Índia testa míssil nuclear que pode atingir… a China

O novo míssil indiano tem um alcance de 5000 quilómetros e capacidade para transportar uma ogiva nuclear de uma tonelada. Pequim já reagiu, sem preocupação: Índia e China “são parceiros, não rivais”

A Índia testou, com sucesso, um novo e potente míssil nuclear. Com 17 metros de altura e dois de diâmetro, o míssil balístico intercontinental Agni V pode transportar uma ogiva nuclear de mais de uma tonelada e tem um alcance de 5000 quilómetros.

A nova arma confere capacidade à Índia para alvejar qualquer latitude na Ásia — incluindo a China — e alcançar também alguns pontos em África e na Europa.

“Alguma imprensa, incluindo órgãos de informação indianos e alguns japoneses, especularam sobre se este ato da Índia visa a China”, reagiu a porta-voz do ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Hua Chunying. “Penso que em relação às intenções da Índia, isso tem de ser perguntado à Índia”, acrescentando que Índia e China são parceiros e não rivais.

O teste final ao Agni V, o quarto realizado ao míssil, decorreu esta segunda-feira, numa ilha no Golfo de Bengala, próxima ao estado de Orissa (leste do país). Os bons resultados logo mereceram as felicitações por parte das principais figuras do Estado indiano.

“O teste bem sucedido ao Agni V faz cada indiano muito orgulhoso. Acrescentará uma força tremenda à nossa defesa estratégica”, twitou o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi.

 

“Felicitações à Organização de Desenvolvimento e Pesquisa para a Defesa (DRDO, integrado no ministério indiano da Defesa) pelo lançamento bem-sucedido do Agni V, que melhorará as nossas capacidades estratégica e de dissuasão”, acrescentou o Presidente Pranab Mukherjee.

Em desenvolvimento, a Índia tem já o Agni VI, igualmente de longo alcance e com capacidade de transporte de múltiplas ogivas nucleares.

Contrariamente à China, o vizinho e rival Paquistão remeteu-se ao silêncio relativamente à nova conquista armamentista dos indianos. Tal como a Índia, o Paquistão é uma potência nuclear não signatária do Tratado de Não Proliferação Nuclear.

Durante o século XX, estes dois países, que nasceram da partição da Índia Britânica — a Índia de maioria hindu e o Paquistão de maioria muçulmana —, travaram três guerras (1947, 1965, 1971). Entre ambos, existe uma “ferida aberta” — o território da Caxemira, que ambos disputam — que justifica uma permanente corrida ao armamento e coloca o mundo, de tempos a tempos, à beira de uma guerra nuclear.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 27 de dezembro de 2016. Pode ser consultado aqui

Como mudou o terrorismo na Europa

O terrorismo marca os anos 60 e 70 na Europa, embora assumindo características muito diferentes das atuais, marcadas pelos grupos jiadistas e pelos atentados visando mortes em massa de civis indiferenciados, de que foram exemplo maior os atentados de Paris (2015) ou Bruxelas (2016).

O terrorismo desses anos tinha um lado ideológico muito vincado e uma característica diferente: visava em geral alvos simbólicos, fossem instalações físicas ou pessoas, procurando-se que daí resultasse o máximo de repercussão pública. Daí os raptos ou assassínios de diplomatas, membros de governos, empresários ou militares por grupos como as Brigadas Vermelhas italianas ou o Baader-Meinhof alemão.

O balanço da mortalidade na Europa entre os anos 70 e 80 é inflacionado por uma componente extraeuropeia que tinha Como mudou o terrorismo na Europa que ver com sequestros de aviões ou ataques em aeroportos feitos em geral por grupos do Médio Oriente, sobretudo palestinianos, por vezes em coordenação com organizações europeias como após a prisão dos líderes do Baader-Meinhof (desvio para Mogadíscio de um avião da Lufthansa por um comando palestiniano em outubro de 1977). A falta de doutrina de intervenção e de pessoal preparado fez com que algumas das tentativas policiais de resgate redundassem em banhos de sangue. Houve também ataques em grandes eventos como os Jogos Olímpicos de 1972: massacre da delegação israelita pelos palestinianos do Setembro Negro.

