O cumprimento aconteceu, mas Abbas e Netanyahu ficaram por aí

Momentos antes do funeral de Shimon Peres, o primeiro-ministro de Israel e o Presidente palestiniano cumprimentaram-se. O gesto foi notícia em todo o mundo, mas nenhum indício dali saiu de que o processo de paz israelo-palestiniano vai descongelar

Sempre que Benjamin Netanyahu e Mahmud Abbas se cumprimentam, o que não acontece com frequência, o gesto é notícia em todo o mundo, havendo muitas vezes a tentação de o qualificar como “histórico”. Foi o que aconteceu esta sexta-feira de manhã, momentos antes das exéquias fúnebres do ex-Presidente e Nobel da Paz israelita Shimon Peres, em Jerusalém.

“Passou muito tempo desde a última vez que nos encontramos”, disse o Presidente da Autoridade Palestiniana (AP) ao primeiro-ministro de Israel. “Prezo muito que tenha vindo ao funeral”, devolveu Netanyahu a Abbas.

O cumprimento originou expectativas de que algo politicamente relevante podia seguir-se, aproveitando a coincidência dos dois governantes em Jerusalém — Abbas já não pisava solo israelita desde 2010. Mas, à semelhança do que aconteceu em novembro passado, quando ambos também se tinham cumprimentado na Cimeira do Clima, em Paris, o processo de paz israelo-palestiniano não descongelou.

Terminada a cerimónia, no cemitério de Monte Herzl, na parte ocidental de Jerusalém, Barack Obama apressou-se a regressar ao Air Force One. Para o Presidente dos Estados Unidos, que está a quatro meses de deixar a Casa Branca, a agenda daquela viagem a Israel tinha um ponto único: o funeral de Shimon Peres, sem lugar a encontros paralelos nem esforços diplomáticos de última hora para relançar um processo moribundo.

Obama virou os holofotes para Abbas

Durante a cerimónia fúnebre, o primeiro-ministro israelita foi presença constante ao lado de Obama. Ainda há duas semanas, o norte-americano tinha recebido o israelita na Casa Branca, para mais um encontro de circunstância, já que há muito que a relação entre ambos — líderes de países que têm entre si uma aliança inquebrável — se degradou irreparavelmente: Obama sempre defendeu a solução de dois Estados e Netanyahu, na prática, tudo fez e continua a fazer para a inviabilizar.

No Monte Herzl, Obama foi um dos dois estrangeiros convidados a discursar — o outro foi o ex-Presidente norte-americano Bill Clinton, anfitrião da cerimónia de assinatura dos Acordos de Oslo de 1993 que haveriam de valer o Prémio Nobel a Shimon Peres. Diante de uma plateia ilustre onde pontuavam personalidades políticas de 70 países, Obama salientou a presença, entre eles, de… Mahmud Abbas. “A presença do Presidente Abbas, aqui, é um gesto e uma lembrança de que a tarefa da paz está por concluir”, disse.

Com direito a lugar na primeira fila, Abbas escutava sentado entre europeus — à direita tinha Donald Tusk, o presidente do Conselho da União Europeia, e à esquerda o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán. Entre os convidados vindos de Bruxelas estava também Federica Mogherini, que chefia a diplomacia da União Europeia e que mal terminou o funeral publicou no Twitter o vídeo do aperto de mão entre Abbas e Netanyahu: “Em Jerusalém a prestar homenagem a Peres, homem de esperança e paz. E hoje vimos que ainda há esperança para a paz”.

Contrariamente a Barack Obama, que há muito “atirou a toalha ao chão” no que ao conflito israel-palestiniano diz respeito, a italiana de 43 anos parece acreditar.

Contra muitas expectativas, que anteciparam a possibilidade de altas figuras políticas da região do Médio Oriente aparecerem em Jerusalém sem anúncio prévio, Mahmud Abbas acabou por ser o governante árabe mais relevante no adeus a Shimon Peres.

O receio da reação das ruas árabes

Uma das surpresas possíveis, falava-se, poderia ser a do Presidente egípcio, Abdel Fattah al-Sisi. A relação entre Egito e Israel atravessa o seu melhor período desde a assinatura do Tratado de Paz, em 1979, pelo que a presença de Sisi não seria difícil de justificar. Igualmente, não seria descabida a participação de Abdullah II, o rei da Jordânia, o outro país árabe com a paz com Israel firmada no papel — em 1994, era Shimon Peres ministro dos Negócios Estrangeiros de Yitzhak Rabin (que seria assassinado no ano seguinte).

