A força aérea israelita bombardeou posições do Hamas na Faixa de Gaza na sequência do disparo de um projétil que atingiu Israel. A troca de fogo não provocou vítimas, mas abalou a calma relativa que se vinha vivendo naquele território palestiniano. Ao Expresso, um palestiniano de Gaza diz que a guerra é uma questão de tempo
Projéteis disparados desde a Faixa de Gaza atingem o sul de Israel. Força aérea israelita retalia sobre posições do Hamas naquele território palestiniano. É um guião que se repete de tempos a tempos, a última vez das quais aconteceu às primeiras horas desta terça-feira (hora local, final de segunda-feira em Portugal).
“Foi um ataque súbito. Agora está tudo calmo”, afirmou ao Expresso, a meio da manhã desta terça-feira, o fotógrafo palestiniano Ahmed Salama, residente na cidade de Gaza. “Foi um bombardeamento forte, talvez um alerta em relação à guerra que está para vir… Estamos à espera de uma guerra, só não sabemos é quando.”
Na sequência do disparo de um “rocket” desde Gaza, no final de segunda-feira, que atingiu uma área desabitada do centro de Israel, perto da comunidade de Sha’ar Hanegev, a aviação militar israelita alvejou duas posições do Hamas, o movimento islamita que governa o território desde junho de 2007.
Nem o projétil disparado desde Gaza — ação reivindicada por um grupo salafita denominado Ahfad al-Sahaba — nem a retaliação israelita (na cidade de Gaza e perto de Rafah, no sul) provocaram vítimas.
Moments ago, a projectile fired from the Gaza Strip hit an open area near the Sha'ar Hanegev Regional Council. No injuries reported.
A mais recente troca de fogo entre Gaza e Israel acontece no dia seguinte ao fim do Ramadão e numa altura em que aquele território palestiniano — com uma população a rondar os dois milhões de pessoas — vive com apenas quatro horas de eletricidade por dia, confirmou Ahmed Salama.
Em termos energéticos, a Faixa de Gaza está dependente do exterior e, recentemente, a pedido da Autoridade Palestiniana (AP), Israel reduziu em 40% o fornecimento de eletricidade ao território. “É uma questão política”, diz Salama. “A AP e Israel querem derrubar o Governo do Hamas e recorrem a muitos instrumentos, como a eletricidade e o encerramento da fronteira.”
Outro meio de pressão sobre o Hamas foi o recente corte em 30% nos salários dos funcionários da Autoridade Palestiniana no território e que já originou manifestações nas ruas de Gaza.
Nos últimos 10 anos, a Faixa de Gaza já foi alvo de três operações militares israelitas de grande envergadura: Operação Chumbo Fundido (2008-2009), Operação Pilar de Defesa (2012) e Operação Barreira de Proteção (2014).
Desde que o Hamas tomou o poder pela força, em meados de 2007, que o território é alvo de um bloqueio por terra, mar e ar, imposto pelas autoridades de Israel e do Egito.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 27 de junho de 2017. Pode ser consultado aqui
O alerta foi dado esta quarta-feira pela organização Save the Children que fala num surto “fora de controlo” no Iémen. Para além da pobreza crónica, três anos de guerra destruíram centros de saúde e degradaram os sistemas de saneamento e de fornecimento de água potável. As crianças são as principais vítimas
A guerra não pára de abrir frentes no Iémen. Atualmente, a cada minuto que passa, pelo menos uma criança é infetada com cólera, denunciou esta quarta-feira a organização não governamental Save the Children.
A taxa de infeção triplicou nas últimas duas semanas, afetando especialmente menores de 15 anos — que correspondem a 46% dos cerca de 5470 novos casos diários de cólera e de diarreia líquida aguda. Até 13 de junho (terça-feira), em 20 das 22 províncias iemenitas, já tinham morrido 942 pessoas.
— Save the Children International (@save_children) June 14, 2017
Na origem da escalada deste surto “fora de controlo” estão situações de penúria alimentar — mais de dois milhões de crianças sofrem de subnutrição grave — e a destruição provocada por quase três anos de conflito, sobretudo ao nível das infraestruturas de saúde, do fornecimento de água potável e do saneamento básico.
