Discretos e unidos: eis os fãs portugueses do K-Pop

Com origem na Coreia do Sul, o K-Pop é um género musical que conquistou milhões de fãs em todo o mundo. Portugal não está imune ao fenómeno. Este sábado, realiza-se em Lisboa a eliminatória portuguesa do K-Pop World Festival. A competição é também um momento de convívio entre uma comunidade pequena, mas unida, diz uma participante

Pouco presente nos noticiários portugueses e a mais de 10 mil quilómetros de distância, a Coreia do Sul é, para a generalidade dos portugueses, um somatório de conhecimentos avulsos.

Os mais atentos à política internacional saberão que a península coreana parece viver permanentemente à beira de um conflito, com o Norte governado pela dinastia Kim a testar, com frequência, mísseis cada vez mais ameaçadores. E talvez também que o secretário-geral das Nações Unidas que antecedeu a António Guterres foi um sul-coreano, Ban Ki-moon.

Quem se interessa por indústria e tecnologia associará o país a marcas globais como a Samsung, a KIA ou a LG. E os amantes de desporto recordarão que foi em Seul que Rosa Mota conquistou o ouro olímpico e talvez que, não há muito tempo, passou pelo plantel portista um futebolista sul-coreano chamado Suk, do qual já terão perdido o rasto.

Para um número crescente de jovens portugueses, porém, a Coreia do Sul é bastante mais especial do que tudo isso. É a pátria do K-Pop (lê-se “Kei Pop”, ou seja, Korea Pop), um género musical que combina diferentes sonoridades e estilos musicais, elementos coreográficos, efeitos audiovisuais e eleva ao patamar de ídolos jovens intérpretes que ditam tendências de moda.

Semanalmente, o programa interativo “After School Club”, transmitido na televisão sul-coreana Arirang, é dedicado ao mundo do K-Pop. Na imagem, os convidados são os B.I.G. MARGARIDA MOTA

Este sábado, o Museu do Oriente, em Lisboa, acolhe, pelas 17 horas, a pré-eliminatória portuguesa do K-Pop World Festival 2017. O evento, que se realiza desde 2012, visa selecionar um vencedor na categoria de Canto (há seis candidatos) e outro na de Performance (concorrem sete grupos) que, posteriormente, serão avaliados pela organização da grande final, na cidade coreana de Changwon (sudeste), a 29 de setembro próximo.

Em cinco edições já realizadas, apenas por uma vez Portugal foi escolhido para disputar a final. Em 2014, então com 19 anos, a lisboeta Filipa Cardoso venceu a categoria de Canto e, com isso, ganhou um bilhete para uma experiência inesquecível. “A vitória deu-me oportunidade para pôr os pés num lugar novo, cuja cultura (para além da música pop) muito aprecio e de fazer algo com que sempre sonhei — pisar um palco e cantar num estádio, com 25 mil pessoas a assistir!” (Veja abaixo o vídeo da atuação de Filipa Cardoso em Changwon.)

Filipa conheceu a K-Pop em 2011 quando “passeava” pelo Youtube. “Na coluna das recomendações surgiu um vídeo de umas raparigas com umas calças muito coloridas”, as Girls’ Generation. “Atraída pelas cores e pela curiosidade, abri o vídeo e gostei imenso da música e do conceito — música pop animada, estilo hiper-feminizado, coreografia. Nunca tinha visto um grupo com tantos membros (algo muito comum no K-Pop) e isso também me fascinou.”

Filipa tinha alguns conhecimentos musicais, tinha tido aulas de guitarra e cantava num coro. Sozinha, cantava apenas em casa — até conhecer o K-Pop e decidir-se a aventurar no festival português. “Hoje em dia, continuo a cantar K-Pop, mas não tanto como na fase da descoberta. Oiço K-Pop mas ao contrário do pop extremo, colorido, mega comercial que me aliciou no início, agora ouço artistas mais ‘folk’/‘indie’, que se aproximam mais do que gostaria de fazer caso tivesse oportunidade de ser artista.” Ouve principalmente AkmuLim Kim e Eddy Kim.

