Rússia diz que acusações de ataque visam justificar “potenciais ataques militares externos”

O Governo de Moscovo alertou ainda para “as mais graves consequências” que podem decorrer de uma “intervenção militar baseda em pretextos falsos”

O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia considerou, este domingo que, as notícias relativas a um ataque com armas químicas levado a cabo por forças governamentais sírias, nos arredores de Damssco, são “falsas”.

“O objetivo destas especulações falsas, que não se baseiam em quaisquer factos, é dar cobertura a terroristas e à oposição radical irreconciliável, que se opõe a um entendimento político, e simultaneamente tentar justificar potenciais ataques militares externos”, defendeu o ministério russo da diplomacia, em comunicado.

O Governo de Moscovo alertou ainda para “as mais graves consequências” que podem decorrer de uma “intervenção militar baseda em pretextos falsos e fabricados na Síria, onde os efetivos russos estão a pedido do Governo legítimo” e que, a acontecer, será “absolutamente inaceitável”.

No Twitter, Dmitry Polyanskiy, vice Primeiro Representante Permanente da Rússia nas Nações Unidas denunciou “uma provocação” preparada pelos “terroristas entrincheirados” em Duma, “com a ajuda dos Capacetes Brancos”.

“Eu faço uma pergunta simples: por que razão as forças sírias, que têm a iniciativa militar e que em breve libertarão completamente Duma, têm necessidade de usar armas químicas, mesmo que as tivessem, o que Damasco nega? Não tem lógica! Pelo contrário, os terroristas têm todas as razões para encenar uma provocação destas para atrair atenção. Métodos sujos, como antes!”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de abril de 2018. Pode ser consultado aqui

Trump ameaça responsáveis por ataque químico na Síria: “Vão pagar caro”

Reagindo às notícias que dão conta de um novo ataque químico na Síria, o Presidente dos Estados Unidos não poupou nas palavras: chamou “animal” a Assad e disse que Rússia e Irão são também responsáveis

O Presidente dos Estados Unidos reagiu com força e determinação às notícias que dão conta de um novo ataque com armas químicas na Síria.

Este domingo, Donald Trump recorreu ao Twitter para disparar em várias direções e apontar culpados no mais recente massacre contra o povo sírio: “Muitos mortos, incluindo mulheres e crianças, num ataque QUÍMICO estúpido na Síria. A área da atrocidade está bloqueada e cercada pelo exército sírio, o que a torna completamente inacessível ao mundo exterior. O Presidente Putin, a Rússia e o Irão são responsáveis por apoiarem esse Assad animal. Alto preço a pagar.”

Não é a primeira vez que Donald Trump reage — com palavras e ação — a notícias sobre ataques químicos na Síria. Há sensivelmente um ano, após serem divulgados vídeos de mulheres e crianças a asfixiarem e a espumarem da boca, após um bombardeamento à cidade de Khan Sheikhoun, na província rebelde de Idlib, Trump ordenou um ataque a posições militares do regime de Bashar al-Assad. Entre o ataque, a 4 de abril de 2017, e a ação efetiva decorreram 63 horas.

Bicada em Obama

Atuar na Síria serve também para Trump marcar diferenças em relação ao seu antecessor, como tanto gosta, e que ele não esqueceu nos ‘tweets’ deste domingo: “Se o Presidente Obama tivesse atravessado a Linha Vermelha na Areia de que falou, o desastre sírio teria terminado há muito tempo! O animal do Assad seria história!”

A 20 de agosto de 2012, em declarações à imprensa na Casa Branca, Obama traçou uma “linha vermelha” para a guerra da Síria que, se ultrapassada pelo regime de Damasco, forçaria os EUA a intervirem — essa linha era o uso de armas químicas. Quase um ano depois, em agosto de 2013, confrontado com notícias de um ataque com gás sarin à região rebelde de Ghouta Oriental — a mesma região atingida na sexta-feira passada —, Washington não reagiu.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de abril de 2018. Pode ser consultado aqui

Novo ataque químico na Síria: 70 mortos

Acusado da autoria de um ataque contra a cidade de Duma, o regime de Bashar al-Assad diz tratar-se de uma montagem dos rebeldes ali entrincheirados. Dezenas de pessoas morreram por asfixia

Duma, o último bastião rebelde nos arredores da capital da Síria, Damasco, voltou a ser palco de um ataque químico. “Setenta pessoas sufocaram até à morte e centenas continuam a asfixiar”, testemunhou à Al-Jazeera, Raed al-Saleh, o líder dos Capacetes Brancos. A maioria das vítimas mortais é mulheres e crianças.

Na sua conta de Twitter, esta organização de voluntários que opera em zonas afetas à oposição ao regime sírio revela que foram atingidas famílias, que se tinham abrigado em caves para se protegerem dos bombardeamentos aéreos e das mortíferas bombas de barril.

