Mais de sete milhões de colombianos vivem como refugiados dentro do seu próprio país. Em todo o mundo, só a Síria tem mais deslocados internos. O conflito armado de 52 anos entre o Estado colombiano e vários grupos de guerrilha é a principal causa para este êxodo forçado, mas não a única…
“Senhoras e senhores: há uma guerra a menos no mundo, é a guerra na Colômbia!” Juan Manuel Santos, o Presidente colombiano, vem repetindo esta ideia desde que o Estado colombiano e o principal grupo guerrilheiro — as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) — encetaram um processo de diálogo visando o fim de um conflito que dura há 52 anos. Repetiu-o, mais uma vez, em Oslo (Noruega), no passado dia 10, no seu discurso de agradecimento após receber o Prémio Nobel da Paz.
É verdade que as armas se calaram no país, mas para mais de sete milhões de colombianos — num país com uma população global a rondar os 47 milhões —, a guerra continua a outro nível: forçados a fugir das povoações onde viviam, perderam tudo, deixando para trás casas e terras. “A Colômbia tem o segundo mais alto número de deslocados internos em todo o mundo, embora a situação seja completamente diferente da da Síria (onde o número é maior), que tem sido dilacerada pela guerra”, diz ao Expresso Louise Hojen, investigadora no Council on Hemispheric Affairs, Washington D.C. (EUA).
Conflito armado não explica tudo
Instituições como o Centro de Monitorização dos Deslocados Internos (Genebra), o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados e o próprio Governo de Bogotá têm contabilidades não coincidentes quanto ao número exato de deslocados. “Mas todos concordam que são mais de 10% da população e que o número é superior a 7,4 milhões de pessoas”, refere Louise Hojen.
Em 2014, as FARC terão sido responsáveis por 69% dos deslocados surgidos nesse ano, número que caiu para 37% em 2015. O Exército de Libertação Nacional (ELN) e os chamados grupos criminosos emergentes (BACRIM) também têm quota de responsabilidade, a um nível menor. Porém, o conflito armado não explica tudo…

Desastres naturais, interesses empresariais e a narcoindústria, “que está profundamente enraizada na economia e sociedade colombianas”, partilham com o conflito armado a corresponsabilidade por um tão grande número de deslocados. Apesar dos esforços da paz nos últimos anos, “enquanto existir o mercado mundial da droga haverá a produção e o tráfico, o que agravará o número de deslocados internos na Colômbia”, diz a investigadora. Este tem crescido continuamente, mas “é importante realçar que o aumento anual de deslocados é o mais baixo de sempre”.
O problema é especialmente grave nas áreas rurais. “Não só proprietários são expulsos ou mortos em nome do acesso às suas terras, como outros aceitam trabalhar no cultivo da coca, dado ser lucrativo. A indústria da droga é responsabilidade pelo agravamento de vários problemas, mas medidas tomadas pelo Governo para combatê-la também têm tido um impacto negativo na questão dos deslocados, como a pulverização aérea das áreas de cultivo, apoiada pelos Estados Unidos.”
Em Oslo, o Presidente Juan Manuel Santos não evitou o problema, afirmando a necessidade de se repensar a estratégia de combate ao narcotráfico. “Temos autoridade moral para afirmar que, após décadas de luta contra o narcotráfico, o mundo ainda não conseguiu controlar este flagelo que alimenta a violência e a corrupção por toda a nossa comunidade global”, disse. “Não faz sentido prender um camponês que cultiva marijuana quando hoje em dia, por exemplo, o seu cultivo e uso são legais em oito estados norte-americanos. A forma pela qual está a ser travada esta guerra contra as drogas é igual ou talvez até mais danosa do que todas as guerras juntas que o mundo está a travar. É hora de mudar a nossa estratégia.”
Escândalo Body Shop
Uma terceira causa para o problema dos deslocados internos na Colômbia ganhou grande visibilidade internacional em 2009, quando a imprensa britânica expôes a relação comercial entre a conceituada marca de cosméticos Body Shop e a empresa colombiana Daabon, a quem a Body Shop comprava 90% do óleo de palma que usava.
A Daabon estava envolvida no despejo de famílias de camponeses da “Hacienda Las Pavas”, na província de Bolívar (norte), onde instalou uma nova plantação. A Body Shop acabaria por romper o contrato com a Daabon e, dias depois, esta anunciou o fim da produção de óleo de palma em Las Pavas.
“Grandes empresas nacionais e internacionais são responsáveis por deslocamentos internos. Serviram-se do conflito armado em nome de interesses económicos”, refere Louise. A Cementos Argos S.A., que é a maior cimenteira colombiana, comprou terrenos onde foram feitos despejos. Apesar de nunca se ter provado que era culpada por deslocamentos na atualidade, para Louise isso torna a cimenteira “apoiante passiva” do problema.
“Os deslocamentos forçados têm afetado pequenas famílias e comunidades inteiras por todo o país. A maioria das vítimas são indígenas e afro-colombianos e a maior parte dos casos acontece nas regiões ricas em recursos”, diz Louise Hojen. É o caso de La Guajira (norte), onde vários despejos foram forçados por empresas de exploração mineira.
Que respostas?
“O Governo não tem sido muito proativo no que respeita à ajuda aos milhões de deslocados internos por toda a Colômbia”, aponta a investigadora. “Sobretudo antes de Juan Manuel Santos ser eleito Presidente, em 2010, a situação era terrível e as conversações de paz não eram encorajadas.”
A restituição de terras e a recompensa às vítimas constam do pacote negocial entre Bogotá e as FARC. Falta agora concretizar. A tarefa é gigantesca e enfrenta a oposição nomeadamente do ex-Presidente Álvaro Uribe — de quem Juan Manuel Santos foi ministro da Defesa. “Quando Uribe era Presidente, introduziu a Lei da Paz e Justiça, em 2005, para desmobilizar grupos armados e iniciar um processo de compensação às vítimas. Foi francamente aplicada e a maioria das vítimas nunca deu a cara com medo de retaliações por parte dos grupos armados.”
O mesmo aconteceu com a Lei 1448, de 2011, a chamada Lei das Vítimas, que atribui às autoridades municipais a responsabilidade pela assistência às vítimas. A falta de pessoal e de recursos financeiros têm dificultado a aplicação da legislação. “O processo de reparação das vítimas e de restituição das terras é demasiado lento”, conclui Louise Hojen, “tal como a resposta para cidades sobrecarregadas, como Bogotá, para onde fugiram milhões de deslocados”.
(Foto principal: Colômbia em fuga dentro do seu próprio país COLOMBIA INCLUYENTE)
Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 19 de dezembro de 2016. Pode ser consultado aqui