Na Irlanda do Norte (IRA) e no País Basco (ETA) misturavam-se reivindicações independentistas, guerrilha e terrorismo, sendo estas duas realidades responsáveis por boa parte dos atentados e vítimas na Europa ao longo desse período. Em 1974 dá-se o pico dos atentados do IRA na Irlanda do Norte e Inglaterra, por vezes em bares e outros locais públicos causando 91 mortos. No País Basco, o máximo das mortes atribuídas à ETA foi em 1980 (93 mortos). Tudo isto dá vários picos entre 1972 e 1988, ano em que na explosão do avião da Pan Am que sobrevoava Lockerbie (atribuído a agentes de Kadhafi) morreram 259 pessoas. Tudo se começa a diluir na década de 90, com diminuição de ocorrências e vítimas.

O primeiro sinal de mudança para o paradigma jiadista é o atentado de argelinos no metro parisiense de Saint-Michel (1995) mas, mesmo com atentados como os da Al-Qaeda nos comboios suburbanos de Madrid (11 de março de 2004), nunca se volta ao acumulado anual de vítimas das décadas anteriores. Contudo, do Iraque ao Líbano, do Afeganistão ao Paquistão, da Nigéria ao Iémen, os atentados dos últimos dez anos têm sido mais numerosos e muitíssimo mais sangrentos. Perante o Daesh ou o Boko Haram os grupos esquerdistas dos anos 70 não passavam de aprendizes.

Texto escrito em colaboração com Rui Cardoso

NÚMERO DE MORTOS EM ATAQUES TERRORISTAS NA EUROPA OCIDENTAL ENTRE 1970 E 2015

QUATRO TIPOS DE ATAQUES ATÉ AOS ANOS 80

SIMBÓLICOS
Atentados e raptos visando alvos de grande visibilidade: empresários, membros do governo, diplomatas, polícias, etc. Método típico de grupos como as Brigadas Vermelhas italianas e a Fração do Exército Vermelho alemão (Baader-Meinhof) ao qual se atribuem 34 mortes, entre atentados bombistas e ataques a tiro, ao longo de 30 anos de atividade. Foi também o método de grupos vindos do Médio Oriente (arménios, iranianos, palestinianos, etc.): ataque à delegação olímpica israelita em Munique (1972) ou ao embaixador israelita em Londres (1982)

SEPARATISTAS
Efeitos locais da luta armada de grupos separatistas como a ETA (País Basco) ou IRA (Irlanda do Norte). A ETA começa a partir dos anos 90 a alargar os atentados a autarcas e políticos bascos e não apenas a polícias ou militares, enveredando pelo assassínio sem restrições. No segundo caso, quase guerra civil entre católicos e protestantes com múltiplos ajustes de contas locais, guerrilha contra a presença inglesa, retaliações militares contra civis como o Domingo Negro (30/1/72) e “exportação” para a Inglaterra de atentados bombistas, muitas vezes contra civis

PIRATAS DO AR
Desvios de aviões comerciais ou ataques em aeroportos por grupos não europeus, “exportando” para a Europa conflitos do Médio Oriente ou Norte de África. O caso mais sangrento foi o do avião da Pan Am feito explodir por agentes de Kadhafi sobre Lockerbie (Escócia)

MASSACRES EM MASSA
Na Europa os ataques a alvos civis indiscriminados visando causar o máximo de vítimas são raros até aos anos 80. Ainda assim bombas do IRA visaram locais públicos, causando dezenas de vítimas civis. O mais sangrento ataque deste tipo foi o da estação de Bolonha pelo qual diversos neofascistas foram julgados e condenados. Isto muda a partir de 1995 quando um grupo argelino ataca no metro de Paris, atingindo a máxima expressão em Madrid e Londres, aqui já com inspiração da Al-Qaeda. Ainda não se sonhava, então, com atentados como os do “Charlie Hebdo” e muito menos com o ataque à talibã na Sexta-feira Negra de Paris. Neste contexto a exceção dissonante é o ataque do “lobo solitário” de extrema-direita Breivik na Noruega em 2011

