Nas previsões que o Expresso fez, no início de 2017, em matéria de política internacional, não previmos a imprevisibilidade de Donald Trump — uma personalidade que marcou o ano, mas não o esgotou
Ao tentarmos antecipar 2017, insistimos em questões que praticamente desapareceram dos noticiários — como Ucrânia e Cuba — e ignoramos problemas e personalidades que acabaram por marcar a agenda — como a Coreia do Norte e Emmanuel Macron. De resto, fizemos leituras certeiras sobre a Europa, o Médio Oriente e a América Latina. E preocupamo-nos com um possível genocídio, ainda que tenhamos errado a coordenada geográfica.
TRUMP VAI CUMPRIR O PRIMEIRO ANO DE MANDATO?
A dúvida prendia-se mais com a aparente impreparação do magnata para liderar o país mais influente do mundo do que por suspeitas de que algo extraordinário pudesse afastar Donald Trump da Casa Branca, como “uma tragédia, atentado ou outro acontecimento dramático”, escrevemos. Mas indícios de que a eleição de Trump pode ter beneficiado, decisivamente, de um conluio entre membros da sua campanha e personalidades próximas do Kremlin cobriram o seu primeiro ano de mandato com um manto de suspeição. Com uma investigação à possível interferência da Rússia nas presidenciais de 2016 a decorrer em Washington, a pergunta transita para 2018, com uma ligeira adaptação: vai Trump cumprir o segundo ano de mandato?
MERKEL SERÁ REELEITA?
Defendemos que sim, e assim foi. A 24 de setembro, a chanceler alemã foi reeleita para um quarto mandato. Mas tal como previmos também, a incógnita seria com quem formaria coligação. Já lá vão mais de três meses e a Alemanha continua sem governo. Abortadas as negociações com Verdes e liberais (a chamada coligação Jamaica), em janeiro Merkel tentará convencer Martin Schulz (Partido Social-Democrata) com as suas propostas.
XENOFOBIA CRESCE NA UE?
Achamos que poderia haver um “reforço dos discursos xenófobos” na Europa. Um dos barómetros a que podemos recorrer para perceber se assim foi é o desempenho de partidos nacionalistas e de extrema-direita em atos eleitorais, em que muitos se consolidaram como forças políticas de voto. Se, em França, Marine Le Pen (Frente Nacional) falhou a presidência, na Alemanha a extrema-direita, através da Alternativa para a Alemanha, entrou no Parlamento pela primeira vez desde a II Guerra Mundial. E na Áustria, o Partido da Liberdade da Áustria entrou para a coligação de governo liderada pelo conservador Partido Popular. Em Viena, a pasta dos Negócios Estrangeiros, do Interior e da Defesa, estão nas mãos da extrema-direita.
QUEM LIDERA A ESQUERDA EUROPEIA?
A esquerda europeia continua sem um timoneiro, situação acentuada com a saída de cena de François Hollande, em França. A dissolução do Parlamento italiano, esta semana — e, consequentemente, o fim do executivo liderado por Paolo Gentiloni (Partido Democrático, centro-esquerda) —, abre as portas ao regresso de Silvio Berlusconi (direita), nas eleições que se seguirão. Se assim for, Portugal e a sua fórmula original de governo — a qual, na Europa, ninguém fica indiferente, mas que ninguém consegue replicar — continuará só na aposta à esquerda.
VAI MESMO HAVER UM BREXIT?
Apesar de destacadas personalidades britânicas, como o ex-primeiro-ministro Tony Blair, insistirem que é possível reverter o Brexit, o processo segue no sentido do divórcio. No início do ano, elencamos obstáculos que poderiam dificultar a saída do reino Unido da UE — processos judiciais, a reação da Escócia, a fronteira entre as duas Irlandas e o perigo do reacendimento da violência sectária. Mas, por enquanto, nem Londres pede a Bruxelas para ficar, nem Bruxelas pede a Londres que fique. Este será, com toda a certeza, um dos assuntos de 2018.
TENSÃO VOLTA AO LESTE DA UCRÂNIA?