Nas palavras de Grant Pritchard, diretor da ONG no Iémen, o Iémen está “à beira do colapso total”. Palavras semelhantes foram usadas, no início do mês, pelo representante da UNICEF no Iémen. “A cólera surgiu numa altura em que o sistema está prestes a colapsar, a pobreza está a aumentar e a subnutrição está em alta”, disse Meritxell Relaño. “Imagine-se como fica uma criança que já é muito fraca, e cujo sistema imunitário está nos mínimos, quando tem diarreia. Crianças com seis meses pesam apenas 2,5 kg.”
O Iémen é o mais pobre dos países árabes — 168º lugar no último Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas (188 países) — e tem uma guerra em curso que vai a caminho do seu terceiro ano. Segundo a ONU, 18,8 milhões de iemenitas (cerca de 70% da população total) necessitam de assistência humanitária — incluindo 10,3 milhões de crianças.
O conflito acentuou-se a partir de março de 2015, quando o país começou a ser alvo de bombardeamentos por parte de uma coligação de países da região.
Oficialmente, a ofensiva liderada pela Arábia Saudita, o gigante árabe sunita do Médio Oriente, visa devolver o poder ao Presidente Abd Rabbuh Mansur Hadi, deposto em setembro de 2014 pelos rebeldes huthis — xiitas e próximos do Irão (país persa), o grande rival dos sauditas.
Na semana passada, a Arábia Saudita expulsou o Qatar desta coligação militar, na sequência do corte de relações de quatro países árabes (Bahrain, Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos) em relação ao pequeno emirado.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 14 de junho de 2017. Pode ser consultado aqui
Um embargo decretado por quatro “irmãos árabes” empurra o Qatar para os braços do inimigo Irão
Arábia Saudita acusa o Qatar de apoiar grupos extremistas. A Arábia Saudita acusa o Irão de proteger o Qatar. O Irão é atacado pelo Daesh, o mais cruel dos extremistas. Bem vindos ao Médio Oriente!
Esta semana, em apenas três dias, uma crise diplomática no seio do mundo sunita — que isolou o Qatar — e um duplo atentado na capital do Irão — o gigante xiita — expuseram toda a complexidade geopolítica do Médio Oriente que transcende a rivalidade sectária sunitas-xiitas no seio do Islão. “Não vejo uma relação direta entre os ataques terroristas no Irão e a crise sobre o Qatar. Mas as políticas externas geopoliticamente analfabetas da Administração Trump são um factor importante na desestabilização da política mundial, do Golfo Pérsico à Coreia do Norte”, disse ao “Expresso” Arshin Adib-Moghaddam, professor de Pensamento Global e Filosofias Comparadas na Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres.
“Este Presidente colocou-se no lado errado da história, e a escolha errada de aliados e parceiros vai continuar a inibir e a limitar a posição dos EUA em todo o mundo. Sob esta liderança, o país assemelha-se a uma superpotência decadente.”
Quarta-feira, um duplo atentado em Teerão contra o Parlamento e o mausoléu do “ayatollah” Ruhollah Khomeini, o fundador da República Islâmica, provocou 13 mortos. O Daesh reivindicou e Teerão confirmou que cinco detidos, todos iranianos, estiveram em Mossul e Raqqa, bastiões do Daesh no Iraque e Síria. Fica, porém, por perceber a lógica do violento ataque desferido pelo rei da Arábia Saudita quando da recente visita de Donald Trump ao país: “O regime iraniano tem sido o ponta de lança do terrorismo mundial”, disse. O ataque desta semana mostra que o Irão é alvo da maior das ameaças.
Fora da órbita saudita
Dois dias antes, quatro países árabes sunitas cortaram relações com o igualmente sunita Qatar e decretaram um bloqueio por terra, mar e ar. Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrain e Egito acusam Doha de apoiar “grupos extremistas” e exigem mudanças na sua política externa. Em causa está o apoio do Qatar a grupos como a Irmandade Muçulmana e o Hamas, que, acusam, mina o regime egípcio e a Autoridade Palestiniana.