As portuguesas E-DEN, vencedoras do K-Pop Festival Portugal em 2016 na categoria Performance EMBAIXADA DA REPÚBLICA DA COREIA EM PORTUGAL

Vencedoras no ano passado na categoria Performance — mas sem direito a ir à final na Coreia —, as E-DEN não desistem desse sonho. “Termos ganho foi das melhores sensações de sempre. Lutamos pelo título desde 2013 e, apesar de altos e baixos, finalmente conseguimos um dos nossos objetivos”, conta Natacha Costa, 23 anos. “Mas ainda falta outro… Portugal não foi apurado para a final na Coreia. Este ano vamos mesmo tentar que seja!”

Natacha é a “Sasha” deste grupo de quatro amigas e a única com formação em dança. Acompanham-na a Susana (23 anos), a Cathia (22) e a Mariah (20). Conheceram-se num evento em Odivelas, em agosto de 2012, “numa espécie de matiné/discoteca de K-pop”, e ali se inspiraram para um grupo de “covers”.

“Foi algo criado com base numa amizade super espontânea” e do interesse despertado pelos animes [animações japonesas] que passavam na televisão. “Os animes ajudaram bastante os curiosos a irem mais longe e a acompanharem também o J-pop [pop japonês] e a chegarem ao K-Pop e à restante cultura da Coreia.”

A língua é uma barreira? Nem por isso

Uma das características do K-Pop é a existência de pequenas frases em inglês no meio das letras em coreano. Os trechos ajudam à internacionalização das músicas, mas em pouco facilitam a vida de quem as quer interpretar do princípio ao fim. Mas arranhem ou não o coreano, nenhum fã português do K-Pop encara a língua como uma barreira intransponível.

“Nunca aprendi coreano e não foi por isso que deixei de desfrutar da música”, diz Filipa Cardoso. “Gostava do K-Pop não pelo significado das palavras em si (que nunca soube, a maior parte das vezes) mas pelo conceito como um todo. É extremamente pop. Nenhum outro país explorou este género desta maneira. São as cores, os cenários, o estilo, a batida, as coreografias… Sempre me preocupei mais em sentir a batida e aprender as coreografias. Quando tinha muito interesse em saber o significado das letras, ia ao Google. Mas era raro. Mais depressa pesquisava simplesmente a versão romanizada do hangeul (alfabeto coreano). Resultado: acabava por ter uma pronúncia ótima sem fazer a mínima ideia do que estava a dizer.”

Foto de conjunto do K-Pop Festival Portugal, no ano passado, no Teatro Maria Matos, em Lisboa EMBAIXADA DA REPÚBLICA DA COREIA EM PORTUGAL

Se Filipa chegou ao K-Pop pelos vídeos na internet e Natacha pelos animes japoneses na televisão, o cantor e ator Rui Andrade — o apresentador do espetáculo pelo segundo ano consecutivo — mergulhou nesse mundo por força da curiosidade artística. “Como músico e como curioso, já conhecia algumas canções, mas não propriamente o mundo K-Pop. Quando fiz a pesquisa para apresentar o evento, fiquei completamente rendido”, diz o artista, que aprecia, em especial, a cantora Ailee e o grupo 2NE1.

“As músicas são muito apelativas e os instrumentais muito sonantes, mas principalmente a imagem dos vídeos é extremamente cuidada, têm muita qualidade. É isso que caracteriza o k-Pop. A nossa música pop ocidental, até mesmo a música americana das Beyoncés e Lady Gagas inspira-se no K-Pop.”