Segundo Raed al-Saleh, a região de Duma foi atingida por gás cloro e um outro gás forte não identificado. “Os voluntários dos Capacetes Brancos estão a tentar ajudar as pessoas mas tudo o que podemos fazer é transferi-los para outra área a pé.”

Dado o estado crítico de muitos feridos, o número de mortos deverá aumentar.

Na sexta-feira, Duma foi fortemente bombardeada com bombas de barril pelas forças do governo. A agência de informação síria (SANA) noticiou que o ataque foi uma resposta aos ataques do grupo rebelde Jaish al-Islam (Exército do Islão) contra áreas residenciais de Damasco. “Os terroristas do Jaish al-Islam estão numa situação decadente e os seus órgãos de informação fazem montagens de ataques químicos numa tentativa falhada de obstruir os avanços do exército sírio.”

“A confirmarem-se, estas informações são assustadoras e exigem uma resposta imediata por parte da comunidade internacional”, reagiu a porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Heather Nauert. Washington exigiu a Moscovo que acabe “de imediato” com o seu “apoio inabalável” ao regime de Bashar al-Assad e que torna os russos, “em última análise, responsáveis” pelo ataque.

Duma é a principal cidade afetada pelo cerco iniciado em abril de 2013 pelas forças governamentais sírias — apoiadas pela Rússia — à região de Ghouta Oriental, controlada pelos rebeldes. Em agosto desse ano, “rockets” com gás sarin foram disparados contra áreas rebeldes, matando centenas de pessoas. Uma missão da ONU confirmou a natureza do gás, mas não conseguiu apurar a autoria do ataque.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de abril de 2018. Pode ser consultado aqui

Myanmar abre as portas às Nações Unidas

Uma delegação do Conselho de Segurança da ONU é esperada, ainda este mês, na antiga Birmânia. Ainda não é certo se será autorizada a visitar o estado onde vivem os rohingya e de onde estão a fugir, alvo de uma campanha de perseguição

Após meses de resistência, Myanmar (antiga Birmânia) aceitou abrir as portas a uma delegação do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Não é claro, porém, se as autoridades de Rangum irão permitir que os embaixadores se desloquem ao estado do Arracão, onde vive o que resta da minoria muçulmana, após oito meses de perseguição e repressão militar, que forçou milhares a fugir do país.

O embaixador peruano Gustavo Meza-Cuadra, que preside ao Conselho de Segurança durante o mês de abril, disse, na segunda-feira, que o itinerário da visita ainda não é conhecido. “Evidentemente que estamos interessados em ir ao estado do Arracão. Não há melhor do que uma visita ao terreno para perceber” o que se passa.

No Twitter, a visita foi saudada pela ministra dos Negócios Estrangeiros da Suécia, país que, este ano, também integra o Conselho de Segurança da ONU. Segundo Margot Wallström, a visita acontecerá ainda em abril.

https://twitter.com/margotwallstrom/status/981077890895958016?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E981077890895958016%7Ctwgr%5E%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fexpresso.pt%2Finternacional%2F2018-04-03-Myanmar-abre-as-portas-as-Nacoes-Unidas

A missão da ONU equaciona também um salto ao outro lado da fronteira para uma visita aos campos de refugiados na região de Cox’s Bazar, no Bangladesh, que desde agosto já acolheram cerca de 700 mil rohingya.

As Nações Unidas têm vindo a denunciar um processo de “limpeza étnica” contra os rohingya, neste país de maioria budista, cenário rejeitado pelas autoridades birmanesas, que dizem apenas responderem a ataques. Algumas organizações internacionais vão mais longe e falam já de uma campanha de genocídio.

Myanmar tem sistematicamente rejeitado apelos internacionais para que viabilize a entrada no território de uma missão de investigação mandatada pelas Nações Unidas para apurar factos. Em dezembro, Rangum deu “luz verde” à visita da relatora especial das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a sul-coreana Yanghee Lee, tendo depois recuado nessa abertura.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 3 de abril de 2018. Pode ser consultado aqui

O pior pesadelo de Israel

Depois dos “rockets” disparados contra território de Israel e dos ataques surpresa através de túneis, os palestinianos da Faixa de Gaza parecem apostados num novo método de confronto. Começou na passada sexta-feira e está planeado para durar mais seis semanas — até ao 70º aniversário de Israel

Uma onda gigante de protestos pacíficos cresce na direção do território de Israel ISMAIL ELBOZOM

É o pior dos pesadelos de Israel — hordas de palestinianos a caminho da fronteira, com a intenção de a derrubar, motivados pela ideia de recuperarem terras que outrora foram suas e que foram ocupadas por Israel quando da criação do estado judeu. Este pesadelo ganhou vida e está a acontecer na Faixa de Gaza. “Vai acontecer todos os dias. Às sextas-feiras, será o dia principal”, diz ao Expresso, desde Gaza, o fotógrafo Ahmed Salama, de 23 anos. “Os palestinianos vão usar um método novo. Vão tentar e tentar e tentar… Talvez na próxima sexta-feira consigam entrar. Não temos nada a perder. O bloqueio está a matar-nos lentamente.”