Em causa está também a proximidade do Qatar ao vizinho da frente, o Irão, justificada pela necessidade do pequeno país não ficar na dependência do gigante saudita. “Irão e Qatar têm tido um relacionamento funcional. Com o campo de exploração de gás South Pars, os dois países partilham um dos maiores campos do mundo. A liderança qatariana tem provado ser suficientemente prudente para abster-se de antagonizar a liderança iraniana”, explica Arshin Adib-Moghaddam. “Por sua vez, o Irão do Presidente Hassan Rouhani é inflexível no desenvolvimento de uma relação próxima com o Qatar que o atraia para fora da órbita da Arábia Saudita.”
Mas se o Qatar é punido pelos “irmãos árabes” pela sua abertura ao Irão (persa), o isolamento a que foi votado coloca-o numa dependência total do… Irão. Para a aviação qatariana, o espaço aéreo iraniano é a única rota de saída possível. Igualmente, em caso de rutura alimentar — Arábia Saudita e Emirados eram os principais fornecedores —, Teerão já fez saber que está disponível para facilitar o trânsito de água e alimentos através dos seus portos.
Quinta-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Qatar admitiu nunca ter sentido tanta hostilidade, e foi categórico: “Não estamos preparados para entregar, nem nunca entregaremos, a independência da nossa política externa”.
Al-Jazeera e futebol
Independente desde 1971, o Qatar apostou numa agenda internacional ambiciosa como fórmula de sobrevivência. Projetos como a Al-Jazeera — “um órgão de informação hostil”, diz Riade —, a realização do Mundial de Futebol de 2022 ou o patrocínio ao mediático Barcelona (pela Qatar Foundation e depois pela Qatar Airways) são armas dessa afirmação.
O reino procura estar de bem “com deus e o diabo”. Alberga a maior base aérea dos EUA na região (Al-Udeid) e desenvolve “amizades perigosas” com inimigos dos norte-americanos. Permite a construção de igrejas no território e partilha com a Arábia Saudita a interpretação wahabita do Islão.
Quarta-feira, a Turquia (que como o Irão não é árabe) aprovou o envio de um contingente para uma base turca em construção no Qatar. O Presidente Recep Erdogan disse que “a movimentação visa contribuir para a paz regional e mundial”.
25 ANOS DE DISPUTAS
2017 — A 5 de junho, Arábia Saudita, Bahrain, Emirados Árabes Unidos (EAU) e Egito cortam relações diplomáticas com o Qatar. Riade aceita abrir a fronteira a qatarianos a caminho de Meca e Medina
2014 — Arábia Saudita, EAU e Bahrain suspendem contactos com o Qatar devido ao apoio de Doha à Irmandade Muçulmana. A relação normaliza oito meses depois: os três embaixadores regressam à capital qatariana
2002 — Riade retira o embaixador de Doha após comentários de dissidentes sauditas na Al-Jazeera. A relação descongela em 2008 com a visita a Doha do príncipe herdeiro saudita
2000 — O então príncipe herdeiro saudita, Abdullah bin Abdul Aziz (rei entre 2005 e 2015), boicota uma cimeira da Organização da Conferência Islâmica, em Doha, em protesto contra as relações comerciais entre Qatar e Israel
1992 — Disputa fronteiriça entre Qatar e Arábia Saudita faz três mortos. Em 1996, os dois países iniciam um processo de delimitação de fronteiras, finalizado três anos depois
Artigo publicado no “Expresso”, a 10 de junho de 2017 e republicado no “Expresso Online” a 11 de junho de 2017. Pode ser consultado aqui
CONQUISTADA À JORDÂNIA — “Para assegurarmos a nossa existência temos de ter o controlo militar e policial de todo o território a oeste do [rio] Jordão. A ideia de que podemos abdicar de território e fazer a paz não é correta.” Estas palavras do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, esta semana, são um murro no estômago dos palestinianos, para quem a retirada israelita da Cisjordânia tem de ser total. Além de 2,9 milhões de árabes palestinianos, ali vivem quase 600 mil colonos judeus. Pelos Acordos de Oslo (1993), o território foi dividido em áreas A (18%), controladas pela Autoridade Palestiniana, B (22%), em que os palestinianos têm o controlo civil e os israelitas o militar, e C (60%), que correspondem aos colonatos e às zonas agrícolas do Vale do Jordão, totalmente controladas por Israel. Após a Intifada de Al-Aqsa (2000/05), Telavive começou a construir o polémico muro que hoje serve de fronteira. Para a comunidade internacional, Cisjordânia e Faixa de Gaza fazem parte do futuro Estado independente da Palestina.