Rui Andrade nunca teve um projeto nesta área, mas já teve um contacto com um produtor coreano. “A primeira coisa que ele me perguntou não foi se eu sabia cantar… foi qual era a minha altura! E explicou-me que seria muito difícil encontrar bailarinos com a minha altura para fazerem parte de vídeoclips…”

Captura de ecrã do vídeoclip “Gangnam Style”, de Psy

Há cinco anos, um artista de K-Pop arrebatou o nº 1 das listas de músicas mais ouvidas em todo o mundo: o rapper Psy, com o tema “Gangnam Style”. (Por curiosidade, Gangnam é um bairro chique de Seul.) O sul-coreano correu mundo e foi convidado por Barack Obama para atuar num evento natalício na Casa Branca. Foi o expoente máximo daquilo que muitos artistas K-Pop são, na realidade, a todo o tempo: embaixadores da Coreia do Sul um pouco por todo o mundo.

Não por acaso, a final do K-Pop World Festival é organizada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros sul-coreano e as eliminatórias nacionais, realizadas em mais de 60 países, pelas missões diplomáticas sul-coreanas.

Jin Sun Lee, assessora cultural na Embaixada da República da Coreia em Portugal, diz que os participantes no festival português têm vindo a aumentar “em quantidade e em qualidade”. E que “o objetivo do evento é divertir os fãs do K-Pop em Portugal”. A repetente Natacha confirma que assim é: “Apesar de serem eventos discretos, o K-pop vai tendo os seus momentos nesta comunidade pequena mas unida!”

(Foto principal: Girls’ Generation é um dos mais populares grupos femininos sul-coreanos de K-Pop KOREA.NET / KOREAN CULTURE AND INFORMATION SERVICE (JEON HAN) / WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no Expresso Online, a 29 de julho de 2017. Pode ser consultado aqui

Jerusalém, o centro do mundo

CIDADE SANTA

Cristãos
“Cidade da Paixão”, ali se situa a Basílica do Santo Sepulcro, que abriga o túmulo de Cristo. Junto à Porta dos Leões, no bairro árabe, começa a Via Dolorosa (ou Via Sacra), o caminho percorrido por Jesus até ao local da crucificação, assinalado dentro da basílica.

Judeus
Foi em Yerushalayim que foram construídos o primeiro e o segundo templos, centros de culto do povo de Israel. O primeiro, erigido no local onde Abraão ofereceu o filho Isaac em sacrifício, foi destruído em 587 a.C. Do segundo, destruído em 70 d.C. pelos romanos, resta um vestígio, o Muro das Lamentações.

Muçulmanos
Al-Quds é a terceira cidade santa do Islão, a seguir a Meca e Medina, na Arábia Saudita. Foi num rochedo situado no interior da Cúpula do Rochedo, a simbólica mesquita de cúpula dourada, que o profeta Maomé iniciou a sua viagem para o céu (Al-Miraj).

TENSÃO E VIOLÊNCIA

— Eleito à justa para a chefia do Governo de Israel, em maio de 1996, o inexperiente Benjamin Netanyahu quis mostrar autoridade. Quatro meses depois, mandou abrir um túnel junto à Esplanada das Mesquitas. Seguiram-se os piores confrontos desde a primeira Intifada.

2 — Rodeado de guardacostas, o líder da oposição israelita, Ariel Sharon, visitou a Esplanada das Mesquitas, a 28 de setembro de 2000. Os palestinianos sentiram-se provocados e revoltaram-se: Intifada de Al-Aqsa. Em fevereiro seguinte, Sharon vencia as legislativas.

3 — Após a morte de dois polícias israelitas, a 14 de julho, Telavive colocou detetores de metais junto à porta que dá acesso à Esplanada das Mesquitas. Os muçulmanos interpretaram a medida como uma tentativa de controlo do local.

OCUPAÇÃO

1967
É o ano da Guerra dos Seis Dias, quando Israel conquistou a Península do Sinai e a Faixa de Gaza ao Egito, os Montes Golã à Síria e a Cisjordânia e Jerusalém Oriental à Jordânia. Foi pela Porta dos Leões, que entrou a famosa 55ª Brigada para conquistar o Monte do Templo.