Mas nem Sisi nem Abdullah II se atreveram a repetir o gesto de antecessores — como em 1995 quando o Presidente egípcio Hosni Mubarak e o rei Hussein da Jordânia assistiram e discursaram no funeral de Rabin. Em seu lugar, o Cairo enviou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sameh Shoukry, e Amã o primeiro-ministro adjunto Jawad al-Anani.

Hoje, em termos políticos, Israel está longe de ser um Estado isolado no Médio Oriente. Mas nas ruas árabes o ódio ao Estado judeu continua a ser o sentimento predominante. Para Sisi e Abdullah, comparecer em Jerusalém poderia ser arriscado e fazer sair às ruas manifestações de protesto com potencial de contágio aos países vizinhos.

Artigo publicado no Expresso Online, a 30 de setembro de 2016. Pode ser consultado aqui

Índia faz “ataques cirúrgicos” na Caxemira

Nova Deli realizou uma operação militar junto à fronteira com o Paquistão visando “unidades terroristas” preparadas para se infiltrarem em território indiano. A tensão entre Índia e Paquistão, duas potências nucleares, intensificou-se nos últimos quinze dias

A Índia confirmou esta quinta-feira a realização de “ataques cirúrgicos” contra “unidades terroristas” ao longo da Linha de Controlo, a fronteira que divide a Caxemira, região disputada indianos e paquistaneses.

A operação, na quarta-feira à noite, provocou “baixas significativas aos terroristas e a quem os apoia”, afirmou Ranbir Singh, diretor geral das operações militares do Exército indiano, em conferência de imprensa.

“Apesar dos nossos apelos persistentes para que o Paquistão não permita que território sob seu controlo seja utilizado para atividades terroristas, nada foi feito”, afirmou o responsável indiano, acrescentando que as autoridades militares indianas partilharam com as congéneres indianas “informação muito específica” relativa aos sítios alvejados.

“Não temos quaisquer planos para continuar [com os ataques]. Porém, as Forças Armadas indianas estão totalmente preparadas para qualquer contingência que possa surgir”, acrescentou.

Tensão entre potências nucleares

Diretamente visado por Ranbir Singh, o Paquistão confirmou a morte de dois soldados nacionais durante o que qualificou de “fogo transfronteiriço” e não um “ataque cirúrgico” como a Índia reclama.

“A contínua e crescente infiltração de terroristas ao longo da Linha de Controlo em Jammu e Caxemira tem sido motivo de grande preocupação. Isto reflete-se, entre outras coisas, nos ataques terroristas de 11 e 18 de setembro, em Punch e Uri respetivamente”, disse Ranbir Singh. “Este ano, quase 20 tentativas de infiltração foram frustradas pelo Exército na Linha de Controlo ou próximo dela.”

A tensão entre os dois vizinhos — detentores de armas nucleares, mas não são signatários do Tratado de Não-Proliferação Nuclear — aumentou consideravelmente sobretudo após um ataque, a 18 de setembro, contra uma base militar indiana na zona da Caxemira, que fez 18 mortos. Para os indianos, que responsabilizam os paquistaneses pela investida, foi o pior ataque da última década.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 29 de setembro de 2016. Pode ser consultado aqui

O homem que trocou a pistola pela pomba

Lutou de armas na mão pela criação de Israel e foi sob o signo das armas que subiu na hierarquia do novo país. Na década de 80 tornou-se o homem da paz, que lhe valeu o Nobel. O percurso de um homem que foi deputado, ministro, chefe de Governo e Presidente e cuja vida se confunde com a do Estado de Israel

Shimon Peres, antigo primeiro-ministro e Presidente de Israel AGÊNCIA BRASIL / WIKIMEDIA COMMONS

A ironia quis que Shimon Peres desse entrada no hospital de onde não mais sairia com vida após sofrer um acidente vascular no mesmo dia em que israelitas e palestinianos assinalavam o 23º aniversário dos Acordos de Oslo. Peres foi um dos artífices desse tratado, assinado nos jardins da Casa Branca a 13 de setembro de 1993, que devolveu a esperança à região e ao mundo e, ainda hoje, é invocado como solução para o interminável conflito. “Um erro”, sentenciaria poucos anos passados.

