Uma semana após escreverem uma “carta aberta” a Donald Trump pedindo-lhe que retirasse as tropas do Afeganistão, os talibãs ouviram o Presidente dos EUA decidir exatamente o oposto — um reforço do contingente. “Enquanto houver um soldado norte-americano no nosso país, continuaremos a nossa jihad”, reagiu um porta-voz talibã
Donald Trump foi contido em pormenores no seu discurso sobre a nova estratégia dos Estados Unidos para o Afeganistão. Mas para os talibãs bastaram as linhas gerais. “Se a América não retirar as suas tropas do Afeganistão, em breve o Afeganistão tornar-se-á mais um cemitério para esta superpotência do século XXI”, ameaçou esta terça-feira Zabiullah Mujahid, porta-voz dos talibãs.
Os Estados Unidos estão militarmente envolvidos no Afeganistão desde outubro de 2001. Esta é, para os norte-americanos, a guerra mais duradoura de sempre. Presentemente, estão ali destacados cerca de 8400 militares norte-americanos. Sem adiantar números, Donald Trump anunciou que esse contingente irá ser reforçado — a imprensa fala em 3900 novos efetivos. “Um desperdício de vidas”, disse Zabiullah Mujahid. “Enquanto houver um soldado norte-americano no nosso país, continuaremos com a nossa jihad.”
Na semana passada, os talibãs tinham endereçado uma “carta aberta” ao Presidente dos Estados Unidos, denunciando que, ao fim de 16 anos de guerra — onde os EUA chegaram a ter destacados 100 mil militares —, “o Afeganistão tornou-se mais instável, mais corrupto e economicamente mais pobre”.
“A razão por detrás de tudo isto prende-se com a invasão estrangeira que está a ser usada para subjugar a vontade da nossa orgulhosa nação afegã. A nossa integridade nacional está a ser despojada e as chaves do poder estão a ser entregues a indivíduos cujos rostos estão entre aqueles que causam mais repulsa, os mais miseráveis e odiados na sociedade afegã dada a sua subserviência aos estrangeiros.”
Por tudo isto, na carta, os talibãs aconselhavam Trump a “adotar a estratégia de uma retirada completa do Afeganistão em vez de um aumento de tropas”.
Antes de ser eleito Presidente, Donald Trump sempre defendeu a retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão. Chegado à Casa Branca, mudou de ideias, justificando que tal criaria um vácuo que seria imediatamente ocupado por grupos como a Al-Qaeda e o autodenominado Estado Islâmico (Daesh).
Quase 16 anos após o 11 de Setembro, a guerra desencadeada pelos EUA no Afeganistão — em legítima defesa contra o regime talibã que dava guarida à Al-Qaeda de Osama bin Laden — está, pois, longe do fim. A 13 de junho passado, o secretário norte-americano da Defesa, James N. Mattis, afirmava no Senado: Os EUA “não estão a ganhar no Afeganistão”. E acrescentava: “Vamos corrigir esta situação assim que possível”.
Segundo o último relatório trimestral do Inspetor Geral Especial para a Reconstrução do Afeganistão (SIGAR), divulgado em inícios de agosto, dos 407 distritos afegãos, o Governo de Cabul controla apenas 59.7%. O restante território é controlado ou disputado por forças rebeldes, sobretudo pelos talibãs.
À AFP, um comandante talibã não identificado acusou Donald Trump de perpetuar o “comportamento arrogante” de alguns antecessores, como George W. Bush. “Ele está apenas a desperdiçar soldados americanos. Nós sabemos como defender o nosso país. Nada vai mudar. Temos travado esta guerra ao longo de gerações, não temos medo, estamos frescos e vamos continuar com esta guerra até ao nosso último suspiro.”
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 22 de agosto de 2017. Pode ser consultado aqui