O terrorismo marca os anos 60 e 70 na Europa, embora assumindo características muito diferentes das atuais, marcadas pelos grupos jiadistas e pelos atentados visando mortes em massa de civis indiferenciados, de que foram exemplo maior os atentados de Paris (2015) ou Bruxelas (2016).
O terrorismo desses anos tinha um lado ideológico muito vincado e uma característica diferente: visava em geral alvos simbólicos, fossem instalações físicas ou pessoas, procurando-se que daí resultasse o máximo de repercussão pública. Daí os raptos ou assassínios de diplomatas, membros de governos, empresários ou militares por grupos como as Brigadas Vermelhas italianas ou o Baader-Meinhof alemão.
O balanço da mortalidade na Europa entre os anos 70 e 80 é inflacionado por uma componente extraeuropeia que tinha Como mudou o terrorismo na Europa que ver com sequestros de aviões ou ataques em aeroportos feitos em geral por grupos do Médio Oriente, sobretudo palestinianos, por vezes em coordenação com organizações europeias como após a prisão dos líderes do Baader-Meinhof (desvio para Mogadíscio de um avião da Lufthansa por um comando palestiniano em outubro de 1977). A falta de doutrina de intervenção e de pessoal preparado fez com que algumas das tentativas policiais de resgate redundassem em banhos de sangue. Houve também ataques em grandes eventos como os Jogos Olímpicos de 1972: massacre da delegação israelita pelos palestinianos do Setembro Negro.
Na Irlanda do Norte (IRA) e no País Basco (ETA) misturavam-se reivindicações independentistas, guerrilha e terrorismo, sendo estas duas realidades responsáveis por boa parte dos atentados e vítimas na Europa ao longo desse período. Em 1974 dá-se o pico dos atentados do IRA na Irlanda do Norte e Inglaterra, por vezes em bares e outros locais públicos causando 91 mortos. No País Basco, o máximo das mortes atribuídas à ETA foi em 1980 (93 mortos). Tudo isto dá vários picos entre 1972 e 1988, ano em que na explosão do avião da Pan Am que sobrevoava Lockerbie (atribuído a agentes de Kadhafi) morreram 259 pessoas. Tudo se começa a diluir na década de 90, com diminuição de ocorrências e vítimas.
O primeiro sinal de mudança para o paradigma jiadista é o atentado de argelinos no metro parisiense de Saint-Michel (1995) mas, mesmo com atentados como os da Al-Qaeda nos comboios suburbanos de Madrid (11 de março de 2004), nunca se volta ao acumulado anual de vítimas das décadas anteriores. Contudo, do Iraque ao Líbano, do Afeganistão ao Paquistão, da Nigéria ao Iémen, os atentados dos últimos dez anos têm sido mais numerosos e muitíssimo mais sangrentos. Perante o Daesh ou o Boko Haram os grupos esquerdistas dos anos 70 não passavam de aprendizes.
Texto escrito em colaboração com Rui Cardoso
NÚMERO DE MORTOS EM ATAQUES TERRORISTAS NA EUROPA OCIDENTAL ENTRE 1970 E 2015

QUATRO TIPOS DE ATAQUES ATÉ AOS ANOS 80
SIMBÓLICOS
Atentados e raptos visando alvos de grande visibilidade: empresários, membros do governo, diplomatas, polícias, etc. Método típico de grupos como as Brigadas Vermelhas italianas e a Fração do Exército Vermelho alemão (Baader-Meinhof) ao qual se atribuem 34 mortes, entre atentados bombistas e ataques a tiro, ao longo de 30 anos de atividade. Foi também o método de grupos vindos do Médio Oriente (arménios, iranianos, palestinianos, etc.): ataque à delegação olímpica israelita em Munique (1972) ou ao embaixador israelita em Londres (1982)
SEPARATISTAS
Efeitos locais da luta armada de grupos separatistas como a ETA (País Basco) ou IRA (Irlanda do Norte). A ETA começa a partir dos anos 90 a alargar os atentados a autarcas e políticos bascos e não apenas a polícias ou militares, enveredando pelo assassínio sem restrições. No segundo caso, quase guerra civil entre católicos e protestantes com múltiplos ajustes de contas locais, guerrilha contra a presença inglesa, retaliações militares contra civis como o Domingo Negro (30/1/72) e “exportação” para a Inglaterra de atentados bombistas, muitas vezes contra civis
