Chegou ao fim o julgamento que dividiu Israel

O sargento israelita que matou com um tiro na cabeça um palestiniano ferido e desarmado, em Hebron, foi condenado a ano e meio de prisão. Para uns Elor Azaria é um herói, para outros o rosto do uso excessivo da força por parte das forças israelitas

O caso dividiu a sociedade israelita e a sentença, conhecida esta terça-feira, motivou igualmente reações contrárias. Elor Azaria, um sargento israelita que executou com um tiro na cabeça um palestiniano que jazia no chão, ferido e desarmado, na cidade de Hebron (Cisjordânia), foi condenado a 18 meses de prisão.

“Sabíamos que este não ia ser um dia fácil para o acusado e para a sua família, mas era preciso fazer justiça e foi feita justiça”, afirmou em comunicado o procurador chefe tenente coronel Nadav Weisman.

O julgamento decorreu num tribunal militar, sedeado na base de Kirya, em Telavive. O sargento, de 21 anos, recebeu ainda duas penas suspensas de 12 e seis meses e a despromoção à patente de soldado. A sentença começa a ser cumprida a 5 de março.

“Quando entrou na sala de audiência, um sorridente Azaria foi recebido com aplausos e abraços por parte da família e de apoiantes”, descreveu o jornal digital “The Times of Israel”. “Após a sentença, familiares e amigos cantaram o hino nacional de Israel [Hatikva] e qualificaram Azaria de herói.” O soldado ouviu a pena sentado entre os pais.

Apelos à clemência

Conhecida a sentença, as reações dividiram-se entre apelos ao perdão imediato, elogios à pena atribuída e críticas por parte de quem a considera curta.

“O tribunal disse de sua justiça, o processo legal está concluído. Agora é tempo de clemência, do regresso de Elor [Azaria] a sua casa”, reagiu o ministro israelita dos Transportes, Yisrael Katz (Likud, direita).

“Eles sentenciaram [Azaria] a apenas um ano e meio de prisão. Azaria merecia ser punido, e seriamente”, defendeu o deputado Tamar Zandberg (Meretz, esquerda).

Azaria foi condenado por homicídio no mês passado pela morte, a 24 de março de 2016, do palestiniano Abdel Fatah al-Sharif, envolvido num ataque à faca que feriu um militar israelita, em Hebron, no território ocupado palestiniano da Cisjordânia. Azaria, que foi filmado a alvejar Sharif, enquanto este jazia no chão, ferido e imóvel, incorria numa pena de prisão máxima de 20 anos.

A família do palestiniano acompanhou a leitura da sentença pela televisão, em casa, perto de Hebron. “Um ano e meio é uma farça. O que quer dizer?” O meu filho “era um animal para ser morto desta forma bárbara?”, disse o pai de Sharif. “Não estamos surpreendidos, desde o início que sabíamos que este este iria ser um julgamento-espetáculo que não iria fazer justiça. Apesar do soldado ter sido apanhado num vídeo e de ser claro que foi uma execução a sangue frio, ele foi condenado apenas por homicídio, e não assassínio, e a acusação apenas pediu uma pena leve de três anos.”

Num comunicado, a organização Human Rights Watch afirmou que “mandar Elor Azaria para a prisão por este crime envia uma mensagem importante sobre o controlo do uso excessivo da força.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 21 de fevereiro de 2017. Pode ser consultado aqui

Violência continua no Paquistão: depois de um templo sufi, o alvo foi agora um tribunal

Uma fação dos talibãs paquistaneses reivindicou um ataque, esta terça-feira, contra um complexo judicial no noroeste do país. Os atacantes estavam munidos com coletes suicidas, granadas de mão e espingardas de assalto AK-47

Pelo menos seis pessoas morreram esta terça-feira durante um ataque contra um complexo judicial da cidade paquistanesa de Tangi, na região de Charsadda (noroeste).

A investida, de que resultaram também 20 feridos, foi realizada por três homens munidos com coletes suicidas, granadas de mão e espingardas de assalto AK-47. Segundo a agência Reuters, um deles fez-se explodir à entrada do edifício, enquanto os outros dois foram abatidos pela polícia ainda no exterior, o que impediu um banho de sangue maior.

“Advogados e outras pessoas que estavam dentro do complexo começaram a correr para salvar as vidas. Houve pânico e ninguém sabia para onde ir”, descreveu Mohammad Shah Baz Khan, que testemunhou o ataque no interior do edifício, àquela agência noticiosa. Algumas pessoas tentaram escalar os muros em redor do complexo. “Os terroristas queriam matar o maior número possível de pessoas”, esclareceu Ijaz Khan, chefe da polícia local.