FAIXA DE GAZA
CONQUISTADA AO EGITO — Esteve ocupada até meados de 2005, quando Israel desmantelou os 21 colonatos (onde viviam 8000 judeus) e retirou as tropas unilateralmente. Gaza passou então para os palestinianos, a braços com um conflito entre fações políticas rivais: a Fatah (que controla a Autoridade Palestiniana) e o grupo islamita Hamas. Este nasceu sob ocupação israelita, fez-se anunciar com a primeira Intifada (1987) e chocou o mundo ao vencer as eleições legislativas palestinianas de 25 de janeiro de 2006. A vitória não foi reconhecida a nível internacional e, cerca de meio ano depois, o grupo tomou o poder em Gaza pela força. Desde então, Israel e Hamas já travaram três guerras (2008, 2012 e 2014) e o território — onde vivem dois milhões de palestinianos em 360 km — é alvo de um bloqueio por terra, mar e ar, imposto por Israel e pelo Egito. Através de túneis clandestinos entra em Gaza de tudo um pouco, de gado a armas.
MONTES GOLÃ
CONQUISTADOS À SÍRIA — Foram formalmente anexados por Israel após uma votação no Parlamento (Knesset), a 14 de dezembro de 1981. A decisão não foi reconhecida pela comunidade internacional — foi condenada na ONU (resolução 497) — que reconhece a soberania síria sobre os Golã. “Cinquenta anos depois, é tempo de a comunidade internacional perceber que os Golã permanecerão sob soberania israelita”, disse Netanyahu a 17 de abril de 2016. O território é vigiado pela ONU desde 1974, através da missão UNDOF (Força das Nações Unidas de Observação da Separação) que garante o cessar-fogo e a inviolabilidade de uma “terra de ninguém” entre os dois países. O território não tem escapado à guerra na Síria, com trocas de fogo ocasionais entre Israel e diferentes fações em combate. Telavive está especialmente atento às movimentações do grupo xiita libanês Hezbollah, inimigo declarado de Israel e aliado de Bashar al-Assad.
JERUSALÉM ORIENTAL
CONQUISTADA À JORDÂNIA — Em 1967, Israel conquistou a parte árabe da cidade que quer para sua capital “una e indivisível” — e onde se situam o Muro das Lamentações (o lugar mais sagrado para os judeus), a Mesquita de al-Aqsa (terceiro lugar mais importante para os muçulmanos, a seguir a Meca e Medina) e o Santo Sepulcro (túmulo de Cristo). Desde então, Israel tem promovido políticas discriminatórias, quer no acesso à terra quer do direito de construção, com o intuito de aumentar a população judaica e diminuir a árabe. Em Jerusalém Leste, apenas 13% da área municipal é zona de construção para palestinianos. Mais de um terço destes corre o risco de ver as suas casas demolidas com base em subterfúgios administrativos — em 2016, a quantidade de casas palestinianas demolidas foi a mais alta desde 2000. O isolamento de Jerusalém Leste em relação ao resto da Cisjordânia é outra vertente da anexação de Jerusalém Leste por Israel — através de projetos como o E1, por exemplo, que visa unir a cidade santa ao gigantesco colonato de Maale Adumim e dificultar o acesso dos palestinianos da Cisjordânia à cidade onde vão rezar.
