Do topo do poder para trás das grades

Em quatro dias uma ex-chefe de Estado foi condenada a 24 anos de prisão e outro foi preso. País corrupto ou democracia madura?

Três dos oito presidentes que conduziram os destinos da Coreia do Sul desde 1987, ano em que ascendeu ao clube dos países democráticos, foram presos e condenados por corrupção. Um quarto suicidou-se quando viu o seu nome, e o de familiares, envolvido num escândalo de corrupção. Um quinto aguarda julgamento.

Preso a 26 de março, Lee Myung-bak (2008-2013), foi formalmente acusado de corrupção na segunda-feira passada. Três dias antes, a sua sucessora na Casa Azul, Park Geun-hye (2013-2017), fora condenada a 24 anos de prisão por abuso de poder, suborno, coação e divulgação de segredos de Estado.

“Não estou certa de que se possa provar que a Coreia do Sul é um país corrupto ao mais alto nível. Uma coisa é clara: o Presidente, apesar de democraticamente eleito, possui um poder considerável que pode ser explorado por parentes próximos ou amigos pessoais”, diz ao Expresso a professora Young-Key Kim-Renaud, que ensina Língua e Cultura Coreana na Universidade George Washington, nos EUA.

Foi o que aconteceu com Park Geun-hye. Filha do ex-ditador Park Chung-hee (1963-1979), aquela que foi a primeira mulher a ocupar a presidência permitiu que uma amiga e confidente, Choi Soon-sil, se aproveitasse desse estatuto para solicitar subornos e intrometer-se nos assuntos de Estado. Park foi impugnada pelo Parlamento a 9 de dezembro de 2016, presa a 31 de março seguinte e, agora, condenada. Quanto à ‘Rasputina’ Choi, cumpre 20 anos de prisão.

“A sociedade coreana é cada vez menos corrupta e tem avançado no sentido de limpar a corrupção e aperfeiçoar as condições de direitos humanos herdadas dos períodos pós-colonial e pós-guerra. As gerações jovens consideram a corrupção um grande mal, que não deve ser tolerado pelos valores democráticos. Uma forte prova foram as impressionantes manifestações pacíficas de milhões de pessoas, todos os fins de semana, que levaram à impugnação de Park Geun-hye” — a “revolução das velas”, maior movimento de contestação social da era democrática, iniciado no final de 2016.

“Um paradoxo interessante é que Park Geun-hye foi provavelmente dos titulares mais bem preparados” para o cargo, continua a professora. “Mas não compreendeu as expectativas dos coreanos de hoje. Uma questão importante, em evidência durante a sua destituição, foi o desejo quase unânime dos coreanos de controlar a influência política das grandes empresas. A prisão [segunda-feira] do ex-presidente Lee Myung-bak foi mais um passo nessa limpeza.”

Laços demasiado estreitos

Ex-presidente da Câmara de Seul entre 2002 e 2006, Lee foi acusado de ter recebido subornos no valor de 11 mil milhões de won (€8 milhões), incluindo da Samsung. O escândalo à volta de Park também arrastou “para a lama” Lee Jae-yong, herdeiro da gigante dos telemóveis, condenado a cinco anos de prisão por crimes de corrupção. Estes casos expõem a relação promíscua entre a elite política e os famosos conglomerados sul-coreanos (chaebol), normalmente controlados por famílias e que tiraram o país da pobreza. Antes de entrar na política, o ex-presidente Lee Myung-bak liderou a Hyundai.

“Os coreanos tentam livrar-se do último obstáculo importante ao seu desenvolvimento, erradicando a corrupção de todos os sectores, não apenas da política”, comenta a professora. “As pessoas estão fartas desta grande proximidade entre Governo e grandes conglomerados”, à custa dos mais pequenos, “e do fosso crescente entre ricos e pobres”.

A 10 mil quilómetros de distância, Byung Goo Kang, sul-coreano de 60 anos a viver em Portugal há 33, acompanha a saga dos poderosos a contas com a justiça com um sentimento agridoce. “Este fenómeno revela que a democracia está a funcionar. Antigamente era quase impossível imaginar políticos ou empresários poderosos a serem julgados”, diz ao Expresso este professor de língua e cultura coreanas na Universidade Nova de Lisboa. “É muito triste ver antigos presidentes presos, mas fico contente com a evolução da democracia na Coreia.”

O país não tem, porém, apenas ex-governantes problemáticos. Kim Dae-jung (1998-2003) ganhou o Nobel da Paz em 2000 e o atua líder, Moon Jae-in — protagonista da cimeira intercoreana de 27 de abril —, pode ir a caminho disso.

(Foto: Casa Azul, residência do Presidente sul-coreano, em Seul WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no Expresso Online, a 14 de abril de 2018. Pode ser lido aqui. A tradução em inglês pode ser lida aqui

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