Continuação do texto aqui.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 28 de setembro de 2016. Pode ser consultado aqui

“Nunca quis enganar os palestinianos”

O Nobel da Paz de 1994 coroou os esforços de Shimon Peres no sentido da reconciliação entre árabes e judeus. Mas a sua ascensão política em Israel começou sob o signo das armas. Uma de várias contradições que pontuam uma longa carreira de sete décadas. O último dos fundadores do Estado de Israel morreu esta quarta-feira, aos 93 anos

Shimon Peres (em primeiro plano) junto ao líder palestiniano Yasser Arafat, no Fórum de Davos de 2001 REMY STEINEGGER / WORLD ECONOMIC FORUM / WIKIMEDIA COMMONS

A ironia quis que Shimon Peres desse entrada no hospital de onde não mais sairia com vida após sofrer um acidente vascular no mesmo dia em que israelitas e palestinianos assinalavam o 23º aniversário dos Acordos de Oslo. Peres foi um dos artífices desse tratado, assinado nos jardins da Casa Branca a 13 de setembro de 1993, que devolveu a esperança à região e ao mundo e, ainda hoje, é invocado como solução para o interminável conflito. “Um erro”, sentenciaria poucos anos passados.

“Quando introduzimos no acordo a ideia de uma Autoridade Palestiniana [Governo provisório], concordamos que tudo aquilo seria uma espécie de independência palestiniana a 80%. Foi um erro. Devíamos ter começado imediatamente com a independência”, afirmou ao diário espanhol “El Mundo”, numa entrevista publicada a 20 de fevereiro de 2002. “Não tínhamos a intenção de enganar os palestinianos, mas depois houve uma mudança de Governo em Israel [entrou em cena o “falcão” Benjamin Netanyahu] e as coisas não saíram como esperávamos. Se os palestinianos tivessem tido a independência, tudo teria sido diferente.”

Os Acordos de Oslo valeram a Shimon Peres o Prémio Nobel da Paz de 1994 — juntamente com Yitzhak Rabin (primeiro-ministro de Israel) e Yasser Arafat (líder da Organização de Libertação da Palestina) —, mas também um dos seus maiores arrependimentos em sete décadas de causa pública.

A frustração de Shimon Peres em relação à falta de resultados pós-Oslo em que tanto se empenhara é apenas uma de várias contradições que pontuam a sua longa biografia. Se Peres desapareceu, esta quarta-feira, sob uma chuva de elegias que o rotulam como um homem de paz — Mahmud Abbas, o Presidente palestiniano, falou de um parceiro na busca da “paz dos bravos” —, os factos dizem que ele subiu na hierarquia israelita sob o signo das armas.

Nascido em 1923, em Vishneva (então território polaco, hoje bielorrusso), emigrou para a Palestina (sob mandato britânico) aos 11 anos, para, pouco depois, mergulhar nas operações armadas clandestinas da Haganah, um grupo paramilitar empenhado no estabelecimento de um Estado judeu na Palestina.

Após a criação do Estado de Israel, em 1948, David Ben-Gurion confiou nele para uma posição de relevo no Ministério da Defesa. Durante a Guerra da Independência, o “pai fundador” poupara-o à frente de batalha e encarregara-o da aquisição de armas para o exército israelita. Terminado o conflito, colocou-o de serviço ao fortalecimento da capacidade militar do país, nomeadamente na construção de um programa nuclear secreto.

“Israel não tem a intenção de introduzir armas nucleares. Mas se as pessoas têm medo que nós as tenhamos, porque não? Funcionará como dissuasão.” À semelhança do seu mentor, Shimon Peres acreditava que “a bomba” garantiria estatuto a Israel, entre os árabes e… em Washington.

Em nome da segurança de Israel, Shimon Peres desbravou caminhos conducentes a alianças estratégicas com França e Reino Unido que contribuíram para a construção da central nuclear de Dimona e determinaram estratégias político-militares como a que levou à Crise do Suez (1956): Israel invadiu o Sinai criando o pretexto para uma intervenção anglo-britânica visando a recuperação do controlo do Canal do Suez, entretanto nacionalizado pelos egípcios.

Nos anos 60 e 70, Shimon Peres não pôs em causa a estratégia de ocupação israelita dos territórios palestinianos: apoiou a construção de colonatos na Cisjordânia e Faixa de Gaza e expressou reservas em relação a compromissos territoriais — longe do homem de paz que começou a reclamar a partir da década de 80.

O trabalho discreto nos bastidores da segurança de Israel privaram-no da visibilidade essencial para o reconhecimento público que, por exemplo, Yitzhak Rabin e Ariel Sharon, contemporâneos seus que se notabilizaram como líderes militares, tiveram junto do eleitorado.