Para Moscovo, projetar forças na Ucrânia e na Síria, simultaneamente, seria um esforço hercúleo, refletimos no início do ano. O tempo demonstraria que a prioridade da Rússia seria a Síria — o regime de Bashar al-Assad e, principalmente, a manutenção daquela posição estratégica no Mediterrâneo. A 11 de dezembro, Vladimir Putin foi à Síria dizer “missão cumprida” e anunciar o regresso a casa das tropas russas. Para seguirem para a Ucrânia, em apoio dos separatistas pró-Rússia
MAIS ATENTADOS NA EUROPA?
“A Europa é o alvo apetecível dos jiadistas do Daesh, cada vez mais acossados na Síria e no Iraque”, escrevemos no início do ano. Os factos confirmaram-no e ditaram que o Reino Unido foi o principal alvo, com cinco atentados em Londres (dois deles sobre as pontes de Westminster e de Londres) e um em Manchester, visando crianças e jovens que tinham acabado de assistir ao concerto de Ariana Grande. Em Espanha, 13 anos depois de Madrid, foi a vez de Barcelona ser atingida no coração, as Ramblas.
COMO EVOLUIRÁ A GUERRA NA SÍRIA?
Apesar do Daesh estar praticamente derrotado, a Síria continua longe da paz, com partes do território em posse dos rebeldes e Bashar al-Assad impiedoso, como desde o início, em relação ao seu próprio povo. “O país está feudalizado e o ditador depende cada vez mais da Rússia e do Irão”, projetamos. A Rússia está de saída da Síria. O aumento do protagonismo do Irão tem agitado Israel. Irá a guerra na Síria evoluir para um conflito regional pós-Daesh?
É DESTA QUE O DAESH É DESTRUÍDO?
Era uma morte anunciada no início do ano, sem se concretizar, porém, à custa de muito sangue — em batalhas no Médio Oriente (nas cidades iraquiana de Mossul e síria de Raqqa) e em atentados no Ocidente. Mais do que uma organização, com liderança e operacionais armados, o Daesh é, cada vezes mais, uma mundividência que conquista seguidores onde o Estado falha — como na desmembrada Líbia, no abandonado Sinai ou no cobiçado Afeganistão. Em Cabul, esta semana, o Daesh matou 40 pessoas num centro cultural xiita
MARINE VAI SER PRESIDENTE DE FRANÇA?
Com o Brexit e a vitória de Trump, o contexto internacional éra-lhe favorável como nunca, escrevemos. A líder da Frente Nacional (extrema-direita) chegou à segunda volta das presidenciais, mas perdeu o centrista Emmanuel Macron, um candidato em quem poucos apostavam, incluindo o Expresso. Enquanto, na Alemanha, angela Merkel tarda em organizar a casa, é Macron que surge como o novo homem forte da Europa.
CRISE DOS REFUGIADOS CONTINUA?
A chegada de barcos às costas europeias deixou de ser notícia, mas é contínua. A situação nos países de origem da maioria dos refugiados e demandantes de asilo — Síria, Afeganistão, Iémen, Somália — continua sem melhoras e, na Europa, as ilhas gregas continuam a transbordar de gente desesperada, sobretudo menores. Hoje, como no início do ano, “tem falhado a recolocação dos refugiados acolhidos por Itália e Grécia nos restantes países da União”. Um problema sem fim a vista que envergonha o Velho Continente.
PROCESSO DE PAZ VOLTA À PALESTINA?
“Dificilmente”, escrevemos, porque, então como hoje, tudo o que acontece unilateralmente envolvendo israelitas e palestinianos tem sempre um reverso. Se 2016 terminou com uma condenação histórica de Israel no Conselho de Segurança da ONU — os EUA de Barack Obama não vetaram a resolução 2334 considerando os colonatos uma “violação” do direito internacional —, este ano termina com um bálsamo para o Governo israelita. Os EUA de Donald Trump reconheceram Jerusalém como capital de Israel. Se o processo de paz já estava morto, agora ficou enterrado.
GUTERRES DÁ NOVA VIDA À ONU?