PENÍNSULA DO SINAI
CONQUISTADA AO EGITO — Perdido o Sinai em 1967, o Egito tentou, sem sucesso, reconquistar a península na Guerra de Outubro de 1973 (os israelitas chamam-lhe Guerra do Yom Kippur). O território seria devolvido sem ser pela força das armas. Em 1982, na sequência dos Acordos de Camp David de 1978, um tratado assinado em Washington pelo Presidente egípcio Anwar al Sadat e pelo primeiro-ministro israelita Menachem Begin (e testemunhado pelo Presidente dos EUA Jimmy Carter) instituiu a paz entre os dois países e levou à retirada dos colonos israelitas do Sinai. Nos últimos anos este território que une África e Ásia transformou-se em refúgio de grupos armados (alguns formados por beduínos locais, outros jiadistas, nomeadamente o Daesh). A insegurança aumentou após a Primavera Árabe, que no Egito resultou na deposição de Hosni Mubarak e no enfraquecimento do poder central. Os ataques visam sobretudo as forças de segurança egípcias, mas também a minoria cristã copta.
Artigo publicado no “Expresso”, a 3 de junho de 2017
No mundo do futebol popular português, há equipas que se inspiram nos grandes da Europa para jogar à bola de forma desinteressada. A “Tribuna Expresso” visitou o Juventus de Pedroso, em Vila Nova de Gaia, um clube onde se privilegia a conduta em detrimento da ambição desportiva
Real Madrid 1 – Juventus 3. Se o futebol popular português funcionar como prenúncio, a vitória na final da Liga dos Campeões, este sábado, sorrirá à equipa italiana. Foi esse o resultado, esta época, entre o Grupo Desportivo Juventus de Pedroso e o Real Club Recarei — o primeiro de Vila Nova de Gaia, fundado por admiradores da “Vecchia Signora”, e o segundo de Paredes, por fãs do Real Madrid. As duas equipas competem na Liga de Ovar e defrontaram-se para a taça local – o Juventus eliminou o Real.
Nos meandros do futebol amador, há vários clubes batizados com nomes que aludem aos grandes europeus. Em Recarei, leva-se muito a sério a rivalidade da capital espanhola: para além do Real Club, existe também o Atlético de Recarei. “Não se podem ver…”, comenta Joaquim Costa, presidente do Juventus de Pedroso. “Em V. N. de Gaia, há o Arsenal de Serzedo, mas a equipa está parada.”
Aos 55 anos, Joaquim Costa leva já 36 ao serviço do futebol. Tinha 18 anos quando, com um grupo de amigos, fundou o Juventus de Pedroso. “Uns viviam no lugar de Santa Marinha e outros na Alheira. Éramos da mesma idade e andávamos no coro da igreja. Costumávamos fazer jogos entre o coro de Santa Marinha e o da Alheira. Um dia pensamos em jogar juntos”, como equipa. Foram a Recarei. “Portamo-nos muito bem, todos gostaram. Então pensamos: ‘Por que não criarmos um clube de futebol?’”
Em finais de 1980, em Itália, a Juventus de Dino Zoff, Marco Tardelli e Claudio Gentile — treinada por Giovanni Trapattoni — ia a caminho de mais um título no Calcio e seduzia adeptos em todo o mundo. “Era um clube mediático, o melhor clube italiano”, recorda. Em Pedroso, para os que estavam envolvidos na criação do clube, o nome Juventus era oportuno, ou não fossem todos jovens. “O símbolo da Juventus de Turim é preto e tem um touro, o nosso é verde e tem um trevo. Escolhemos o verde porque éramos jovens, éramos verdes, e o trevo porque procurávamos a sorte.” Do nome ao emblema, “tudo tinha ligação com a juventude.”
O verde e o trevo distinguem o emblema dos de Pedroso do símbolo dos de Turim MARGARIDA MOTA
Se no início jogavam de forma irregular, com o tempo e o gosto passaram a jogar todos os domingos de manhã. “Para pertencer à equipa, cada jogador pagava uma quota e não podia faltar muitas vezes senão era expulso. Até hoje, nunca deixamos de fazer um jogo por falta de gente.”
Os associados da coletividade são os dirigentes, os atletas e uns quantos voluntários. Todos pagam 10 euros por mês, treinador incluído, para fazer face às despesas, nomeadamente a renda da sede — onde Joaquim Costa recebeu o “Expresso” —, uma divisão única com paredes forradas de recordações: troféus, galhardetes e fotografias. A primeira taça conquistada data de 8 de dezembro de 1982.
