Exército não apela ao voto mas tem sempre favorito, que costuma ganhar. Foi assim com Khan, mas este pode surpreender

Desde que se tornou independente da coroa britânica, em 1947, o Paquistão já foi governado por militares durante três períodos: 1958-1969 (Muhammad Ayub Khan), 1977-1988 (Muhammad Zia-ul-Haq) e 1999-2008 (Pervez Musharraf). Há dez anos, pois, que os generais estão arredados do palco da política. Mas se é verdade que as eleições desta semana confirmaram o funcionamento da democracia — pela segunda vez consecutiva, um Parlamento levou o seu mandato até ao fim e, após eleições, o poder transitou entre civis —, é também evidente que os militares continuam influentes e que, mais uma vez, saiu vitorioso o candidato que preferiam.
“A democracia não tem tido êxito no país, devido aos eternos conflitos entre os governos eleitos e o forte aparelho militar”, diz ao Expresso Jassim Taqui, diretor do Instituto de Estudos Estratégicos Al-Bab, de Islamabade. “Os militares creem que são os guardiães e salvadores do Paquistão. Suspeitam das intenções dos políticos quando estes tentam normalizar as relações com a Índia. Para o aparelho militar, a Índia é uma ameaça existencial”, o que levou o aliado norte-americano a desembolsar mais de $33 mil milhões (€28 mil milhões) em ajuda militar, nos últimos 15 anos. “Porém, os políticos acham que os militares estão mais interessados no poder e que estragam a democracia agindo como ‘um estado dentro do Estado’.”
Esta equação ganha especial visibilidade em época eleitoral. Oficialmente, os militares não declaram apoio a qualquer candidato, mas têm sempre um favorito. No passado, um dos eleitos foi Nawaz Sharif, da Liga Muçulmana do Paquistão Nawaz (PML-N), que chefiou o Governo três vezes e venceu as últimas eleições, em 2013. “Sharif foi levado ao poder pelos militares”, continua Taqui. “Mas pisou todas as linhas vermelhas traçadas pelo exército ao investir secretamente na Índia.” Sharif foi à Índia em 2014 e recebeu o homólogo Narendra Modi no ano seguinte. Depois, caiu em desgraça.
“Os militares suspeitam dos políticos quando estes tentam normalizar as relações com a Índia”
Em 2016, os “Panama Papers” expuseram a sua riqueza e Sharif ficou com a justiça à perna. No ano seguinte, o Supremo Tribunal desqualificou-o para cargos políticos e, há três semanas, foi condenado a dez anos de prisão por corrupção. “Tem sorte por só ter sido afastado do poder pelo Supremo Tribunal”, diz Jassim Taqui, que recorda o destino de Benazir Bhutto, a primeira mulher a chefiar um governo num país muçulmano. “Foi assassinada em 2007 por um bombista suicida em circunstâncias misteriosas. O seu partido acusou o Presidente de então de ser o cérebro por detrás da sua morte.” O chefe de Estado era o general Pervez Musharraf.
Um ‘golpe judicial’
Nas eleições desta semana, “Imran Khan, líder do Movimento para a Justiça do Paquistão, é quem melhor serve os interesses do exército”, comenta ao Expresso a investigadora Shairee Malhotr, do Instituto Europeu para os Estudos Asiáticos. “Ao contrário do líder deposto Nawaz Sharif, é menos provável que Khan enfrente os militares em assuntos de política externa [sector que tem permanecido sob alçada dos militares]. Há a convicção generalizada de que o exército conspirou com o poder judicial naquilo que muitos designam como um ‘golpe judicial’ para afastar Sharif e, simultaneamente, impulsionar Khan para chegar ao poder. O exército quer um governo fraco, sem força nem poder para alterar o equilíbrio entre civis e militares no país, e que continua fortemente favorável aos militares.”
Desde que fundou o seu partido, em 1996 — apenas quatro anos após capitanear o Paquistão na conquista do Mundial de críquete —, Khan está determinado em sentar-se na cadeira do poder. “Ele poderá vir a ser alguém muito irritante para o exército”, conclui Jassim Taqui. “É destemido.”
(IMAGEM MAX PIXEL)
Artigo publicado no “Expresso”, a 28 de julho de 2018
