Quase 16 anos após o fim do seu regime em Cabul, os fundamentalistas controlam, influenciam ou ameaçam 40% do país

Vinte e seis soldados mortos numa base militar, em Kandahar (sul). Trinta e um mortos num atentado suicida contra um autocarro com funcionários dos serviços de informação, em Cabul (leste). Trinta e cinco mortos num ataque a um hospital na província de Ghor (centro). Eis o resumo de mais uma semana sangrenta no Afeganistão. Em comum aos três ataques está o facto de terem sido obra dos talibãs.
Quase 16 anos após terem sido afastados do poder pela intervenção militar norte-americana que se seguiu ao 11 de Setembro — e que visou a erradicação do regime que dava abrigo à Al-Qaeda de Osama bin Laden —, os fundamentalistas islâmicos continuam a controlar uma extensa minoria do território afegão. Segundo o relatório de maio do inspetor geral-especial para a Reconstrução do Afeganistão (SIGAR) — John F. Sopko, designado pelo Congresso dos EUA —, dos 407 distritos (divisão geográfica abaixo de província), os “estudantes” controlam 11 e são influentes em 34 (11% do território). Por seu lado, as forças governamentais controlam 97 e influenciam 146 (60%). No entanto, 29% dos distritos continuam em disputa, o que permite a conclusão: hoje, 40% do país é controlado, influenciado ou ameaçado pelos talibãs.
Esta semana, três distritos em três províncias (Paktia, Faryab e Ghor) caíram para os talibãs, o que revela a capacidade operacional do grupo em áreas afastadas.
De inimigos a aliados
Nos últimos meses, Cabul e Washington vinham insinuando que a Rússia poderia estar a armar os talibãs. A confirmar-se, seria uma ironia da História já que os talibãs emanam dos mujahidin, guerrilheiros apoiados pelos EUA contra a ocupação soviética do Afeganistão (1979-1989). Moscovo estaria, pois, a apoiar um antigo inimigo.
Na terça-feira, a CNN divulgou imagens exclusivas de dois grupos talibãs em posse de armamento “que parece ter sido fornecido pelo Governo russo”. Um responsável de um dos grupos, dissidente dos talibãs, que opera em Herat (oeste), diz que acederam às armas após atacarem com sucesso um grupo talibã, e explica que o armamento foi fornecido pela Rússia, através do Irão. Um combatente de outro grupo talibã, ativo na área de Cabul, elogia o armamento em sua posse e explica que foi dado “pelos russos”, através da fronteira com o Tajiquistão, na zona de Kunduz (norte).
A Rússia nega estar envolvida no conflito, mas admite “contactos com os talibãs” visando conversações de paz. Mas não é segredo que a emergência, no Afeganistão, do Daesh-Khorasan (rival dos talibãs) criou receios em Moscovo de que a violência possa transbordar para a Ásia Central.
Artigo publicado no “Expresso”, a 29 de julho de 2017
