Na última semana em funções, numa verdadeira corrida contra o tempo, Barack Obama transferiu 14 presos de Guantánamo. Na véspera de deixar a Casa Branca, escreveu uma carta ao Congresso, acusando-o de falta de apoio para fechar o polémico centro de detenção
Ao segundo dia em funções na Casa Branca, Barack Obama decretou o encerramento do centro de detenção de Guantánamo — Ordem Executiva 13492, de 22 de janeiro de 2009. Oito anos depois, sai de cena com a promessa por cumprir: 41 homens continuam detidos e a culpa, diz o ex-Presidente, é do Congresso.
“Enquanto Presidente, tentei fechar Guantánamo. Quando herdei este desafio, era amplamente reconhecido que o centro — que muitos em todo o mundo continuam a condenar — precisava de ser encerrado. Infelizmente, o apoio bipartidário ao seu fecho de antes deu lugar à partidarização do assunto”, escreveu Obama numa carta enviada àquele órgão legislativo na quinta-feira.
“Não há justificação para além da política para a insistência do Congresso em manter o centro aberto”, acrescentou, notificando que durante a sua presidência tinham sido transferidos 196 detidos e que 41 continuam presos em Guantánamo.
“Os membros do Congresso que obstruem os esforços para fecha-lo, dados os riscos envolvidos à nossa segurança, abdicaram da sua responsabilidade em relação ao povo norte-americano”, acusou Obama.
O ex-Presidente defendeu que a prisão “nunca devia ter sido aberta” e que a sua existência “enfraquece a segurança nacional” norte-americana. “Os terroristas usam-na para propaganda, as suas operações drenam os nossos recursos militares numa época de cortes orçamentais” — cada detido custe anualmente mais de 10,85 milhões de dólares (10,2 milhões de euros) — “e prejudicam as nossas parcerias com aliados e países de cuja cooperação necessitamos contra a ameaça terrorista atual.”
Trump já tweetou sobre o assunto…
Na última semana em funções, Barack Obama transferiu de Guantánamo 14 homens: dez foram para o Sultanato de Omã na passada segunda-feira e outros quatro foram libertados esta quinta-feira, a 24 horas de deixar a presidência.
A sorte dos restantes 41 fica à mercê do novo Presidente, Donald Trump, que já se pronunciou sobre o assunto. “Não deverá haver mais libertações em Gitmo [como também é chamado o centro de Guantánamo]. Tratam-se de pessoas extremamente perigosas e não devem ser autorizadas a regressar aos campos de batalha”, escreveu no Twitter, a 3 de janeiro.
Aberto a 11 de janeiro de 2002 — quatro meses após os atentados do 11 de Setembro, em Nova Iorque e em Washington, e com a guerra no Afeganistão já em curso, visando o fim do regime talibã que dava guarida à Al-Qaeda —, o centro de detenção de Guantánamo abriga suspeitos de terrorismo.
Do total de 779 homens que por lá passaram, 717 foram libertados ou transferidos para países terceiros — a esmagadora maioria durante a Administração de George W. Bush —, nove morreram em cativeiro e apenas um foi levado para os Estados Unidos para ser julgado. Trata-se do tanzaniano Ahmed Khalfan Ghailani, condenado a prisão perpétua por envolvimento nos atentados contra as embaixadas dos EUA no Quénia e na Tanzânia, a 7 de agosto de 1998.
Um dos 41 detidos atualmente é Khalid Sheikh Mohammed, um operacional da Al-Qaeda capturado em 2003 na cidade paquistanesa de Rawalpindi e referido no Relatório da Comissão que investigou o 11 de Setembro como “o principal arquiteto dos ataques”.
Abusos aos direitos humanos
Situado na ilha de Cuba, o centro de detenção de Guantánamo está fora da jurisdição legal norte-americana e “tornou-se emblemático dos graves abusos aos direitos humanos praticados pelo Governo dos EUA em nome do [combate ao] terrorismo”, denunciou a Amnistia Internacional.
Tanto esta organização como a Cruz Vermelha confirmaram situações de tortura e maus tratos relatadas por vários prisioneiros.
O início da presença militar norte-americana em Guantánamo remonta ao início do século XX quando, em 1903, Estados Unidos e Cuba celebraram um contrato de arrendamento visando a instalação de uma base naval dos EUA naquela baía. A polémica prisão só surgiu quase um século depois, após o 11 de Setembro.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 20 de janeiro de 2017. Pode ser consultado aqui