Num email enviado a órgãos de informação, o Jamaat-ur-Ahrar, uma fação dos talibãs paquistaneses (Tehreek-e-Taliban Pakistan), reivindicou o ataque. Na semana passada, este grupo tinha divulgado um vídeo anunciando uma nova campanha de violência contra instituições governamentais, judiciais, a polícia e o exército.

Ataque ao Islão moderado

O ataque em Tangi foi o último de uma vaga de atentados sangrentos que tem fustigado o Paquistão e que, só na semana passada, provocou mais de 100 mortos. O mais mortífero, no dia 16, visou o Lal Shahbaz Qalandar, um famoso templo sufi — o sufismo é a corrente mística e contemplativa do Islão —, em Sehwan Sharif, província de Sindh (sul). O número de mortos subiu esta segunda-feira para 90, após duas vítimas não resistirem aos ferimentos.

Reivindicado pelo autoproclamado “Estado Islâmico” (Daesh) — que, pressionado na Síria e no Iraque, está cada vez mais visível e atuante no Paquistão e no vizinho Afeganistão —, o atentado contra o santuário de Sehwan Sharif revela também que, para além das instituições políticas, as minorias religiosas também são um alvo no Paquistão.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 21 de fevereiro de 2017. Pode ser consultado aqui

Trump para Netanyahu: Israelitas e palestinianos, “ambos têm de fazer concessões. Sabe disso, não sabe?”

A privilegiada relação entre os Estados Unidos e Israel abriu esta quarta-feira um novo capítulo. Donald Trump recebeu Benjamin Netanyahu na Casa Branca e, contrariamente aos seus antecessores, não fez a apologia da solução de dois Estados para o conflito israelo-palestiniano

Há menos de um mês na Casa Branca, Donald Trump recebeu, esta quarta-feira, Benjamin Netanyahu para um encontro aguardado com grande expectativa. Dali, antevia-se, poderia sair uma inversão na posição de décadas dos Estados Unidos de defesa da solução de dois Estados para o conflito israelo-palestiniano.

Numa conferência de imprensa realizada antes do encontro em privado entre o Presidente dos EUA e o primeiro-ministro de Israel, Trump não fez a defesa acérrima dessa fórmula. Mas também não estendeu a passadeira aos israelitas que Netanyahu teria gostado.

Trump reafirmou o “vínculo inquebrável” entre os dois países, acrescentando que Israel “terá de mostrar alguma flexibilidade” em algumas posições, que gostaria de ver “um pouco” de contenção na construção de colonatos e que a obtenção de um acordo depende do diálogo entre israelitas e palestinianos.

“São as partes que têm de negociar diretamente” um acordo de paz. “E ambos os lados têm de fazer concessões. Sabe disso, não sabe?”, afirmou, virando-se para Netanyahu, que, apanhado de surpresa, deixa escapar em seco: “Falaremos disso”.

“Muito cuidado” na mudança da embaixada para Jerusalém

Questionado, em concreto, sobre se defende um ou dois Estados na região, o chefe de Estado norte-americano disse que concordará com o que as partes decidirem. “Ficarei feliz com aquele [tipo de Estado] que eles gostarem mais”, disse Trump.

Já em relação à eventual mudança da embaixada norte-americana de Telavive para Jerusalém — a cidade santa que israelitas e palestinianos reclamam para sua capital —, garantiu que os EUA tratarão desse assunto “com muito cuidado”.

Benjamin Netanyahu defendeu que “os colonatos não são o coração do conflito”. Para o governante israelita, há dois pré-requisitos para a paz que exige aos palestinianos: o reconhecimento de Israel como um Estado judeu e a salvaguarda das necessidades de segurança a oeste do rio Jordão, ou seja, no território palestiniano ocupado da Cisjordânia.

“Temos de procurar novas formas” de alcançar a paz, disse “Bibi” (como é também conhecido), defendendo uma abordagem regional do conflito em conjunto com os países árabes. “Pela primeira vez na vida de Israel e na minha vida [Israel foi criado em 1948 e Netanyahu nasceu no ano seguinte], países árabes na região não veem Israel como um inimigo mas antes como um aliado.”

Trump confirmou que os dois líderes têm falado acerca da possibilidade de “um grande acordo” regional, “envolvendo muitos, muitos países”. “Não sabia que ía menciona-lo”, disse Trump, virando-se para Netanyahu, “mas já que o fez, é uma coisa fantástica”.

