
Terá sido verdadeiramente tempestuoso um telefonema esta semana entre Donald Trump e o primeiro-ministro da Austrália, Malcolm Turnbull, cujo tema central foi a denúncia unilateral de um acordo do tempo de Obama nos termos do qual os EUA aceitavam receber imigrantes detidos naquele país. A sua política de acolhimento é restritiva mas havia o compromisso de Washington acolher 1250 refugiados, alojados em ilhas do Pacífico, pagos pela Austrália.
Tal como sucedera com Merkel ou a NATO, os excessos verbais do novo Presidente terão indisposto mais um velho aliado do país, a Austrália. A retórica de Trump confunde “refugiados” com “imigrantes ilegais” ou “imigrantes” com “terroristas” quando, invocando a segurança nacional, proibiu a entrada de nacionais de sete países: Irão e Iraque (que integravam o “eixo do mal” de George W. Bush), Síria, Somália, Sudão, Líbia e Iémen.
“A proibição não é justificável por motivos de segurança nacional”, diz ao Expresso Alex Nowrasteh, investigador do Cato Institute (Washington D.C.) e autor da análise “Terrorismo e Imigração”. “Houve zero ataques terroristas mortíferos em solo americano realizados por cidadãos desses países.”
A Administração Trump recordou que foi Obama quem identificou os “países preocupantes” para efeitos de visto, ainda que as estatísticas dificultem a compreensão dos rótulos. Nowrasteh apurou que 98,6% dos americanos mortos em ataques de estrangeiros, em 1975/2015, morreram no 11 de Setembro. A Arábia Saudita, pátria da maioria dos piratas do ar, não foi proscrita.
Infografia de Sofia Miguel Rosa. Textos de Cristina Peres
1975-2015
3024
norte-americanos foram mortos em território dos Estados Unidos em ataques terroristas realizados por estrangeiros: 98,6% deles no 11 de Setembro
154
estrangeiros mataram cidadãos americanos em ataques terroristas nos EUA: 54 tinham residência permanente no país, 34 eram turistas e 20 refugiados
0
é o número de terroristas nacionais dos sete países banidos pela Administração Trump que tenham vitimado cidadãos norte-americanos em território dos Estados Unidos
OS MAIS MORTÍFEROS ATAQUES ESTRANGEIROS
11 DE SETEMBRO (2001)
Dos 19 piratas nos quatro aviões, 15 eram sauditas, dois emiratis, um egípcio e um libanês. Matam 2983 pessoas
SAN BERNARDINO (2015)
Um casal mata 14 a tiro num centro social. Ele, de origem paquistanesa, nasceu nos EUA, e ela, que tinha residência permanente, no Paquistão
WORLD TRADE CENTER (1993)
A detonação de um camião no estacionamento faz seis mortos. Os sete atacantes são do Kuwait, Egito, Cisjordânia (Palestina), Iraque e Jordânia
CHATTANOOGA (2015)
Um kuwaitiano imigrado nos EUA desde 1996 abre fogo num quartel do Tennessee. Mata cinco militares
MARATONA DE BOSTON (2013)
Duas bombas junto à meta matam três. Foram deixadas por dois irmãos nascidos na URSS e no Quirguistão
EUROPA REAGE
Reino Unido Ainda não tem data, mas a possível visita de Donald Trump ao país este ano está a incendiar os ânimos. No dia 20, o Parlamento debaterá o assunto em exclusivo, na sequência de duas petições a que já aderiram mais de dois milhões de pessoas. Uma pretende impedir que Trump seja recebido com honras de Estado pela rainha. A outra, da iniciativa de uma menina de 13 anos, é favorável à visita de Estado do Presidente dos EUA.
União Europeia Na sombra do decreto anti-imigração de Trump, os países membros da UE reuniram-se ontem, em Malta, para discutir os fluxos migratórios, nomeadamente através da Líbia. Desde o encerramento da chamada rota dos Balcãs que a pressão migratória se intensificou com origem no Norte de África. Estima-se que 90% dos novos imigrantes chegados à Europa venham através da Líbia e Itália).
ONTEM E HOJE
“Dai-me os vossos fatigados, os vossos pobres. As vossas massas amontoadas que anseiam por respirar em liberdade. O refugo infeliz da vossa costa apinhada. Enviai-me esses sem-abrigo, assolados pela tormenta”
Excerto do poema “O Novo Colosso”, de Emma Lazarus (1849-1887), gravado no pedestal da Estátua da Liberdade
“Se terroristas tentarem atacar os EUA, provavelmente não usarão passaportes de países em conflito. Estas medidas devem ser retiradas”
António Guterres, Secretário-geral das Nações Unidas
Artigo publicado no “Expresso”, a 4 de fevereiro de 2017