Angariar mais sócios poderia ser uma solução para responder às dificuldades, mas “não temos nada para dar aos sócios”, nem um espaço de convívio onde possam tomar um café. “Lutamos por um espaçozinho um pouco maior.”
O clube não tem dívidas, mas para pagar as despesas correntes — os gastos anuais ascendem a 3500 euros e, por mês, entram à volta de 160 euros em quotas —, os dirigentes têm de arregaçar as mangas e ser criativos. A Junta de Freguesia apoia com algum, passam rifas de vez em quando, tentam arranjar patrocinadores para comprar equipamentos novos e associam-se a eventos onde possam lucrar alguma coisa. Entre 13 e 19 deste mês, lá estarão com uma tasquinha montada na Festa no Caneco, organizada pela Junta de Pedroso.
A placa foi retirada da fachada da sede para identificar a barraca do clube na Festa do Caneco MARGARIDA MOTA
No rol das despesas, pesa bastante o aluguer do campo, 125 euros por mês. Os jogos “em casa” são disputados em Pousadela, Nogueira da Regedoura, fora da freguesia e mesmo do distrito do Porto. “Em Pedroso, não temos campo disponível ao domingo de manhã. Estão todos ocupados com as camadas jovens.”
Em tempos, chegaram a usar o Estádio Jorge Sampaio, inaugurado em 2003, com campo relvado, bancadas coloridas para cerca de 8500 espectadores e pista de tartan. “Agora o FCPorto tem a preferência. Dão-lhe utilização e asseguram a manutenção da relva, o que não é mau. Eu não defendo aquele estádio, é um elefante branco. Preferia mais campos adaptados à realidade da nossa freguesia que é rica em futebol popular. Nem que fossem pelados.”
Durante a semana, não há treinos. Os adversários pensam que sim, por causa dos resultados que conseguem. “Este clube e o futebol popular em geral existem precisamente para aqueles que não podem treinar à semana. Hoje trabalha-se muito por turnos”, explica Joaquim Costa. “Ao fim de semana estão livres, a malta encontra-se e o treino faz-se nos jogos. Vai-se experimentando jogadores em determinadas posições. Não vale a pena marcar treinos para aparecerem meia dúzia. É preferível não treinar.”
A dedicação e o compromisso tem dado frutos. Atualmente, o Juventus é o campeão da Liga de Ovar — disputada, esta época, por 20 equipas — e lidera a competição. “Nos últimos cinco anos, ganhamos quatro campeonatos e uma taça.”
Joaquim Costa define-se como “uma pessoa do futebol”. Tem formação de treinador, cursos de massagista, primeiros-socorros, de árbitro e de treino específico para guarda-redes. Em várias funções, designadamente a de adjunto, já subiu duas equipas ao Nacional, o Souzense e o Grijó. “Ter criado este clube, deu-me muito sentido de responsabilidade e ensinou-me muito na vida, desde logo a lidar com pessoas. Quando me dizem que eu me dedico muito ao futebol respondo que o futebol, a mim, não me deve nada. Ensinou-me tanta coisa que eu tinha de pagar ainda.”
Para além do Juventus de Pedroso, e da sua atividade profissional — é controlador de qualidade numa fábrica de vidro —, Joaquim está também ligado ao futebol distrital. “Ao domingo de manhã dedico-me ao Juventus, ao sábado dedico-me ao Avintes, onde sou coordenador do futebol juvenil. Já tenho 25 anos de carreira, recebi o cartão vitalício da Federação.” Nunca foi expulso, orgulha-se.
Joaquim Costa, presidente do Juventus de Pedroso MARGARIDA MOTA
Fala com emoção dos jogos internacionais do Juventus, cerca de 40, em Espanha e com equipas espanholas em Portugal. Os mais especiais realizaram-se em Vigo. Todos os anos, a equipa portuguesa defrontava uma seleção de jogadores das várias equipas de futebol popular da cidade. O intercâmbio — ora lá, ora cá — deixou de se fazer em 2005, por questões financeiras. “Era uma coisa saudável. Os espanhóis gostavam muito de vir aqui. Pediam sempre que servíssemos frango assado — “Costa, queremos pito!”, uma coisa banal para nós. Lá, em termos gastronómicos, os primeiros anos foram difíceis, não nos adaptávamos à comida deles. Para nós, uma grande ida a Espanha era levar a lancheira, almoçar na praia do Samil (Vigo) e depois fazer o jogo. Independentemente do resultado do jogo, toda a gente se divertia. Era uma festa.”