Netanyahu foi o segundo líder do Médio Oriente a ser recebido por Donald Trump em Washington — o primeiro foi o rei da Jordânia, Abdallah II, a 2 de fevereiro. Já Trump foi o quarto Presidente norte-americano que “Bibi” visitou enquanto primeiro-ministro de Israel, a seguir a Bill Clinton, George W. Bush e Barack Obama. Netanyahu foi primeiro-ministro entre 1996 e 1999 e está no cargo desde 2009.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 15 de fevereiro de 2017. Pode ser consultado aqui

Cimeira União Europeia-Israel: será desta?

Israel é Estado associado da União Europeia desde 1995, mas as partes não se reúnem, nesse contexto, há cinco anos. Prevista para fevereiro próximo, a cimeira foi adiada, garante a imprensa israelita, após vários países europeus se oporem à sua realização

Prevista para 28 de fevereiro, a cimeira entre a União Europeia e Israel foi adiada, escreve esta terça-feira o diário israelita “Haaretz”. Na origem da decisão europeia está a política de colonização do Governo liderado por Benjamin Netanyahu, à qual a União Europeia se opõe.

Entre as medidas israelitas que, nos últimos tempos, mais desafiaram a posição de Bruxelas estão planos para a construção de cerca de 6000 novas casas no território palestiniano da Cisjordânia e em Jerusalém Oriental — anunciados já após Donald Trump entrar na Casa Branca, nos EUA — e também a aprovação, no Parlamento de Israel (Knesset), na segunda-feira, de uma lei que irá possibilitar a expropriação de terrenos privados palestinianos com vista à legalização de colonatos ilegais.

A reunião entre israelitas e europeus seria uma espécie de degelo entre as partes, que se reuniram pela última vez, a este nível, a 24 de julho de 2012, em Bruxelas, naquele que foi o 11º encontro do género.

Sob anonimato, diplomatas europeus afirmaram ao “Haaretz”, à margem do Conselho dos Negócios Estrangeiros da UE de segunda-feira, em Bruxelas, que vários Estados membros expressaram reservas em relação à realização da cimeira nesta altura, que poderia ser interpretada como uma recompensa à conduta de Israel, que desaprovam.

No mesmo sentido, o negociador palestiniano Saeb Erekat afirmou que esta cimeira, a realizar-se, ajudaria a “enterrar” a solução de dois Estados. “O Governo israelita não deve ser recompensado pelas suas violações sistemáticas do direito internacional humanitário. Em vez disso, deve haver responsabilidade”, disse em entrevista ao “EUObserver”, publicada na segunda-feira.

“A falta de responsabilidade, a impunidade, é o que dá ao Governo israelita confiança suficiente para avançar com o seu plano de enterrar as perspetivas relativas à solução de dois Estados”, acrescentou Erekat.

Europeus unidos na defesa de dois Estados

Segundo o “Haaretz”, os países da UE que mais reservas expressaram em relação à realização do “Conselho de Associação” — o nome formal das cimeiras UE-Israel — foram a França, Irlanda, Holanda, Finlândia e Suécia. Esta última é o único membro da UE da Europa Ocidental a reconhecer o Estado da Palestina.

Na conferência de imprensa que se seguiu ao final do Conselho dos Negócios Estrangeiros, Federica Mogherini, Alta Representante da UE para os Assuntos Externos, anunciou o início dos trabalhos com vista à preparação da cimeira, sem concretizar uma data. “Será uma boa oportunidade, um bom instrumento, para trocarmos pontos de vista e encontrarmos terreno comum com uma das partes. Nós mantemos constantemente o nosso compromisso com os dois lados de uma forma intensa e a vários níveis” — da presidência à sociedade civil — “e isso continuará.”

Israel é um Estado associado da União Europeia, desde 1995. Nos últimos anos, a relação ressentiu-se de algumas decisões tomadas em Bruxelas (como a nova rotulagem de bens importados pela UE que são produzidos nos colonatos) e em várias capitais Europeias (como o reconhecimento do Estado da Palestina por parte de vários Parlamentos nacionais, nomeadamente o português).

O bloco europeu defende a solução de dois Estados para o conflito israelo-palestiniano e opõe-se à política de construção de colonatos levada a cabo por Israel. “Numa época em que observamos, na comunidade internacional, tantas mudanças em políticas já consolidadas, o que não muda é a posição da UE relativamente à solução de dois Estados, aos colonatos e a Jerusalém”, recordou Mogherini, na segunda-feira. “Bem sei que esta não é a mensagem que mais se ouve em todo o mundo, mas continuarão a ouvi-la consistentemente da Europa. É algo que une todos os europeus.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 7 de fevereiro de 2017. Pode ser consultado aqui

Que tal olhar para os factos?