Vontade não lhe faltará, mas, como recordamos há um ano, “o cargo de secretário-geral não é executivo, pelo que exigir resultados a Guterres em dossiês complicados é um exercício teórico”. Para agravar, os EUA, que são o principal doador, está “em guerra” com a organização. Cabe a Guterres tentar contrariar essas adversidades — as limitações do cargo e a inimizade do país mais influente do mundo — com o seu humanismo.
VENEZUELA PODE IMPLODIR?
O recente caso do pernil de porco comprado a Portugal e que nunca chegou à Venezuela — que levou Nicolás Maduro a acusar Lisboa de tentativa de sabotagem do Natal dos venezuelanos — prova como, para o Presidente, acenar com “o papão do inimigo externo” continua a ser uma arma. Há um ano prevíamos que “ou Maduro reforma ou o país implode”. Este ano, da Venezuela, chegaram indícios no sentido da implosão: confrontos sangrentos nas ruas de Caracas entre populares e agentes da autoridade, cenas de disputa por comida, decisões políticas ao estilo de uma ditadura.
TEMER MANTÉM-SE NA PRESIDÊNCIA?
O Presidente do Brasil “sobreviveu” aos problemas com a justiça, como o prevíamos, mas não convence os brasileiros, a menos de um ano das eleições presidenciais de 7 de outubro. Condenado por corrupção em primeira instância, o ex-Presidente Lula da Silva lidera as sondagens, estando ainda a sua candidatura dependente dependente da decisão da segunda instância.
COMO SERÁ CUBA PÓS-FIDEL?
Cuba foi mais um dos alvos de Trump, que “prometeu cancelar o acordo que abre caminho ao fim do embargo à ilha”, alertamos. O anúncio de que Raúl Castro não será candidato às presidenciais do próximo ano adia eventuais mudanças.
EDUARDO DOS SANTOS SAI MESMO DO PODER?
A palavra “mesmo” na pergunta revela a recorrência com que, a cada novo ano, a saída de “Zedu” do poder era uma expectativa que não se confirmava. No início de 2017, garantia que não voltaria “a candidatar-se à presidência do partido”, mas fe-lo “mesmo” em relação á liderança do país também. O seu sucessor, João Lourenço, entrou de rompante, afastando familiares de cargos públicos e substituindo as chefias militares — um “terramoto político”, chamou-lhe o Expresso. 2018 ditará com que resultados.
PODE HAVER UM GENOCÍDIO NO SUDÃO DO SUL?
Em pleno século XXI, onde tudo na vida parece estar “à distancia de um clique”, falar de genocídio parece algo medieval. No início do ano, colocamos o foco sobre o Sudão do Sul. “O genocídio espreita, como alerta a ONU: violência descontrolada, violações em massa”, escrevemos. Mas foi em Myanmar (antiga Birmânia) onde esses receios se concretizaram, visando a minoria muçulmana. Pelas piores razões, ficamos a saber que o budismo também tem um lado negro e aprendemos a pronunciar uma palavra difícil — rohingya.
GUERRA CIVIL NA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO?
É um barril de pólvora que, quando explode, contamina tudo à volta, como aconteceu no final dos anos 90. O Presidente Joseph Kabila recusa-se a sair do poder (constitucionalmente deveria tê-lo feito em 2016) e o escrutínio para eleger um sucessor foi adiado para o final de 2017 e depois para 23 de dezembro de 2018. “O risco de conflito é alto”, escrevemos e reafirmamos.
GUERRA NO MAR DO SUL DA CHINA?
“A China não vai abdicar da hegemonia sobre recifes e atóis estratégicos nesta zona do Pacífico”, escrevemos. Essa pretensão, numa área abundante em disputas territoriais, contribui para uma permanente tensão. Mas se, em 2017, falou-se de guerra no Pacífico tal deveu-se às ambições nucleares da Coreia do Norte. Diante da Assembleia Geral da ONU, Donald Trump prometeu “destruir totalmente a Coreia do Norte”. Este será um dos temas quentes do ano que se avizinha.
Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 29 de dezembro de 2017. Pode ser consultado aqui