O Juventus era sempre o clube português convidado. “Tínhamos uma conduta muito boa, nunca arranjávamos problemas. Quando surgia alguma confusão acabava depressa. E no futebol popular não é preciso muito…”
Em Vigo, Joaquim Costa tornou-se “uma autoridade”. Nas cerimónias de entrega de prémios da Agrupación Deportiva Primavera — um campeonato semelhante à Liga de Ovar —, era apresentado como “o presidente da liga de futebol popular em Portugal”. “Eles queriam apresentar aos alcaides alguém importante. Então, não diziam que eu era de Pedroso, mas antes que era de Portugal. Para os alcaides, se eu fazia aqueles quilómetros todos para ali estar era porque o evento era importante, e ficavam mais predispostos a ajudar. Os espanhóis diziam que ganhavam muito dinheiro com a minha ida lá. Eu nunca me importei com isso.”
Enquanto estiver no ativo, os planos para ir a Turim ver a Juventus ao vivo ficam adiados. “Gostava imenso, mas ando sempre tão envolvido no futebol que dificilmente teria um espaçozinho para sair. A minha filha vai casar agora e eu disse-lhe: ‘Cuidado com a data…’”
De Turim, nunca recebeu qualquer reconhecimento ou mensagem de incentivo. “Mandei para lá fotos, galhardetes, uma apresentação de quem somos, mas não responderam. Se calhar a altura também não foi a melhor… A Juventus teve uma fase menos boa, por causa de casos de corrupção, até chegou a ser despromovida. Mas não desmotivamos. Não vou desistir, vou voltar a mandar.”
Equipa do Juventus de Pedroso que disputou o 1º Torneio Internacional de Veteranos, no passado fim de semana, em Pedroso JUVENTUS DE PEDROSO
Quando, em fevereiro passado, a Juventus esteve no Porto para discutir com o FCPorto a passagem aos quartos de final da Champions, Joaquim ainda rondou o hotel onde a “squadra” estava hospedada. Mas de Buffon, Dybala ou Dani Alves, nem ve-los. “É muito difícil chegar a estas equipas profissionais.”
Este sábado, não sabe se vai ver a final da Champions pela televisão. Estará em Lisboa, num torneio, com o Avintes. Na pior das hipóteses, grava o jogo e vê depois. Sem surpresa, vai torcer pela Juventus, ainda que a presença de Cristiano Ronaldo na equipa adversária o faça hesitar. “Gosto que ele ganhe sempre tudo, é português e tem conseguido superar todas as expectativas. Mas sendo o adversário a Juventus, e uma vez que o Real Madrid tem ganho tanta coisa, torço pela Juventus. O Buffon está em fim de carreira, merece um prémio.”
No apoio à Juventus, os de Pedroso abrem uma exceção quando os italianos defrontam o clube português por quem torcem. “Temos a simpatia, mas não aquele clubismo… Se a Juventus jogar com o nosso clube, torcemos pelo nosso clube. Se a Juventus ganhar, já não é tão dramático.”
Na época passada, o Benfica convidou Joaquim Costa para ser o coordenador-geral da Escola Geração Benfica, em Lever (V. N. de Gaia), perto de Pedroso. Joaquim disse “não” ao clube do seu coração. “Ia ganhar dinheiro, mas tinha de deixar o Avintes. Antes quero fazer parte da história do Avintes do que ser um qualquer que foi à procura de dinheiro. Tenho pena, mas o Avintes ajudou-me muito na vida e agora, que precisa de mim, eu não vou abandona-lo. São coisas que mexem com o nosso coração.”
(Foto principal: Em cima ao centro, o galhardete do Real Club Recarei, exposto na sede do “rival” Juventus de Pedroso MARGARIDA MOTA)
Artigo publicado na “Tribuna Expresso”, a 2 de junho de 2017. Pode ser consultado aqui
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.