DÉCADAS AGITADAS

1979
foi o pico do número de atentados na Europa Ocidental (mas não de mortos) com um total de 1019 ocorrências

3
países, Irlanda do Norte, Espanha e Itália foram de 1970 a 2007 os que tiveram mais ataques terroristas, ligados a violência separatista nos dois primeiros casos

829
vítimas mortais da ETA em Espanha entre 1960 e 2011: 468 membros das forças de segurança e 343 civis. 1980 foi o ano mais sangrento, com 93 mortos atribuídos a atentados do grupo

OBJETIVO ESPETÁCULO

1970
Comando da Fração do Exército Vermelho liberta o líder preso, Andreas Baader, em Berlim

1973
Bomba da ETA mata primeiro-ministro espanhol Carrero Blanco

1978
Brigadas Vermelhas sequestram e acabam por matar ex-PM italiano Aldo Moro

1980
Ocupação da embaixada iraniana em Londres por separatistas e operação de resgate pelo SAS (7 mortos)

1982
Palestinianos do grupo Abu Nidal matam embaixador israelita em Londres

1984
Dissidentes do IRA põem bomba em Brighton no congresso do Partido Conservador para assassinar a PM britânica Margaret Thatcher que escapa à explosão (5 mortos)

ATENTADOS SANGRENTOS FORA DA EUROPA OCIDENTAL PÓS-11 DE SETEMBRO

ESTADOS UNIDOS, 11.9.2001
Quatro aviões são desviados por membros da Al-Qaeda. Três embatem no World Trade Center e no Pentágono. Morrem 2996

RÚSSIA, 23.10.2002
Homens e mulheres armados tomam o teatro Dubrovka, Moscovo. Exigem a saída russa da Tchetchénia. Morrem 170 reféns

INDONÉSIA, 12.10.2002
Um grupo ligado à Al-Qaeda mata 202 pessoas de 20 nacionalidades em Bali. São usadas bombas e suicidas

RÚSSIA, 1.9.2004
Um comando tchetcheno sequestra 1100 pessoas (777 crianças) numa escola de Beslan, Ossétia do Norte, durante três dias. Após o resgate russo há 385 mortos

ÍNDIA, 11.7.2006
Sete bombas em panelas de pressão detonam em 11 minutos, na linha ferroviária de Bombaim, matando 209. Grupo islamita diz querer vingar a minoria muçulmana

ÍNDIA, 26.11.2008
Dez atentados sincronizados contra vários edifícios de Bombaim (café, hotel, hospital, centro judaico, cinema, etc.), matam 195. A vaga de terror prolonga-se durante três dias

PAQUISTÃO, 16.12.2014
Três árabes, dois afegãos e um tchetcheno, afetos aos talibãs paquistaneses, matam 141 numa academia militar em Peshawar

NIGÉRIA, 3.1.2015
O grupo jiadista Boko Haram faz massacres sistemáticos na cidade de Baga. O terror dura cinco dias e visa tropas estrangeiras e civis locais (150 mortos)

QUÉNIA, 2.4.2015
Al-Shabaab somali ataca Universidade de Garissa e mata 148 pessoas

EGITO, 31.10.2015
Charter russo com turistas descola de Sharm el-Sheikh e explode (224 mortos). Ramo local do Daesh reivindica

IRAQUE, 3.7.2016
Ataque à bomba em Karrada, uma área comercial maioritariamente xiita em Bagdade, mata 341. O Daesh (sunita) reclama a autoria do atentado

Artigo publicado no Expresso, a 23 de dezembro de 2016

China devolve drone aos Estados Unidos, sem polémicas

A China entregou aos Estados Unidos um aparelho não tripulado norte-americano capturado pela marinha chinesa no Mar do Sul da China. No Twitter, Donald Trump não se conteve…

A China entregou aos Estados Unidos um drone subaquático capturado pela sua marinha no Mar do Sul da China. O caso tinha condimentos para transformar-se num contencioso entre os dois gigantes da geopolítica mundial, mas tudo se resolveu sem grande polémica, apenas com algumas declarações exageradas.