ESTATUTO

“A cidade de Jerusalém deve ser estabelecida como um corpus separatum sob um regime internacional especial e deve ser administrada pelas Nações Unidas”
Plano de Partilha da Palestina aprovado pela Assembleia-Geral da ONU a 29 de novembro de 1947

“Jerusalém, una e unificada, é a capital de Israel”
Lei aprovada no Parlamento de Israel (Knesset) a 30 de julho de 1980

“O Conselho Nacional Palestiniano afirma total confiança na vitória no caminho para Jerusalém, a capital do nosso Estado palestiniano independente”
Declaração de Independência da Palestina a 15 de novembro de 1988

GLOSSÁRIO

Monte do Templo
Designação usada pelos judeus para o local onde foram construídos o Templo de Salomão (o primeiro) e o Templo de Herodes (o segundo). Hoje, erguem-se ali a Mesquita de Al-Aqsa e a Cúpula do Rochedo — daí ser também chamado Esplanada das Mesquitas. Fica situado na parte oriental (árabe) de Jerusalém — ocupada por Israel na guerra de 1967 e anexada em 1980 após votação no Parlamento (Knesset). A administração religiosa do local pertence a uma autoridade islâmica jordana (Waqf). Para os muçulmanos, o Nobre Santuário é um centro de peregrinação há 14 séculos.

Mesquita de Al-Aqsa
Foi a esta “mesquita distante” que Maomé terá chegado, instruído por Alá, após uma “viagem noturna” relatada no Corão (Al-’Isra).

Cúpula do Rochedo
Construída no século VII, os muçulmanos acreditam que foi de um rochedo no seu interior que Maomé partiu para junto de Alá.

(Foto: Vista aérea sobre o Monte do Templo, na Cidade Velha de Jerusalém WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no Expresso, a 29 de julho de 2017

Talibãs ao ataque

Quase 16 anos após o fim do seu regime em Cabul, os fundamentalistas controlam, influenciam ou ameaçam 40% do país

Mapa do Afeganistão por províncias WIKIMEDIA COMMONS

Vinte e seis soldados mortos numa base militar, em Kandahar (sul). Trinta e um mortos num atentado suicida contra um autocarro com funcionários dos serviços de informação, em Cabul (leste). Trinta e cinco mortos num ataque a um hospital na província de Ghor (centro). Eis o resumo de mais uma semana sangrenta no Afeganistão. Em comum aos três ataques está o facto de terem sido obra dos talibãs.

Quase 16 anos após terem sido afastados do poder pela intervenção militar norte-americana que se seguiu ao 11 de Setembro — e que visou a erradicação do regime que dava abrigo à Al-Qaeda de Osama bin Laden —, os fundamentalistas islâmicos continuam a controlar uma extensa minoria do território afegão. Segundo o relatório de maio do inspetor geral-especial para a Reconstrução do Afeganistão (SIGAR) — John F. Sopko, designado pelo Congresso dos EUA —, dos 407 distritos (divisão geográfica abaixo de província), os “estudantes” controlam 11 e são influentes em 34 (11% do território). Por seu lado, as forças governamentais controlam 97 e influenciam 146 (60%). No entanto, 29% dos distritos continuam em disputa, o que permite a conclusão: hoje, 40% do país é controlado, influenciado ou ameaçado pelos talibãs.

Esta semana, três distritos em três províncias (Paktia, Faryab e Ghor) caíram para os talibãs, o que revela a capacidade operacional do grupo em áreas afastadas.

De inimigos a aliados

Nos últimos meses, Cabul e Washington vinham insinuando que a Rússia poderia estar a armar os talibãs. A confirmar-se, seria uma ironia da História já que os talibãs emanam dos mujahidin, guerrilheiros apoiados pelos EUA contra a ocupação soviética do Afeganistão (1979-1989). Moscovo estaria, pois, a apoiar um antigo inimigo.

Na terça-feira, a CNN divulgou imagens exclusivas de dois grupos talibãs em posse de armamento “que parece ter sido fornecido pelo Governo russo”. Um responsável de um dos grupos, dissidente dos talibãs, que opera em Herat (oeste), diz que acederam às armas após atacarem com sucesso um grupo talibã, e explica que o armamento foi fornecido pela Rússia, através do Irão. Um combatente de outro grupo talibã, ativo na área de Cabul, elogia o armamento em sua posse e explica que foi dado “pelos russos”, através da fronteira com o Tajiquistão, na zona de Kunduz (norte).