Uma das grandes contradições de Shimon Peres prende-se com o facto de ter servido por três vezes como primeiro-ministro, sem nunca ter ganho qualquer das cinco eleições nacionais a que se apresentou para o cargo — entre 1977 e 1996, como militante do Partido Trabalhista.

Peres foi uma espécie de “bombeiro de serviço” chamado a “apagar fogos” provocados por várias crises políticas, mas nunca sentiu o sabor da confiança do eleitorado israelita. A falta de currículo militar privou-o desse reconhecimento popular, mas não inviabilizou que desempenhasse quase todos os cargos significativos do país. Entrou no Parlamento (Knesset) em 1959, foi ministro dos Transportes, das Finanças, da Defesa por duas vezes e dos Negócios Estrangeiros por três vezes em décadas diferentes. E, por fim, a cadeira de Presidente, entre 2007 e 2014.

Presidente aos 84 anos

A presidência do país, que lhe foi confiada pelo Knesset tinha ele 84 anos, trouxe-lhe a popularidade que anteriormente lhe escapara. Os israelitas passaram a vê-lo como uma figura histórica, e já não tanto como um político no ativo. “Tenho a certeza que testemunharei a paz durante a minha vida, mesmo que tenha de prolongar a minha vida um ou dois anos”, insistia, porventura falando já mais com a voz da emoção do que com a da razão.

Na presidência, Shimon Peres coincidiu com o “falcão” Benjamin Netanyahu (Likud, de direita) — defensor do reforço da ocupação da Cisjordânia, através da construção de colonatos, e do controlo de todas as fronteiras da Faixa de Gaza (por terra, mar e ar) — à frente do Governo de Israel.

Em rota de colisão com estas opções políticas, e ao mesmo tempo que continuou a fazer a apologia de dois Estados para dois povos, Peres começou a lançar alertas em relação ao futuro do próprio país. “Israel deve aplicar a solução de dois Estados para o seu próprio bem, porque se perdermos a nossa maioria [demográfica] — e hoje somos quase iguais [judeus e árabes] — não poderemos continuar a ser um Estado judeu ou um Estado democrático. Essa é a questão principal e, com muita pena minha, eles [o Governo] fazem o oposto.”

Artigo publicado no Expresso Diário, a 28 de setembro de 2016. Pode ser consultado aqui

Um templo sobre religiões onde os ateus são tratados por igual

Tem forma de pirâmide para homenagear o Antigo Egito, nas fachadas tem incrustados símbolos das religiões monoteístas e nos espaços interior e exterior simbologia alusiva a 15 religiões. O Templo Ecuménico Universalista, inaugurado no domingo, apela à tolerância religiosa e à desconstrução de preconceitos

O Templo Ecuménico Universalista situa-se no Parque Biológico da Serra da Lousã, distrito de Coimbra FUNDAÇÃO ADFP

É inaugurado este domingo, em Miranda do Corvo, o Templo Ecuménico Universalista, dedicado à tolerância e ao respeito pela diferença. A coincidência da data com as celebrações de mais um aniversário dos atentados de 11 de Setembro de 2001, nos Estados Unidos, não é inocente. Já a primeira pedra do projeto tinha sido lançada a 11 de setembro de 2015.

O Templo pretende ser um monumento de homenagem às vítimas do fundamentalismo, especificamente às que morreram em Washington e Nova Iorque, mas de uma forma geral a todas as pessoas que ao longo de séculos e milénios morreram devido ao fundamentalismo e às ortodoxias religiosas”, explicou ao Expresso Jaime Ramos, da Fundação para a Assistência e Desenvolvimento e Formação Profissional (ADFP), a instituição de solidariedade social laica com sede em Miranda do Corvo que idealizou e financiou o projeto. (Foi a primeira instituição fora de Lisboa a acolher refugiados, que neste momento ascendem a 49).

Com forma piramidal, numa homenagem arquitetónica ao Antigo Egito, e com 13,4 metros de altura, como o Templo de Salomão, construído no século IX a.C. em Jerusalém, o Templo situa-se no topo do Parque Biológico da Serra da Lousã, no distrito de Coimbra.

No seu interior, abriga um Observatório de Religiões que trata, em pé de igualdade, Cristianismo, Islamismo, Judaísmo, Hinduísmo, Xintoísmo, Jainismo, Budismo, Confucionismo, Taoismo, Sikhismo, Zoroastrismo, Fé Bahaí e a religião dos Orixás. “Este projeto não tem uma visão sincrética”, diz Jaime Ramos. “Não queremos misturar as religiões todas. O Templo valoriza as religiões separadamente, cada uma por si.”

