Norte-americanas não esquecem ativista da luta pelo direito ao voto

Susan B. Anthony foi uma ativista da luta pelo direito ao voto feminino nos Estados Unidos. Esta terça-feira, a tradicional “peregrinação” à sua campa em dia de eleições redobrou de intensidade e de significado… Ou não estivessem os EUA mais próximos do que nunca de eleger uma mulher na Casa Branca

É um ritual que se repete de cada vez que os norte-americanos são chamados a eleger um novo Presidente. Muito cidadãos, sobretudo mulheres, acorrem à campa de Susan Brownell Anthony, em Rochester, Nova Iorque, para prestar homenagem àquela sufragista falecida em 1906, aos 86 anos.

Esta terça-feira, a afluência foi de tal ordem que o autarca mandou extendeu o horário de abertura do cemitério Mount Hope até às nove da noite (habitualmente fecha às 17h30).

Junto à sepultura de Susan, muitas norte-americanas “vingaram” o facto de ela nunca ter sido autorizada a exercer o direito pelo qual tanto lutara, colando na sua lápide autocolantes que diziam “Eu votei”.

“Hoje votei por causa de mulheres como ela”, escreveu a jovem Brynn Hunt no Instagram. “Hoje votei pela primeira vez, visitei a campa de Susan B. Anthony e vesti-me de branco para homenagear o sufrágio feminino. Percorremos um longo caminho desde que passou a 19ª emenda [ratificada a 18 de agosto de 1920 e que confere o direito de voto às mulheres], mas ainda temos muito a percorrer. Tenho em orgulho em dizer #imwithher”, ou seja, “estou com ela”, que é uma das hashtags de apoio a Hillary Clinton.

Em 1872, Susan B. Anthony desafiou os cânones da época — e as autoridades — votando nas eleições presidenciais. Foi presa e levada a julgamento, num processo que chegou aos jornais nacionais. Foi-lhe aplicada uma multa de 100 dólares, que a ativista nunca pagou. “Jamais pagarei um dólar por essa pena injusta!”

Susan B. Anthony, pioneira do sufragismo nos EUA, em 1855 WIKIMEDIA COMMONS

Este ano, a motivação para a romaria à campa de Susan foi acrescida já que, pela primeira vez, uma mulher é candidata à Casa Branca. E com forte possibilidade de vencer.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de novembro de 2016. Pode ser consultado aqui

Donald Trump já votou. Filho pisou o risco

O magnata votou em Manhattan, perto de onde vive em Nova Iorque. Foi vaiado à chegada, mas afirmou que “está tudo muito bem”

À semelhança de Hillary Clinton, Donald Trump escolheu votar de manhã. O candidato republicano à Casa Branca votou numa escola pública situada perto de sua casa, em Manhattan, Nova Iorque.

Acompanhado pela mulher, a modelo eslovena Melania Trump, foi vaiado à chegada, reportou a CNN. “Está tudo muito bem”, afirmou o empresário quando questionado pelos jornalistas sobre que tipo de informações estaria a receber da sua campanha.

Antes da chegada de Trump, a rua junto à Trump Tower foi encerrada para evitar a repetição de situações como a verificada esta terça-feira de manhã, quando duas mulheres se despiram na secção de voto onde Trump era esperado, ficando em topless.

Também o candidato republicano a vice-presidente, Mike Pence, já depositou o voto. Antes, o governador do estado de Indiana descomprimiu, dando um passeio de bicicleta com a mulher.

No momento do voto, outro Trump foi notícia por razões diferentes. Eric, o filho do meio do magnata, não escondeu a sua excitação, tirou uma foto do boletim e postou-a nas redes sociais. “É uma honra incrível votar no meu pai! Ele fará um grande trabalho para os EUA!”, escreveu.

Seria apenas uma curiosidade, não fosse o episódio ter acontecido em Nova Iorque, onde publicar fotos dos boletins de voto é ilegal. Avisado da ilegalidade, Eric apagou o “post”.

Esta questão ganhou visibilidade há umas semanas quando o cantor Justin Timberlake publicou uma “selfie” no Instagram do momento em que votava por antecipação em Memphis, Tennessee, onde nasceu e está registado. Tinha a melhor das intenções — apelar ao voto junto dos jovens —, mas violou a lei.

