Talibãs afegãos têm armas russas

Imagens exclusivas obtidas pela CNN mostram combatentes talibãs em posse de armamento que, dizem, ter sido fornecido pela Rússia. Nos últimos meses, Washington e Cabul têm alertado para a possibilidade de Moscovo estar a armar o seu antigo inimigo… visando o combate a um adversário comum: o Daesh

Um dia após um ataque suicida talibã ter provocado 36 mortos em Cabul, a CNN divulgou, esta terça-feira, imagens que indiciam um apoio da Rússia aos fundamentalistas afegãos. “Os talibãs receberam armamento melhorado no Afeganistão que parece ter sido fornecido pelo Governo russo”, lê-se na edição online da televisão norte-americana.

Nas imagens obtidas em exclusivo pela CNN veem-se combatentes de dois grupos munidos de “espingardas de atiradores furtivos, variantes de Kalashnikov e metralhadoras pesadas”. Especialistas em armamento que já visionaram as imagens salientaram a ausência de qualquer marca alusiva ao fabricante, o que impede a determinação da sua origem.

Mas as palavras dos combatentes incriminam Moscovo. Um responsável por um grupo que opera perto de Herat (oeste), dissidente dos talibãs, explica que se apoderaram das armas após um ataque bem sucedido contra um grupo talibã. E explica que o armamento foi fornecido pela Rússia, através do Irão, e que visa fortalecer os “estudantes de teologia” na luta contra a filial local do Daesh no Afeganistão (conhecido por Daesh-K).

Num outro testemunho, um combatente talibã mascarado, pertencente a outro grupo, que atua nos arredores de Cabul, elogia o armamento em sua posse e explica que o obteve à borla através da fronteira com o Tadjiquistão, na zona de Kunduz (norte), fornecido “pelos russos”.

Russos de regresso ao Afeganistão. Porquê?

Nos últimos meses, quer os Estados Unidos quer as autoridades afegãs têm insinuado que Moscovo está a armar o seu antigo inimigo — durante a ocupação soviética do Afeganistão (1979-1989), os grupos de guerrilha islamita a partir dos quais viriam a nascer os talibãs foram uma arma dos EUA contra a URSS.

A Rússia tem negado qualquer envolvimento no conflito afegão, admitindo apenas “contactos com os talibãs” com o intuito de promover conversaçõs de paz.

Em março passado, diante do Congresso, o general Joseph Votel, chefe do Comando Central dos EUA, defendeu que a Rússia estava empenhada em recuperar influência no Afeganistão. “Penso que é justo assumirmos que possam estar a fornecer algum tipo de apoio” aos talibãs.

Por essa altura, em declarações ao Expresso, Mirco Günther, diretor da delegação da Fundação Friedrich Ebert em Cabul, explicava que interesse poderia ter a Rússia num “regresso ao Afeganistão”, onde se deu tão mal. “O principal interesse da Rússia é a estabilidade da Ásia Central. A grande preocupação é evitar que a violência transborde, incluindo o terrorismo e o crime organizado, em particular do Afeganistão para o vizinho Tadjiquistão”, onde a Rússia tem a 201ª base, a maior fora de portas. “Nos últimos anos, centenas de combatentes estrangeiros oriundos do Cáucaso e da Ásia Central aderiram ao Daesh.”

Quase 17 anos após o 11 de Setembro, e outros tantos de guerra que visou a erradicação dos talibãs, o Afeganistão — o país onde os EUA reagiram militarmente aos atentados de Washington e Nova Iorque — continua vulnerável ao poder dos “estudantes”. Mas não só. Se em 2001 o grupo mais ativo no país era a Al-Qaeda de Osama bin Laden — a quem o regime talibã deu guarida —, hoje também o braço afegão do Daesh e os talibãs paquistaneses têm força militar e ocupação de território significativos.

Artigo publicado no Expresso Online, a 25 de julho de 2017. Pode ser consultado aqui

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