Termina esta quarta-feira o prazo dado pelo regime de Nicolás Maduro para a entrada em funções da Assembleia Constituinte eleita no domingo — de forma fraudulenta, acusa a oposição. Desafiantes, na Assembleia Nacional, os deputados prosseguem com os trabalhos, “protegidos” por visitas diárias de embaixadores estrangeiros
O tempo corre nervoso na Venezuela. O prazo de 72 horas para instalação da nova Assembleia Constituinte, anunciado após o fecho das urnas, no domingo, por Diosdado Cabello, o nº 2 do regime de Nicolás Maduro, termina esta quarta-feira.
“As mesas fecharam às seis da tarde. O resultado foi anunciado às onze da noite. Supostamente, o prazo termina hoje”, explica ao Expresso o luso-venezuelano Elio Pestana, de 43 anos. “Diosdado Cabello disse: ‘Não temos pressa’. Mas como eles fazem tudo à revelia e a altas horas da noite, pode ser em qualquer altura.”
O que se passará em Caracas, no Palácio Federal Legislativo, onde funciona a Assembleia Nacional, eleita democraticamente em 2015 — e onde a oposição é maioritária —, é uma incógnita. “Ontem, grupos armados chegaram ao portão, começaram aos gritos e foram-se embora. Não houve tiros, nem foguetes. Mostraram os dentes e foram-se embora. A situação limite vai ser quando terminar o prazo das 72 horas”, diz este luso-venezuelano, nascido na Venezuela e residente no Porto há 16 anos.
“Ontem, os deputados democraticamente eleitos tiveram a sorte de serem acompanhados por alguns embaixadores”, do Reino Unido, França, Espanha e México. “Infelizmente Portugal não esteve lá”, lamenta Elio Pestana. “Os deputados conseguiram realizar uma sessão normal da Assembleia porque essas personalidades estavam lá.”
“As democracias do mundo acompanham o povo venezuelano e demonstram-no a partir de cá, da Assembleia Nacional. Mais de 40 países desconhecem a Constituinte fraudulenta de Maduro. Não estamos sós nesta luta”, afirmou Julio Borges, Presidente do Parlamento venezuelano.
Já esta quarta-feira, os trabalhos legislativos da parte da manhã foram acompanhados, pelo menos, pelo embaixador da Argentina. E em Lisboa, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos silva, afirmou que Portugal não reconhece a nova Assembleia Constituinte, que qualificou “um passo negativo do processo”.
A presença de diplomatas estrangeiros no Parlamento torna uma eventual tomada pela força do local mais difícil de acontecer — Caracas não vai querer arriscar um conflito diplomático. “Eu conheço o local, era um antigo convento”, diz Elio Pestana. “Há dois espaços: o salão Elíptico, mais cerimonial para datas especiais, e a câmara onde decorrem as sessões parlamentares. Se eles quiserem impor a Constituinte e evitar a violência, podem usar esse outro espaço. Se quiserem funcionar no mesmo espaço da Assembleia democrática, vai haver muita confusão… O meu medo são os militares que fazem a guarda ao sítio. Que posição vão ter?”
Esta quarta-feira, a empresa venezuelana Smartmatic, que desde 2004 tem monitorizado os atos eleitorais no país, fez saber que apurou, “sem qualquer dúvida, que a participação na recente eleição para uma Assembleia Nacional Constituinte foi manipulada”, afirmou a partir de Londres o CEO da empresa, Antonio Mugica, acrescentando: “Estimamos que a diferença entre a real participação e aquela anunciada pelas autoridades [mais de oito milhões de votos, 41,53% do eleitorado] é de pelo menos um milhão de votos”.
Esta notícia irrompeu pelos corredores e tomou os trabalhos da sessão da Assembleia Nacional que se iniciou eram cerca de 15 horas em Portugal Continental. Então, o deputado Stalin González pediu a palavra e propôs como ponto único da ordem do dia “a discussão sobre as declarações da Smartmatic”. Foi aprovado — sem notícias de agitação no exterior do Parlamento.
Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 2 de agosto de 2017. Pode ser consultado aqui