma faca, passa-lhe por cima com o carro, empurra-o de um lugar alto, estrangula-o, ou envenena-o.” Esta frase soou em setembro de 2014, da boca do porta-voz do autodenominado Estado Islâmico (Daesh), Abu Mohamed Al-Adnani. Num áudio, o jiadista incitou simpatizantes a espalhar o terror junto do Ocidente de várias formas possíveis. “Especialmente, os sujos e desprezíveis franceses.”

Dias antes, a França entrara na guerra ao Daesh. A 19 de setembro, dois caças-bombardeiros Rafale descolaram de Abu Dhabi, no Golfo Pérsico, e destruíram um arsenal nos arredores da cidade iraquiana de Mossul (norte), ainda na posse do Daesh. Com esta ação, a França tornava-se o primeiro país europeu a atacar alvos jiadistas, ao lado dos EUA, e colocava-se na mira do Daesh.

Os apelos de Al-Adnani não tardariam a começar a ser concretizados. A 20 de dezembro de 2014, um cidadão francês nascido no Burundi e convertido ao Islão atacou à facada um posto de polícia em Joué-lès-Tours, ferindo três agentes.

Atropelamentos pelo Natal

Nos dois dias seguintes, com a França em preparativos para o Natal, dois atentados — um em Dijon e outro em Nantes — incluíram outra das técnicas sugeridas por Abu Mohamed Al-Adnani: o lançamento de viaturas contra transeuntes, como agora em Nice com o camião (em Dijon foram atingidas 11 pessoas e em Nantes 10, uma fatalmente). Um terceiro abalroamento com carro aconteceu a 1 de janeiro de 2016 quando um francês de 29 anos de ascendência tunisina atingiu quatro militares que protegiam uma mesquita em Valence (sul), com o objetivo de “matar soldados”. Seriam encontradas no seu computador imagens de propaganda jiadista.

Os ataques ao “Charlie Hebdo” e a um hipermercado kosher (judaico) de Paris, em janeiro de 2015 (20 mortos e 22 feridos), onde foram usadas armas de fogo, representaram uma ameaça terrorista em solo francês sem precedentes. Menos de um ano depois, os múltiplos atentados na capital — 130 mortos e 352 feridos no clube Bataclan, junto ao Stade de France e em várias esplanadas e restaurantes — onde, além de armas de fogo, também foram usadas granadas e coletes suicidas, confirmaram a vulnerabilidade do país.

Um caso de decapitação

A 26 de junho de 2015, registara-se em França um caso de decapitação, na zona industrial de Saint-Quentin-Fallavier, perto de Lyon (sueste). O motorista Yassin Salhi decapitou o patrão e a seguir atirou uma carrinha contra cilindros de gás na subsidiária francesa da Air Products and Chemicals, ferindo duas pessoas.

A agora martirizada Nice também não foi poupada pela ameaça. A 3 de fevereiro de 2015, três militares que guardavam um centro judaico foram atacados por Moussa Coulibaly, de 30 anos, conhecido das forças de segurança e condenado por seis vezes, entre 2003 e 2012, por delitos de direito comum.

Do rol de ataques que têm fustigado a França desde a declaração do “califado”, em junho de 2014, só poucos foram reivindicados pelo Daesh (como o de novembro de 2015 em Paris) ou pela Al-Qaeda (“Charlie Hebdo”, reivindicado pelo braço da organização no Iémen). A maioria foi realizada por indivíduos que atuam por conta própria, inspirados pela propaganda jiadista.

Como explicou ao “Expresso” Manuel Almeida, doutorado em Relações Internacionais pela London School of Economics, a propósito da vaga de atentados durante o Ramadão, os bombardeamentos sobre o Daesh na Síria e no Iraque levarão a um processo de descentralização do grupo.

“A tendência será para um aumento do número de ataques, muitos dos quais levados a cabo por indivíduos com laços ténues ao grupo, que receberam pouco ou nenhum treino e que apenas partilham a ideologia”. Como parece ser o caso do de Nice.

CRONOLOGIA

PAÍSES FUSTIGADOS PELA VIOLÊNCIA

NIGÉRIA — Dois homens fazem-se explodir a 28 de novembro de 2014 na mesquita central de Kano. Este ataque do Boko Haram faz 121 mortos e 260 feridos

PAQUISTÃO — A 16 de dezembro de 2014, sete homens armados afetos ao Tehrik-i-Taliban atacam uma escola em Peshawar. Morrem 148 pessoas

CAMARÕES — Boko Haram atravessa a fronteira e ataca a cidade de Fotokol: 90 mortos e 500 feridos

IÉMEN — Quatro ataques suicidas contra duas mesquitas de Sanaa matam 142 e ferem 352. O Daesh reivindica o ataque

QUÉNIA — A 2 de abril de 2015, homens armados irrompem na Universidade de Garissa e matam 148 pessoas. Ataque atribuído ao grupo Al-Shabaab

AFEGANISTÃO — Uma série de ataques à bomba no centro de Cabul atribuídos aos talibãs fazem 50 mortos, a 7 de agosto de 2015

TURQUIA — Duas bombas são detonadas no exterior da estação central de Ancara, a 10 de outubro de 2015. 103 mortos e mais de 500 feridos

IRAQUE — A 3 de julho de 2016, decorria o Ramadão, dois ataques à bomba numa área comercial de Bagdade matam 291 pessoas.

(Mapa: Promenade des Anglais, em Nice (França), onde teve lugar o atentado de 14 de julho de 2016, com um camião, que provocou 84 mortos)

Artigo publicado no Expresso, a 16 de julho de 2016

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