PIRATAS DO AR
Desvios de aviões comerciais ou ataques em aeroportos por grupos não europeus, “exportando” para a Europa conflitos do Médio Oriente ou Norte de África. O caso mais sangrento foi o do avião da Pan Am feito explodir por agentes de Kadhafi sobre Lockerbie (Escócia)
MASSACRES EM MASSA
Na Europa os ataques a alvos civis indiscriminados visando causar o máximo de vítimas são raros até aos anos 80. Ainda assim bombas do IRA visaram locais públicos, causando dezenas de vítimas civis. O mais sangrento ataque deste tipo foi o da estação de Bolonha pelo qual diversos neofascistas foram julgados e condenados. Isto muda a partir de 1995 quando um grupo argelino ataca no metro de Paris, atingindo a máxima expressão em Madrid e Londres, aqui já com inspiração da Al-Qaeda. Ainda não se sonhava, então, com atentados como os do “Charlie Hebdo” e muito menos com o ataque à talibã na Sexta-feira Negra de Paris. Neste contexto a exceção dissonante é o ataque do “lobo solitário” de extrema-direita Breivik na Noruega em 2011
DÉCADAS AGITADAS
1979
foi o pico do número de atentados na Europa Ocidental (mas não de mortos) com um total de 1019 ocorrências
3
países, Irlanda do Norte, Espanha e Itália foram de 1970 a 2007 os que tiveram mais ataques terroristas, ligados a violência separatista nos dois primeiros casos
829
vítimas mortais da ETA em Espanha entre 1960 e 2011: 468 membros das forças de segurança e 343 civis. 1980 foi o ano mais sangrento, com 93 mortos atribuídos a atentados do grupo
OBJETIVO ESPETÁCULO
1970
Comando da Fração do Exército Vermelho liberta o líder preso, Andreas Baader, em Berlim
1973
Bomba da ETA mata primeiro-ministro espanhol Carrero Blanco
1978
Brigadas Vermelhas sequestram e acabam por matar ex-PM italiano Aldo Moro
1980
Ocupação da embaixada iraniana em Londres por separatistas e operação de resgate pelo SAS (7 mortos)
1982
Palestinianos do grupo Abu Nidal matam embaixador israelita em Londres
1984
Dissidentes do IRA põem bomba em Brighton no congresso do Partido Conservador para assassinar a PM britânica Margaret Thatcher que escapa à explosão (5 mortos)
ATENTADOS SANGRENTOS FORA DA EUROPA OCIDENTAL PÓS-11 DE SETEMBRO
ESTADOS UNIDOS, 11.9.2001
Quatro aviões são desviados por membros da Al-Qaeda. Três embatem no World Trade Center e no Pentágono. Morrem 2996
RÚSSIA, 23.10.2002
Homens e mulheres armados tomam o teatro Dubrovka, Moscovo. Exigem a saída russa da Tchetchénia. Morrem 170 reféns
INDONÉSIA, 12.10.2002
Um grupo ligado à Al-Qaeda mata 202 pessoas de 20 nacionalidades em Bali. São usadas bombas e suicidas
RÚSSIA, 1.9.2004
Um comando tchetcheno sequestra 1100 pessoas (777 crianças) numa escola de Beslan, Ossétia do Norte, durante três dias. Após o resgate russo há 385 mortos
ÍNDIA, 11.7.2006
Sete bombas em panelas de pressão detonam em 11 minutos, na linha ferroviária de Bombaim, matando 209. Grupo islamita diz querer vingar a minoria muçulmana
ÍNDIA, 26.11.2008
Dez atentados sincronizados contra vários edifícios de Bombaim (café, hotel, hospital, centro judaico, cinema, etc.), matam 195. A vaga de terror prolonga-se durante três dias
PAQUISTÃO, 16.12.2014
Três árabes, dois afegãos e um tchetcheno, afetos aos talibãs paquistaneses, matam 141 numa academia militar em Peshawar
NIGÉRIA, 3.1.2015
O grupo jiadista Boko Haram faz massacres sistemáticos na cidade de Baga. O terror dura cinco dias e visa tropas estrangeiras e civis locais (150 mortos)
QUÉNIA, 2.4.2015
Al-Shabaab somali ataca Universidade de Garissa e mata 148 pessoas
EGITO, 31.10.2015
Charter russo com turistas descola de Sharm el-Sheikh e explode (224 mortos). Ramo local do Daesh reivindica
IRAQUE, 3.7.2016
Ataque à bomba em Karrada, uma área comercial maioritariamente xiita em Bagdade, mata 341. O Daesh (sunita) reclama a autoria do atentado
Artigo publicado no “Expresso”, a 23 de dezembro de 2016