Depois de anos em que Gaza reagiu ao bloqueio por terra, mar e ar, imposto por Israel e pelo Egito, lançando “rockets” contra território israelita ou tentando surpreender o inimigo através de túneis escavados sob a fronteira, uma nova estratégia está a mobilizar os palestinianos daquele território: marchas volumosas e persistentes na direção da fronteira, “indiferentes” aos que tombam mortos pelo caminho.

“Há tendas em cinco posições principais ao longo da fronteira” de 65 quilómetros, diz Ahmed. Chamam-lhes “cidades de tendas” e começaram a erguer-se no início de março para acomodar os manifestantes, incluindo famílias inteiras, “no ponto seguro mais próximo da fronteira”, explicava então Ahmed Abu Ayesh, porta-voz do comité coordenador, garantindo que as Nações Unidas seriam notificadas dos protestos.

Na sexta-feira passada, dia da primeira grande investida, milhares de palestinianos seguiram desarmados. Muitos outros não, arremessando pedras, bombas incendiárias, pneus a arder e tentando destruir a fronteira e entrar em território de Israel.

Da resposta das forças de segurança israelitas resultaram 17 palestinianos mortos (Israel diz que tem registos de “atividades terroristas” de “pelo menos 10”) e 1479 feridos — 757 alvejados com fogo real, informou, no domingo, o Ministério palestiniano da Saúde. Os restantes foram atingidos por balas de borracha e inalaram gás lacrimogéneo, disparado a partir de pequenos drones, a mais recente inovação tecnológica ao serviço das tropas de Israel.

Mahmud Abbas, o presidente da Autoridade Palestiniana — que, no ano passado, para pressionar o rival Hamas, que controla Gaza, ordenou cortes de energia no território, obrigando a população a viver com quatro horas de luz —, apelou à intervenção urgente das Nações Unidas. Logo na sexta-feira, o secretário-geral da organização, António Guterres, pediu “uma investigação independente e transparente a estes incidentes”. O assunto foi a debate, com urgência, no Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas e sucumbiu às sensibilidades da geopolítica.

O Kuwait, o único país árabe atualmente representado no CS, apresentou uma proposta de declaração apelando a uma investigação à violência, no mesmo sentido das palavras de Guterres. Citado pela agência AFP, “um diplomata do CS” disse que os Estados Unidos — que têm o poder de veto naquele organismo — levantaram objeções e fizeram saber que não apoiariam a adoção do documento.

Em Israel, o ministro da defesa, Avigdor Lieberman, lançava combustível para a fogueira, rejeitando qualquer comissão de inquérito aos factos ocorridos junto à fronteira com Gaza e afirmando que os soldados israelitas ali em missão “merecem uma medalha”.

Festa de uns, lamento de outros

A “Marcha do Regresso” tem inerente todo um simbolismo ao qual nenhum palestiniano ou israelita é indiferente. Começou na sexta-feira, 30 de março, no tradicional “Dia da Terra” que assinala a morte, em 1976, no norte de Israel, de seis israelitas árabes, às mãos da polícia, durante protestos contra a expropriação de terras árabes por parte do Governo de Telavive.

Está planeada para terminar a 15 de maio, dia em que os palestinianos assinalam a “catástrofe” (“Nakba”), o início do atual problema dos refugiados quando mais de 700 mil palestinianos fugiram ou foram expulsos das suas terras na sequência da criação, nas Nações Unidas, do Estado de Israel (1948), e da guerra da Independência que se lhe seguiu.

Na véspera do aniversário da “Nakba”, Israel comemorará o seu 70º aniversário — este ano, antevê-se, de forma mais esfusiante do que o habitual, em virtude do “presente” dado pelo aliado norte-americano: a transferência da sua embaixada de Telavive para Jerusalém, prevista para coincidir com o aniversário.

Na sexta-feira, quando participava nos protestos, o líder do Hamas enunciou o objetivo: “O nosso povo não pode abdicar de um centímetro de terra da Palestina. Os protestos continuarão até que os palestinianos regressem às terras de onde foram expulsos há 70 anos”, declarou Yahya Sinwar.

O movimento islamita — que convocou estes protestos — controla a Faixa de Gaza desde há quase 12 anos. Desde então, Hamas e Israel já travaram três guerras, em 2008/09, 2012 e 2014. A próxima poderá estar já em curso — seis semanas de confrontos na fronteira, em que os palestinianos adivinham-se persistentes e os israelitas intransigentes. E se há garantia neste conflito é que em cada funeral de um palestiniano abatido por Israel — e vice-versa — a dor é acompanhada pelo desejo de vingança.

Artigo publicado no Expresso Diário, a 2 de abril de 2018, e republicado no “Expresso Online”, no dia seguinte. Pode ser consultado aqui e aqui