Hafiz Muhammad Saeed, acusado pela Índia de ter planeado os atentados de Bombaím de 2008, foi colocado em prisão domiciliária, em Lahore. Os seus apoiantes acusam o Governo paquistanês de querer mostrar trabalho ao novo Presidente dos EUA, poucos dias após o polémico decreto que proíbe a entrada no país de cidadãos de sete países muçulmanos
Mais de oito anos depois, os ataques que lançaram o pânico na cidade indiana de Bombaím continuam a agitar… o Paquistão. Esta terça-feira, são esperados protestos populares contra a detenção do clérigo Hafiz Muhammad Saeed, acusado pela Índia de ter planeado os múltiplos ataques que, entre 26 e 29 de novembro de 2008, visaram dois hoteis, um café, um hospital, uma estação de comboios e um centro judaico, matando 166 pessoas.
Fundador do grupo implicado nos atentados, o Lashkar-e-Taiba (LeT) — ilegalizado no Paquistão em 2002 e inscrito na lista de grupos terroristas da ONU em 2005 —, Saeed foi colocado em prisão domiciliária na segunda-feira à noite, após ser detido em Lahore, na sede da organização de beneficiência Jamaat ud-Dawa (JuD), que dirige e que é considerada uma fachada do LeT.
“Recebemos a ordem de detenção do Governo Paquistanês. Creio que isto não me visa, mas é uma conspiração internacional destinada a sabotar a luta pela Caxemira”, disse Saeed à imprensa, no momento em que era escoltado pela polícia, rodeado de apoiantes, referindo-se à disputa entre Índia e Paquistão pelo controlo daquela região. “Este é o desejo de [Narendra] Modi [primeiro-ministro indiano], mediante a solicitação de Trump, e a fraqueza do Governo” paquistanês.
Paquistão não está na lista de Trump, mas…
Esta detenção surge três dias após o polémico decreto presidencial de Donald Trump que proíbe a entrada nos Estados Unidos de nacionais de sete países de maioria muçulmana. O Paquistão não está entre as nações proscritas, apesar da sua vulnerabilidade ao terrorismo e de, por exemplo, o casal que, a 2 de dezembro de 2015, levou a cabo o ataque em San Bernardino, Califórnia (14 mortos) ser de origem paquistanesa.
Os apoiantes de Saeed receiam um “efeito Trump” na decisão do Governo paquistanês, defendendo que Islamabad quer agradar à nova Administração norte-americana. “Este Governo curvou-se à pressão”, acusou Nadeem Awan, porta-voz da JuD.
Em Islamabad, o ministro paquistanês do Interior, Chaudhry Nisar, recordou que a JuD consta da lista negra das organizações terroristas a nível internacional — na dos EUA está desde 2014 — e que o Paquistão “está obrigado a fazer alguma coisa”, disse.
À agência Reuters, um alto responsável paquistanês da área da defesa (não identificado) disse que de Washington não chegou nenhum pedido, mas admitiu que o Paquistão tem sentido alguma pressão. “Trump está a tomar decisões duras contra países muçulmanos, e há quem defenda abertamente ações contra o Paquistão também. Por isso, sim, levamos isso em consideração”, afirmou.
No passado, os Estados Unidos estabeleceram uma recompensa no valor de 10 milhões de dólares (9,3 milhões de euros) por informações que conduzissem à captura do clérigo paquistanês. Esse facto não remeteu Hafiz Saeed à clandestinidade: levava uma vida pública ativa e, com frequência, proferia discursos inflamados contra a Índia.
Em 2014, numa entrevista à BBC, acusou os Estados Unidos de visarem a sua organização com o objetivo de garantir apoio por parte da Índia para o seu esforço de guerra no Afeganistão.
Após o banho de sangue em Bombaím, Saeed já tinha sido colocado em prisão domiciliária. Foi libertado seis meses depois: Islamabade considerou não haver provas suficientes para o julgar ou entrega-lo à Índia.
Os atentados de Bombaím colocaram Índia e Paquistão — ambos detentores de poder nuclear e não signatários do Tratado de Não Proliferação Nuclear (1968) — à beira da guerra. Com esta detenção, a tensão pode desanuviar um pouco.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 31 de janeiro de 2017. Pode ser consultado aqui