“Este incidente era inconsistente tanto ao nível do direito internacional como dos padrões de profissionalismo relativos à conduta entre marinhas no mar”, afirmou o Pentágono num comunicado divulgado na segunda-feira. “Os Estados Unidos abordaram esses factos junto dos chineses, através dos canais diplomáticos e militares adequados, e apelaram às autoridades chinesas para que cumpram com as obrigações que lhes incumbem ao abrigo do direito internacional e que se abstenham de mais esforços para impedir atividades legais dos EUA.”

O veículo não tripulado tinha sido capturado pela marinha chinesa a 15 de dezembro em águas internacionais, a cerca de 50 milhas náuticas para noroeste do porto filipino de Subic Bay, quando o navio de pesquisa oceanográfica norte-americano USNS Bowditch se preparava para o recolher.

“O USNS Bowditch, um navio de investigação de classe Pathfinder que pertence ao Comando de Navegação Marítima do Gabinete Oceanográfico Naval [dos EUA], é destacado de modo rotineiro para pesquisar e mapear o fundo do oceano”, explica o sítio de análise geopolítica Stratfor. “Apesar desta missão ter uma natureza ostensivamente civil, os dados recolhidos pelo navio também têm aplicação militar, o que é particularmente relevante para a navegação submarina.”

Estivesse Donald Trump na Casa Branca…

Nos últimos anos, têm-se acentuado fricções entre Washington e Pequim à medida que os norte-americanos procuram combater o expansionismo chinês em águas disputadas no Mar do Sul da China.

Este incidente com o drone, em particular, foi resolvido sem polémicas, mas acontece numa altura em que a retórica entre as autoridades chinesas e o Presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, está cada vez mais azeda.

No Twitter, Trump não perdeu a oportunidade para comentar a questão e insinuar o que faria se estivesse na Casa Branca: “Devíamos dizer à China que não queremos de volta o drone que eles roubaram. Que fiquem com ele!”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 20 de dezembro de 2016. Pode ser consultado aqui

 

Uma crise invisível

Mais de sete milhões de colombianos vivem como refugiados dentro do seu próprio país. Em todo o mundo, só a Síria tem mais deslocados internos. O conflito armado de 52 anos entre o Estado colombiano e vários grupos de guerrilha é a principal causa para este êxodo forçado, mas não a única…

“Senhoras e senhores: há uma guerra a menos no mundo, é a guerra na Colômbia!” Juan Manuel Santos, o Presidente colombiano, vem repetindo esta ideia desde que o Estado colombiano e o principal grupo guerrilheiro — as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC)  encetaram um processo de diálogo visando o fim de um conflito que dura há 52 anos. Repetiu-o, mais uma vez, em Oslo (Noruega), no passado dia 10, no seu discurso de agradecimento após receber o Prémio Nobel da Paz.

É verdade que as armas se calaram no país, mas para mais de sete milhões de colombianos — num país com uma população global a rondar os 47 milhões —, a guerra continua a outro nível: forçados a fugir das povoações onde viviam, perderam tudo, deixando para trás casas e terras. “A Colômbia tem o segundo mais alto número de deslocados internos em todo o mundo, embora a situação seja completamente diferente da da Síria (onde o número é maior), que tem sido dilacerada pela guerra”, diz ao Expresso Louise Hojen, investigadora no Council on Hemispheric Affairs, Washington D.C. (EUA).

Conflito armado não explica tudo

Instituições como o Centro de Monitorização dos Deslocados Internos (Genebra), o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados e o próprio Governo de Bogotá têm contabilidades não coincidentes quanto ao número exato de deslocados. “Mas todos concordam que são mais de 10% da população e que o número é superior a 7,4 milhões de pessoas”, refere Louise Hojen.