Desde janeiro que, naquele estado, é proibido usar o telefone “para conversar, gravar ou tirar fotografias ou fazer vídeos dentro de assembleias de voto”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de novembro de 2016. Pode ser consultado aqui

Candidatos democratas já votaram

A dupla democrata candidata à Casa Branca, Hillary Clinton e Tim Kaine, já exerceu o direito de voto. Na Virgínia, o candidato à vice-presidência madrugou para ser o primeiro na sua secção de voto… mas foi ultrapassado por uma senhora de 99 anos

As urnas já abriram nos Estados Unidos. Dos cerca de 200 milhões de eleitores registados para votarem nas eleições presidenciais, mais de 46 milhões, entre os quais Barack Obama, exerceram previamente o direito de voto — por correspondência ou por antecipação. Para os restantes, esta terça-feira é a última oportunidade para participarem na escolha do 45.º Presidente dos EUA.

“Não existe tal coisa de que um voto não conta. Hoje, você pode fazer a diferença”, escreveu num tweet a candidata democrata Hillary Clinton, antes de votar em Chappaqua, no estado de Nova Iorque. Acompanhada pelo marido, o 42.º Presidente norte-americano, Bill Clinton, Hillary distribuiu sorrisos de confiança, seguida de perto por um batalhão de câmaras televisivas.

Mais discreto, o candidato democrata à vice-presidência, Tim Kaine, madrugou, exercendo o seu direito de voto nas instalações de uma igreja metodista em Richmond, no estado da Virginia. “Queria ser o primeiro na minha assembleia de voto, mas a Minerva Turpin, de 99 anos, ganhou-me. Parece que preciso de me habituar a ser número dois!”, escreveu o senador Kaine no Twitter, com humor.

Em matéria de afluência às urnas, a dupla democrata foi a primeira a cortar a meta, ainda que não seja esta a corrida que conta. Terminada “a campanha mais feia da história moderna” dos EUA, como a qualificou a CNN, os dois principais candidatos — separados nas sondagens por curta margem — desdobram-se em apelos ao voto.

“Somos um grande, grande país, temos um potencial enorme. Saiam e votem”, afirmou Donald Trump esta terça-feira de manhã, numa intervenção por telefone no programa “Fox & Friends” da televisão conservadora Fox News. O candidato republicano reconheceu: “Se eu não ganhar, considero um tremendo desperdício de tempo, energia e dinheiro”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de novembro de 2016. Pode ser consultado aqui

Primeira vitória vai para Hillary

Com oito habitantes apenas, a aldeia de Dixville Notch, junto à fronteira com o Canadá, foi rápida a anunciar o resultado. A candidata democrata arrecadou metade dos votos expressos

É uma tradição com mais de 50 anos nos Estados Unidos. Pouco depois da meia-noite do dia eleitoral, é anunciado o resultado da votação na pequena aldeia de Dixville Notch, no estado de New Hampshire, a 30 quilómetros da fronteira com o Canadá. O processo é rápido, já que a localidade tem apenas oito habitantes.

Com “cinco vezes mais jornalistas a assistirem” do que eleitores a depositarem o voto, como constatou a CNN, quatro pessoas votaram a favor de Hillary Clinton, duas em Donald Trump e uma no candidato libertário Gary Johnson.

O oitavo morador revelou a sua insatisfação em relação aos nomes propostos escrevendo à mão o nome do seu político favorito: Mitt Romney, o candidato do Partido Republicano nas presidenciais de 2012.

Nas eleições de há quatro anos, a localidade dividiu-se a meio no apoio a Romney e a Barack Obama. Mas nas três presidenciais anteriores, os eleitores de Dixville Notch votaram maioritariamente no candidato que haveria de vencer: George W. Bush em 2000 e 2004 e Barack Obama em 2008.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de novembro de 2016. Pode ser consultado aqui

Protestos, a válvula de escape de um monarca pragmático

Manifestações de rua após a morte de um peixeiro recordam o início da Primavera Árabe

ILUSTRAÇÃO LE BLOG DE SYLVAIN RAKOTOARISON

A morte, há oito dias, de um peixeiro marroquino no interior de um camião do lixo, levou milhares de pessoas às ruas de várias cidades do reino em protesto contra as autoridades. Mouhcine Fikri, de 31 anos, foi engolido por uma trituradora quando — numa atitude desesperada, defendem os manifestantes — tentou salvar 500 kg de espadarte confiscados pela polícia. Uma investigação está em curso para apurar se, de facto, foi um ato de desespero ou um acidente. Se a trituradora estava ligada quando Fikri caiu ou foi acionada depois e quem deve ser penalizado pelo negócio do espadarte, já que a sua pesca está proibida no Mediterrâneo entre 1 de outubro e 30 de novembro.

