De Pyongyang, com amor: o novo míssil polémico

Os alarmes voltaram a soar após a Coreia do Norte ter disparado esta terça-feira o seu primeiro míssil balístico intercontinental. Ao “Expresso”, um professor português da Universidade de Hosei (Japão) defende que Pyongyang “nunca atacará a Coreia do Sul, o Japão ou qualquer outro país”. Tal seria o fim do regime norte-coreano

Ainda o sol não tinha nascido nos Estados Unidos e já a Coreia do Norte desembrulhava o presente que tinha preparado para assinalar o 241º aniversário da independência norte-americana. Às 9h10 deste 4 de julho (hora de Pyongyang, mais sete horas e meia do que em Portugal Continental), os norte-coreanos lançaram um novo míssil balístico, a partir do aeroporto de Panghyon (norte). O Hwasong-14 voou durante 39 minutos e mergulhou no Mar do Japão. Foi testado com recurso a uma trajetória íngreme — atingiu os 2802 km de altitude —, uma manobra usada para reduzir a distância percorrida e assim evitar o sobrevoo de territórios vizinhos.

“Com este lançamento, a Coreia do Norte mostra-se determinada em demonstrar que pretende atingir um nível de poder militar que sirva como elemento de dissuasão a possíveis interferências exteriores na sua política interna”, diz ao “Expresso” Rui Saraiva, professor de Políticas Públicas e Ciência Política na Universidade de Hosei, em Tóquio (Japão). “O interesse da Coreia do Norte passa apenas pela manutenção do atual regime político, apesar de caduco aos olhos de toda a comunidade internacional.”

Os Kim governam a Coreia do Sul desde 1948 ao estilo de uma república dinástica. O poder tem passado de pai para filho e cada mandato só termina com a morte do titular: primeiro Kim Il-sung (até 1994), seguiu-se Kim Jong-il (até 2011) e agora Kim Jong-un. No país, do qual pouco se sabe, morre-se à fome, mas o poderio militar que Pyongyang faz gala em mostrar com testes regulares é cada vez mais sofisticado.

“Já se sabia que a maior parte do PIB norte-coreano era investido no seu arsenal militar”, diz Rui Saraiva. “Os líderes políticos do Pacífico têm com certeza informações detalhadas e confidenciais sobre as suas capacidades militares, portanto este lançamento não é necessariamente uma surpresa para as elites políticas.”

Pyongyang alega que o Hwasong-14 é um míssil balístico intercontinental com capacidade para atingir o território dos Estados Unidos. “Até ao momento, essa declaração é confirmada pelos dados de voo disponibilizados”, confirma o “site” de análise geopolítica Stratfor.

A última provocação norte-coreana acontece quatro dias após a cimeira presidencial entre Estados Unidos e Coreia do Sul, em Washington. Segundo “The Korea Times”, Donald Trump e Moon Jae-in voltarão a encontrar-se, no fim desta semana, num “jantar a três” no decurso da cimeira do G20, em Hamburgo (Alemanha): o outro comensal será o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe.

“Pensa-se que o lançamento deste míssil foi a resposta à cimeira bilateral e um aviso à cimeira do G20, onde a questão norte-coreana poderá estar em cima da mesa.” Todos os seus principais protagonistas são membros do grupo formado pelas 20 economias mais poderosas do mundo: EUA, Coreia do Sul, Japão e China.

“Na minha opinião, a Coreia do Norte nunca vai atacar a Coreia do Sul ou o Japão ou qualquer outro país”, vaticina Rui Saraiva. “O seu objetivo é a sobrevivência do regime, um ataque real implicaria a queda do regime.”

Bem ao seu estilo, Donald Trump recorreu ao Twitter para reagir à última provocação norte-coreana. “A Coreia do Norte acaba de lançar outro míssil. Será que este tipo não tem nada melhor para fazer na vida? É difícil acreditar que a Coreia do Sul e o Japão aguentem isto por muito mais tempo. Talvez a China aumente a pressão sobre a Coreia do Norte e acabe com este disparate de uma vez por todas!”

Sem rodeios nem subtilezas diplomáticas, o Presidente norte-americano parece endossar à China a tarefa da contenção da Coreia do Norte, um dos países mais fechados do mundo que tem na China a única porta de comunicação com o exterior. Para Rui Saraiva, essa contenção só poderá realizar-se “através da concertação entre as principais potências da região”.

Durante a sua recente visita aos EUA, o Presidente sul-coreano discursou no Centro de Estudos Estratégicos Internacionais, onde enunciou os “quatro nãos” que Washington e Seul partilham na abordagem à questão norte-coreana. “O Presidente Trump e eu prosseguiremos políticas não hostis à Coreia do Norte. Não temos intenção de atacar a Coreia do Norte. Não desejamos a substituição ou o colapso do regime norte-coreano. Não temos planos para acelerar de forma artificial a unificação da Península Coreana.”

Isto foi antes do disparo desta terça-feira. Após a cimeira do G20, marcada para esta sexta-feira e sábado, será possível perceber se algo muda na estratégia internacional para a Coreia do Norte.

Artigo publicado no Expresso Diário, a 4 de julho de 2017. Pode ser consultado aqui

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