Em 2014, as FARC terão sido responsáveis por 69% dos deslocados surgidos nesse ano, número que caiu para 37% em 2015. O Exército de Libertação Nacional (ELN) e os chamados grupos criminosos emergentes (BACRIM) também têm quota de responsabilidade, a um nível menor. Porém, o conflito armado não explica tudo…

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Assistência humanitária a deslocados internos, na Colômbia WIKIMEDIA COMMONS

Desastres naturais, interesses empresariais e a narcoindústria, “que está profundamente enraizada na economia e sociedade colombianas”, partilham com o conflito armado a corresponsabilidade por um tão grande número de deslocados. Apesar dos esforços da paz nos últimos anos, “enquanto existir o mercado mundial da droga haverá a produção e o tráfico, o que agravará o número de deslocados internos na Colômbia”, diz a investigadora. Este tem crescido continuamente, mas “é importante realçar que o aumento anual de deslocados é o mais baixo de sempre”.

O problema é especialmente grave nas áreas rurais. “Não só proprietários são expulsos ou mortos em nome do acesso às suas terras, como outros aceitam trabalhar no cultivo da coca, dado ser lucrativo. A indústria da droga é responsabilidade pelo agravamento de vários problemas, mas medidas tomadas pelo Governo para combatê-la também têm tido um impacto negativo na questão dos deslocados, como a pulverização aérea das áreas de cultivo, apoiada pelos Estados Unidos.”

Em Oslo, o Presidente Juan Manuel Santos não evitou o problema, afirmando a necessidade de se repensar a estratégia de combate ao narcotráfico. “Temos autoridade moral para afirmar que, após décadas de luta contra o narcotráfico, o mundo ainda não conseguiu controlar este flagelo que alimenta a violência e a corrupção por toda a nossa comunidade global”, disse. “Não faz sentido prender um camponês que cultiva marijuana quando hoje em dia, por exemplo, o seu cultivo e uso são legais em oito estados norte-americanos. A forma pela qual está a ser travada esta guerra contra as drogas é igual ou talvez até mais danosa do que todas as guerras juntas que o mundo está a travar. É hora de mudar a nossa estratégia.”

Escândalo Body Shop

Uma terceira causa para o problema dos deslocados internos na Colômbia ganhou grande visibilidade internacional em 2009, quando a imprensa britânica expôes a relação comercial entre a conceituada marca de cosméticos Body Shop e a empresa colombiana Daabon, a quem a Body Shop comprava 90% do óleo de palma que usava.

A Daabon estava envolvida no despejo de famílias de camponeses da “Hacienda Las Pavas”, na província de Bolívar (norte), onde instalou uma nova plantação. A Body Shop acabaria por romper o contrato com a Daabon e, dias depois, esta anunciou o fim da produção de óleo de palma em Las Pavas.

“Grandes empresas nacionais e internacionais são responsáveis por deslocamentos internos. Serviram-se do conflito armado em nome de interesses económicos”, refere Louise. A Cementos Argos S.A., que é a maior cimenteira colombiana, comprou terrenos onde foram feitos despejos. Apesar de nunca se ter provado que era culpada por deslocamentos na atualidade, para Louise isso torna a cimenteira “apoiante passiva” do problema.

“Os deslocamentos forçados têm afetado pequenas famílias e comunidades inteiras por todo o país. A maioria das vítimas são indígenas e afro-colombianos e a maior parte dos casos acontece nas regiões ricas em recursos”, diz Louise Hojen. É o caso de La Guajira (norte), onde vários despejos foram forçados por empresas de exploração mineira.

Que respostas?

“O Governo não tem sido muito proativo no que respeita à ajuda aos milhões de deslocados internos por toda a Colômbia”, aponta a investigadora. “Sobretudo antes de Juan Manuel Santos ser eleito Presidente, em 2010, a situação era terrível e as conversações de paz não eram encorajadas.”