A Rússia nega estar envolvida no conflito, mas admite “contactos com os talibãs” visando conversações de paz. Mas não é segredo que a emergência, no Afeganistão, do Daesh-Khorasan (rival dos talibãs) criou receios em Moscovo de que a violência possa transbordar para a Ásia Central.

Artigo publicado no Expresso, a 29 de julho de 2017

Talibãs afegãos têm armas russas

Imagens exclusivas obtidas pela CNN mostram combatentes talibãs em posse de armamento que, dizem, ter sido fornecido pela Rússia. Nos últimos meses, Washington e Cabul têm alertado para a possibilidade de Moscovo estar a armar o seu antigo inimigo… visando o combate a um adversário comum: o Daesh

Um dia após um ataque suicida talibã ter provocado 36 mortos em Cabul, a CNN divulgou, esta terça-feira, imagens que indiciam um apoio da Rússia aos fundamentalistas afegãos. “Os talibãs receberam armamento melhorado no Afeganistão que parece ter sido fornecido pelo Governo russo”, lê-se na edição online da televisão norte-americana.

Nas imagens obtidas em exclusivo pela CNN veem-se combatentes de dois grupos munidos de “espingardas de atiradores furtivos, variantes de Kalashnikov e metralhadoras pesadas”. Especialistas em armamento que já visionaram as imagens salientaram a ausência de qualquer marca alusiva ao fabricante, o que impede a determinação da sua origem.

Mas as palavras dos combatentes incriminam Moscovo. Um responsável por um grupo que opera perto de Herat (oeste), dissidente dos talibãs, explica que se apoderaram das armas após um ataque bem sucedido contra um grupo talibã. E explica que o armamento foi fornecido pela Rússia, através do Irão, e que visa fortalecer os “estudantes de teologia” na luta contra a filial local do Daesh no Afeganistão (conhecido por Daesh-K).

Num outro testemunho, um combatente talibã mascarado, pertencente a outro grupo, que atua nos arredores de Cabul, elogia o armamento em sua posse e explica que o obteve à borla através da fronteira com o Tadjiquistão, na zona de Kunduz (norte), fornecido “pelos russos”.

Russos de regresso ao Afeganistão. Porquê?

Nos últimos meses, quer os Estados Unidos quer as autoridades afegãs têm insinuado que Moscovo está a armar o seu antigo inimigo — durante a ocupação soviética do Afeganistão (1979-1989), os grupos de guerrilha islamita a partir dos quais viriam a nascer os talibãs foram uma arma dos EUA contra a URSS.

A Rússia tem negado qualquer envolvimento no conflito afegão, admitindo apenas “contactos com os talibãs” com o intuito de promover conversaçõs de paz.

Em março passado, diante do Congresso, o general Joseph Votel, chefe do Comando Central dos EUA, defendeu que a Rússia estava empenhada em recuperar influência no Afeganistão. “Penso que é justo assumirmos que possam estar a fornecer algum tipo de apoio” aos talibãs.

Por essa altura, em declarações ao Expresso, Mirco Günther, diretor da delegação da Fundação Friedrich Ebert em Cabul, explicava que interesse poderia ter a Rússia num “regresso ao Afeganistão”, onde se deu tão mal. “O principal interesse da Rússia é a estabilidade da Ásia Central. A grande preocupação é evitar que a violência transborde, incluindo o terrorismo e o crime organizado, em particular do Afeganistão para o vizinho Tadjiquistão”, onde a Rússia tem a 201ª base, a maior fora de portas. “Nos últimos anos, centenas de combatentes estrangeiros oriundos do Cáucaso e da Ásia Central aderiram ao Daesh.”