O facto é que logo se estabeleceram paralelismos entre este caso e o do tunisino Mohamed Bouazizi, o vendedor ambulante que, a 17 de dezembro de 2010, se imolou pelo fogo após a polícia municipal lhe ter apreendido a banca de fruta, e que foi considerado o tiro de partida da Primavera Árabe. Iria agora a morte trágica de Mouhcine Fikri desencadear uma segunda ronda de protestos visando a monarquia, direta ou indiretamente?

Regime vai cedendo

Há cinco anos, Marrocos também não foi poupado aos ventos da Primavera Árabe, mas Mohammed VI foi hábil na contenção das manifestações dinamizadas pelo Movimento 20 de Fevereiro (M20). Promoveu um referendo constitucional e abdicou de prerrogativas, transferindo para o primeiro-ministro o poder de dissolver o Parlamento e para o Parlamento a concessão de amnistias, por exemplo. Com os marroquinos de volta às ruas, estará agora pressionado a fazer novas cedências?

“Este tipo de casos são balões de oxigénio que alimentam o M20, o qual continua a fazer sentido na pressão pelos direitos cívicos, sobretudo no que toca à mulher”, explica ao Expresso Raúl Braga Pires, investigador no Centro de Investigação, Desenvolvimento e Inovação da Academia Militar (CINAMIL). “O regime tem cedido e ajustado as leis aos tempos modernos, como foi o caso da anulação da alínea do código penal que permitia a um violador safar-se caso acordasse casar com a sua vítima.”

O investigador compara este caso a outro, em agosto de 2013, que levou a população às ruas para contestar uma amnistia concedida ao espanhol Daniel Galvan Viña, o “Monstro de Kenitra”, condenado a 30 anos de prisão por crimes de pedofilia, “um assunto sujo e tabu e sempre escondido”. O caso surgira numa altura em que o confronto provocado pela Primavera Árabe tinha dividido profundamente a sociedade marroquina entre “esquerda” e “direita”, mas perante esse caso lealistas e membros do M20 surgiram lado a lado, independentemente de, na véspera, nas ruas, se terem agredido.

“Tensão com as autoridades existe sempre, mas os marroquinos têm noções muito claras sobre os limites e nunca acontecerá o mesmo que na Tunísia”, prossegue Braga Pires, professor na Universidade Mohammed V, em Rabat, entre 2011 e 2014. “Uma das formas inteligentes de conter os ânimos coletivos marroquinos mais impulsivos, durante o inverno de 2011, foi o facto de os cafés do reino estarem permanentemente sintonizados em canais de informação contínua, sobretudo a Al-Jazeera Árabe, que passavam em direto os acontecimentos no Egito, Iémen e, mais tarde, Síria. Os marroquinos viam e diziam: ‘Não queremos isto aqui!’”

O poder dos súbditos

Após a Primavera Árabe, qualquer governante — de Rabat a Muscate (Omã) — sabe que pode ter os dias contados e o mesmo destino do egípcio Hosni Mubarak (preso e condenado) ou do líbio Muammar Kadhafi (linchado na rua). O poder em Marrocos está atento a isso. “Estes casos que mobilizam a opinião pública de forma transversal reforçam ainda mais o poder e a autoridade do monarca”, diz o investigador. “Tudo isto provoca nos súbditos a certeza de que hoje são mais livres e informados do que nunca e que vivem num país/regime que lhes permite manifestarem-se à vontade e provocar justiça em casos de gritante injustiça.”

Outra questão levantada por este caso prende-se com a sua localização. Fikri morreu a 28 de outubro, em Al Hoceima, cidade costeira do Mediterrâneo, na região rebelde e esquecida do Rif (norte). “O Rif já fez as pazes com o Palácio”, diz Raúl Braga Pires. “Foi Hassan II que lhes chamou insetos e nunca se deslocou ao Rif, oficial ou oficiosamente, durante a sua vida/reinado. O filho, Mohammed VI, construiu estradas, deu um novo impulso económico a toda a região com investimento interno e estrangeiro e até já celebrou a Festa do Trono em Tetuão, o que muito bem caiu no goto dos rifenhos. O sentimento independentista característico desta região tem tido razões para se ir esboroando.”

Artigo publicado no Expresso, a 5 de novembro de 2016