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Um rasgo no Templo permite que, diariamente, ao meio-dia, o Sol indique o centro, numa referência aos antigos adoradores do Sol, provavelmente uma das mais primitivas formas de religiosidade FUNDAÇÃO ADFP

Os conteúdos informativos disponibilizados pelo Observatório são elaborados pelo departamento de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona, dirigido por Paulo Mendes Pinto, para quem este é “um projeto completamente único e ímpar em todo o mundo. A ênfase é colocada na cultura da paz, por oposição ao uso das religiões por parte de ideologias e para guerras e morte”.

“Queremos que pessoas de todas as religiões visitem o Templo, percebam aquilo que todas têm de bom e também o fundamentalismo, a ortodoxia, as guerras religiosas, as barbáries, para além do terrorismo atual que é gerado, muitas vezes, por conceitos e fundamentos religiosos”, diz o fundador da ADFP. “Por isso, este projeto apresenta aquilo que de bom têm as religiões, mas também aquilo que de mau foi feito ao longo de séculos e milénios com base religiosa.”

Um “pátio dos gentios”, como sugeriu Bento XVI

Com o mesmo destaque que é dado a cada uma das religiões, o Templo tem também um espaço dedicado ao Ateísmo. “Tratamos a visão do ateu numa posição de igualdade em relação àqueles que creem, com idêntico respeito”, refere Jaime Ramos. “Os ateus não só são bem vindos como são convidados a participar neste diálogo que é importante para todos.”

No exterior do Templo, um espaço retangular com pavimento em xadrez, e que remete para o típico chão dos templos maçónicos, constitui uma espécie de “pátio dos gentios”, numa resposta às palavras do Papa Bento XVI — que apelou ao diálogo interreligioso aberto a ateus e agnósticos — e “numa lógica de respeito absoluto tanto pela liberdade de querer como pela liberdade de não querer”, explica Jaime Ramos.

Coluna de pedra junto ao pavimento em xadrez que constitui uma espécie de “pátio dos gentios” FUNDAÇÃO ADFP

Ainda no espaço exterior, um cubo em pedra com uma bola também de pedra a girar sobre água remete para o positivismo científico de Galileu Galilei, julgado e condenado pela Inquisição há precisamente 400 anos, por defender que a Terra se movia em redor do sol. No cubo, pode ler-se a célebre frase que Galileu terá proferido à saída do tribunal do Santo Ofício: “Contudo ela move-se”.

“É uma referência que achamos por bem incluir no sentido de que não há nenhuma verdade que seja absoluta”, realça Jaime Ramos. “Todas as verdades podem ser desmentidas e evoluir.”

Simbolicamente, recorda também que nenhuma crença pode silenciar ou travar a ciência na sua permanente busca da verdade.

Uma cruz templária simboliza a necessidade de abrir passagens nos muros que separam homens ou fronteiras FUNDAÇÃO ADFP

Ao Templo Ecuménico pode chegar-se de carro ou a pé, a partir da entrada do Parque Biológico. (Numa primeira fase, as visitas são só para grupos, mediante contacto prévio para o Parque Biológico da Serra da Lousã.) Para quem optar pela via pedonal, o caminho é pontuado por bancos onde o visitante pode descansar e meditar nas frases de filósofos e pensadores com que se vai cruzando e que convidam à introspeção.

Ao longo do percurso, sucedem-se símbolos tauistas, a imagem de Buda, um altar hindu, a Mesa da Igualdade dos shiks (que também pode ser a mesa da Última Ceia cristã ou a Távola Redonda da tradição bretã), referências ao mundo politeista e aos fenómenos indígenas no seu confronto com as religiões hegemónicas.

Nas fachadas do Templo, estão impressos símbolos dos monoteísmos abraâmicos: na face orientada para sudeste o “crescente” do Islão e uma pedra negra que lembra a Caaba e define a direção de Meca; para sudoeste, a estrela de David, símbolo judaico; e na parede voltada para noroeste a cruz cristã.

Junto ao Templo, a bandeira portuguesa está hasteada a 15,24 metros de altura, a altura da Caaba muçulmana, numa homenagem à religião que chegou a ser maioritária em Portugal.

Artigo publicado no Expresso Online, a 10 de setembro de 2016. Pode ser consultado aqui