Manchete da edição do jornal “Daily News”, de 27 de fevereiro de 1993

Terá sido verdadeiramente tempestuoso um telefonema esta semana entre Donald Trump e o primeiro-ministro da Austrália, Malcolm Turnbull, cujo tema central foi a denúncia unilateral de um acordo do tempo de Obama nos termos do qual os EUA aceitavam receber imigrantes detidos naquele país. A sua política de acolhimento é restritiva mas havia o compromisso de Washington acolher 1250 refugiados, alojados em ilhas do Pacífico, pagos pela Austrália.

Tal como sucedera com Merkel ou a NATO, os excessos verbais do novo Presidente terão indisposto mais um velho aliado do país, a Austrália. A retórica de Trump confunde “refugiados” com “imigrantes ilegais” ou “imigrantes” com “terroristas” quando, invocando a segurança nacional, proibiu a entrada de nacionais de sete países: Irão e Iraque (que integravam o “eixo do mal” de George W. Bush), Síria, Somália, Sudão, Líbia e Iémen.

“A proibição não é justificável por motivos de segurança nacional”, diz ao Expresso Alex Nowrasteh, investigador do Cato Institute (Washington D.C.) e autor da análise “Terrorismo e Imigração”. “Houve zero ataques terroristas mortíferos em solo americano realizados por cidadãos desses países.”

A Administração Trump recordou que foi Obama quem identificou os “países preocupantes” para efeitos de visto, ainda que as estatísticas dificultem a compreensão dos rótulos. Nowrasteh apurou que 98,6% dos americanos mortos em ataques de estrangeiros, em 1975/2015, morreram no 11 de Setembro. A Arábia Saudita, pátria da maioria dos piratas do ar, não foi proscrita.

Infografia de Sofia Miguel Rosa. Textos de Cristina Peres

1975-2015

3024
norte-americanos foram mortos em território dos Estados Unidos em ataques terroristas realizados por estrangeiros: 98,6% deles no 11 de Setembro

154
estrangeiros mataram cidadãos americanos em ataques terroristas nos EUA: 54 tinham residência permanente no país, 34 eram turistas e 20 refugiados

0
é o número de terroristas nacionais dos sete países banidos pela Administração Trump que tenham vitimado cidadãos norte-americanos em território dos Estados Unidos

OS MAIS MORTÍFEROS ATAQUES ESTRANGEIROS

11 DE SETEMBRO (2001)
Dos 19 piratas nos quatro aviões, 15 eram sauditas, dois emiratis, um egípcio e um libanês. Matam 2983 pessoas

SAN BERNARDINO (2015)
Um casal mata 14 a tiro num centro social. Ele, de origem paquistanesa, nasceu nos EUA, e ela, que tinha residência permanente, no Paquistão

WORLD TRADE CENTER (1993)
A detonação de um camião no estacionamento faz seis mortos. Os sete atacantes são do Kuwait, Egito, Cisjordânia (Palestina), Iraque e Jordânia

CHATTANOOGA (2015)
Um kuwaitiano imigrado nos EUA desde 1996 abre fogo num quartel do Tennessee. Mata cinco militares

MARATONA DE BOSTON (2013)
Duas bombas junto à meta matam três. Foram deixadas por dois irmãos nascidos na URSS e no Quirguistão

EUROPA REAGE

Reino Unido Ainda não tem data, mas a possível visita de Donald Trump ao país este ano está a incendiar os ânimos. No dia 20, o Parlamento debaterá o assunto em exclusivo, na sequência de duas petições a que já aderiram mais de dois milhões de pessoas. Uma pretende impedir que Trump seja recebido com honras de Estado pela rainha. A outra, da iniciativa de uma menina de 13 anos, é favorável à visita de Estado do Presidente dos EUA.

União Europeia Na sombra do decreto anti-imigração de Trump, os países membros da UE reuniram-se ontem, em Malta, para discutir os fluxos migratórios, nomeadamente através da Líbia. Desde o encerramento da chamada rota dos Balcãs que a pressão migratória se intensificou com origem no Norte de África. Estima-se que 90% dos novos imigrantes chegados à Europa venham através da Líbia e Itália).

ONTEM E HOJE

“Dai-me os vossos fatigados, os vossos pobres. As vossas massas amontoadas que anseiam por respirar em liberdade. O refugo infeliz da vossa costa apinhada. Enviai-me esses sem-abrigo, assolados pela tormenta”
Excerto do poema “O Novo Colosso”, de Emma Lazarus (1849-1887), gravado no pedestal da Estátua da Liberdade

“Se terroristas tentarem atacar os EUA, provavelmente não usarão passaportes de países em conflito. Estas medidas devem ser retiradas”
António Guterres, Secretário-geral das Nações Unidas

Artigo publicado no Expresso, a 4 de fevereiro de 2017