A restituição de terras e a recompensa às vítimas constam do pacote negocial entre Bogotá e as FARC. Falta agora concretizar. A tarefa é gigantesca e enfrenta a oposição nomeadamente do ex-Presidente Álvaro Uribe — de quem Juan Manuel Santos foi ministro da Defesa. “Quando Uribe era Presidente, introduziu a Lei da Paz e Justiça, em 2005, para desmobilizar grupos armados e iniciar um processo de compensação às vítimas. Foi francamente aplicada e a maioria das vítimas nunca deu a cara com medo de retaliações por parte dos grupos armados.”

O mesmo aconteceu com a Lei 1448, de 2011, a chamada Lei das Vítimas, que atribui às autoridades municipais a responsabilidade pela assistência às vítimas. A falta de pessoal e de recursos financeiros têm dificultado a aplicação da legislação. “O processo de reparação das vítimas e de restituição das terras é demasiado lento”, conclui Louise Hojen, “tal como a resposta para cidades sobrecarregadas, como Bogotá, para onde fugiram milhões de deslocados”.

(Foto principal: Colômbia em fuga dentro do seu próprio país COLOMBIA INCLUYENTE)

Artigo publicado no Expresso Diário, a 19 de dezembro de 2016. Pode ser consultado aqui

Uma criança morre a cada 10 minutos no Iémen

É o país mais pobre do Médio Oriente, assolado por um conflito que vai caindo no esquecimento e coloca as crianças, cada vez mais, na linha da frente da mortalidade. No Iémen, perto de meio milhão de crianças está em perigo de morrer à fome

A cada hora que passa, morrem seis crianças no Iémen de doenças já erradicadas noutras zonas do planeta, infeções respiratórias e subnutrição. “A violência e o conflito fizeram reverter ganhos significativos na última década ao nível da saúde e nutrição das crianças iemenitas”, alertou Meritxell Relaño, representante interina da UNICEF no Iémen. “Doenças como a cólera e o sarampo aumentaram e, com poucas infraestruturas de saúde funcionais, esses surtos estão a penalizar muito as crianças.”

Segundo aquela agência especializada das Nações Unidas, 2,2 milhões de crianças sofrem de subnutrição — na província de Sa’ada (norte), junto à fronteira com a Arábia Saudita, oito em 10 crianças sofrem de subnutrição crónica. Cerca de 462 mil correm mesmo o risco de morrer à fome — um aumento de 200% desde 2014.

“A subnutrição no Iémen está em alta e a aumentar”, acrescentou a espanhola Meritxell Relaño. “O estado de saúde das crianças no país mais pobre do Médio Oriente nunca foi tão catastrófico como hoje.”

Unificado desde 1990, o Iémen tem enfrentado anos de pobreza generalizada, escassez alimentar e um sistema de saúde deficiente. O Relatório de Desenvolvimento Humano Árabe de 2016, divulgado a 29 de novembro passado, descreve “uma das piores crises humanitárias” em todo o mundo. “Em dezembro de 2015, estimava-se que 21,2 milhões de pessoas — o que corresponde a 82% da população iemenita — necessitava de ajuda humanitária”, lê-se na página 129 do documento.

“Menos de um terço da população do país tem acesso a tratamentos médicos”, complementa a UNICEF. “Menos de metade das infraestruturas de saúde estão operacionais. Profissionais de saúde não recebem salário há meses e agências de ajuda humanitária lutam para trazer suprimentos para salvar vidas em virtude do impasse político entre as partes em conflito.”

A situação no Iémen degradou-se acentuadamente a partir de março de 2015, quando o país começou a ser alvo de bombardeamentos por parte de uma coligação de países da região. Oficialmente, a ofensiva liderada pela Arábia Saudita (país árabe), o gigante sunita do Médio Oriente, visa devolver o poder ao Presidente Abd Rabbuh Mansur Hadi, deposto em setembro de 2014 pelos rebeldes huthis — xiitas e próximos do Irão (país persa), o grande rival dos sauditas.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 13 de dezembro de 2016. Pode ser consultado aqui