Quase 17 anos após o 11 de Setembro, e outros tantos de guerra que visou a erradicação dos talibãs, o Afeganistão — o país onde os EUA reagiram militarmente aos atentados de Washington e Nova Iorque — continua vulnerável ao poder dos “estudantes”. Mas não só. Se em 2001 o grupo mais ativo no país era a Al-Qaeda de Osama bin Laden — a quem o regime talibã deu guarida —, hoje também o braço afegão do Daesh e os talibãs paquistaneses têm força militar e ocupação de território significativos.

Artigo publicado no Expresso Online, a 25 de julho de 2017. Pode ser consultado aqui

Casa Branca diz que Irão está a cumprir acordo nuclear. Mas…

De três em três meses, o Departamento de Estado norte-americano tem de certificar o trabalho realizado pelo Irão em matéria de cumprimento do acordo internacional sobre o seu programa nuclear, “o pior acordo de sempre”, como o qualificou Donald Trump. Pela segunda vez este ano, o balanço é… positivo, ainda que com reticências

É uma espécie de boa avaliação contrariada. Pela segunda vez desde que está em funções, a Administração Trump admite que o Irão está a cumprir com os termos do acordo internacional de 14 de julho de 2015 sobre o seu programa nuclear.

A cada 90 dias, o Departamento de Estado norte-americano tem de comunicar ao Congresso a sua apreciação sobre o trabalho desenvolvido por Teerão. A segunda avaliação do ano tinha de ser feita até à meia noite de segunda-feira. “Com base nas informações disponibilizadas aos Estados Unidos, as condições foram cumpridas”, afirmou, a coberto do anonimato, um responsável da Casa Branca, citado pela agência noticiosa AFP.

Assim sendo, continuarão em vigor não só o acordo como o alívio às sanções internacionais impostas a Teerão dele decorrente.

Obama foi “generoso”

Durante a campanha presidencial, Donald Trump tinha qualificado o documento assinado em Genebra como “o pior acordo de sempre”, deixando no ar a possibilidade de o rasgar se fosse eleito.

Já após tomar posse, Trump não se conteve na “guerra” ao documento. “O Irão está a brincar com o fogo — eles não apreciam o quão ‘generoso’ o Presidente Obama foi com eles. Mas comigo não!”, escreveu no Twitter a 3 de fevereiro.

Os factos têm impedido Donald Trump de avançar com medidas radicais, ainda que o Presidente não abdique de esboçar ameaças. Segundo a AFP, a Casa Branca equaciona adotar novas sanções contra a República Islâmica em virtude do desenvolvimento do programa iraniano de mísseis balísticos, que não está abrangido pelo documento mas que Washington considera ser uma violação do “espírito” do acordo, que tem contribuído para agravar a tensão no Médio Oriente.

A partir de Nova Iorque, onde, na segunda-feira, se encontrou com o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, o ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, Mohammad Javad Zarif, falou de “sinais contraditórios” por parte da Administração norte-americana. “Não sabemos qual deles interpretar e de que forma.”

O governante iraniano disse que “não há comunicações” entre ele e o homólogo norte-americano, Rex Tillerson. “Isso não quer dizer que não possa haver. As possibilidades de compromisso… sempre estiveram abertas.”

Em declarações à Al-Jazeera, o presidente do Conselho Nacional Irano-Americano, Trita Parsi, defendeu: “Trump não entende inteiramente as consequências do desmantelamento [do acordo]”, disse. “Penso que os seus assessores entendem e foram encarregados de encontrar uma maneira de destruí-lo sem provocar uma crise, sem isolar os Estados Unidos. Seis meses depois da [entrada em funções da] Administração Trump, eles ainda não conseguiram encontrar uma maneira.”

Assinado a 14 de julho de 2015 pelo Irão e pelo grupo P5+1 (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU — EUA, Rússia, China, França e Reino Unido — e a Alemanha), o acordo colocou o programa nuclear iraniano, que se suspeitava visar fins militares, sob supervisão internacional. Em compensação, o Irão viu algumas sanções económicas serem levantadas.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 18 de julho de 2017. Pode ser consultado aqui