“É um dia de apocalipse. Cheguei a lembrar-me do terramoto de Lisboa de 1755”

Os incêndios na Grécia apanharam uma funcionária da Embaixada da Grécia em Lisboa de férias em Atenas. Margarita Adamou diz que as imagens que vê nas televisões gregas recordam-lhe os fogos do ano passado em Portugal

A Grécia celebra, esta terça-feira, o Dia da Democracia, que assinala a queda da ditadura já lá vão exatamente 44 anos. Mas a festa foi substituída pelo anúncio de três dias de luto nacional. “Não vai haver celebrações, não vai haver nada”, diz ao Expresso Margarita Adamou, a partir de Atenas. “Toda a gente está colada às televisões e às rádios”, a acompanhar aquela que está na iminência de se tornar a maior tragédia grega em matéria de fogos florestais.

Os incêndios apanharam Margarita de férias no seu país natal. “De férias é uma forma de expressão. Este é um dia trágico para a Grécia e sobretudo para a capital”, diz esta funcionária na Embaixada da Grécia em Portugal.

“Desde a minha casa, no centro de Atenas, durante a noite, podia ver o fogo na região de Kineta, a parte ocidental de Atenas. Na parte oriental, onde o balanço foi muito mais trágico, não conseguia ver porque há uma montanha no meio. Mas toda a capital está envolta numa fuligem amarela, às vezes mais escura. É um dia de apocalipse.”

A grega refere que, no seu país, o clima favorece os incêndios, frequentes no verão. “Mas desta vez, os ventos muito fortes tornaram tudo mais difícil, tornaram impossível a atuação dos meios aéreos. A dimensão desta tragédia é única.”

Margarita trabalha, desde setembro, no gabinete de imprensa da Embaixada da Grécia em Portugal — onde a comunidade grega ronda as 300 pessoas. “Ainda não estava em Lisboa em junho, aquando dos incêndios na zona de Pedrógão Grande, mas já vivi em Portugal os fogos de outubro. O que vejo na televisão grega lembra-me muito as imagens trágicas que via todos os dias nas televisões portuguesas. Muitas viaturas carbonizadas, muita gente a correr, sobretudo na direção das praias. Cheguei a lembrar-me do terramoto de Lisboa de 1755 quando toda a gente fugiu na direção do Tejo para se salvar e depois aconteceu o tsunami e muita gente morreu afogada.”

Na memória dos gregos, 2007 é, até ao momento, o “annus horribilis” em matéria de fogos florestais, com 84 pessoas mortas entre junho e setembro. 2018 está em vias de lhe tomar o lugar. “Eu acho que o número de mortos vai ser superior a 100”, lamenta a grega. “Há muitos desaparecidos.”

Artigo publicado no Expresso Online, a 24 de julho de 2018. Pode ser consultado aqui

Irão dispara em várias frentes para evitar asfixia económica. Vêm aí as sanções dos EUA

As novas sanções ao Irão decretadas por Washington após Donald Trump retirar os EUA do acordo sobre o nuclear iraniano estão a três semanas de começar a produzir efeitos. Teerão tenta contrariá-las através da diplomacia e dos tribunais

O Irão está numa corrida contra o tempo. A 6 de agosto, entra em vigor o primeiro lote de sanções anunciadas pelos Estados Unidos após a retirada do acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano, anunciada por Donald Trump em maio. Um segundo pacote está previsto para entrar em vigor a 4 de novembro, dois dias antes das eleições intercalares nos Estados Unidos.

Na segunda-feira, o Irão apresentou uma queixa no Tribunal Internacional de Justiça contra os Estados Unidos visando responsabilizar Washington “pela reintrodução ilegal de sanções unilaterais”, anunciou, no Twitter, o ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, Mohammad Javad Zarif, um dos artífices do acordo de 2015.

As novas sanções dos EUA visam sobretudo os sectores energético, petroquímico e financeiro. A agência Reuters estima esta terça-feira que, até ao final do ano, as exportações de petróleo iraniano possam cair “em dois terços” devido ao efeito das sanções.

Exportações de crude em queda

A Índia é o mais recente “campo de batalha” entre EUA e Irão. Temendo retaliações por parte dos Estados Unidos sobre as empresas nacionais que negoceiam com Teerão, a Índia — que é o segundo maior importador de petróleo iraniano, a seguir à China — está a reduzir a sua dependência energética em relação ao Irão.

Em junho, as importações de crude iraniano caíram 16%, de 705 mil barris por dia para cerca de 593 mil.

Esta segunda-feira, Abbas Araqchi, vice-ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, foi à Índia pela segunda vez desde maio. “Não há dúvidas que todos os países que estão a cooperar com o Irão estão determinados em salvar o acordo [sobre o nuclear], e tentam encontrar formas de garantir os benefícios do Irão no quadro do acordo. Esse facto revela o isolamento dos EUA”, afirmou Araqchi à agência iraniana IRNA.

Na semana passada, em Bruxelas, na conferência de imprensa após a cimeira da NATO, Donald Trump abordou o assunto: “Eu sei que [os iranianos] estão a ter muitos problemas e que a economia deles está a colapsar. Em determinado momento, eles irão telefonar-me e dizer: ‘Vamos fazer um acordo’ e faremos um acordo. Eles estão a sofrer muito agora”.

Em junho, greves motivadas pela acentuada desvalorização do rial iraniano encerraram o Grande Bazar de Teerão. E em frente ao Parlamento, protestos contra o enfraquecimento da economia levaram à intervenção da polícia.

UE firme ao lado do Irão

Esta segunda-feira, a União Europeia reafirmou o seu apoio ao acordo sobre o nuclear iraniano, dando cobertura às empresas europeias a operar em solo iraniano.

“Hoje, o Conselho [Europeu] aprovou a atualização do anexo do Estatuto de Bloqueio sobre o acordo nuclear com o Irão”, afirmou a chefe da diplomacia da UE, Federica Mogherini, no fim da reunião dos 28 ministros dos Negócios Estrangeiros.

Segundo a legislação europeia, “o Estatuto de Bloqueio proíbe as empresas da UE de cumprir os efeitos extraterritoriais das sanções dos EUA, permite às empresas a obtenção de indemnizações decorrentes de tais sanções junto da pessoa causadora dos prejuízos, e anula o efeito na UE de quaisquer decisões judiciais estrangeiras que se baseiem nelas”.

Concluiu Mogherini: “Continuaremos a fazer tudo o que pudermos para tentar impedir que este acordo seja desmantelado porque acreditamos que as consequências disso seriam catastróficas para todos”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 17 de julho de 2018. Pode ser consultado aqui

A águia bicéfala, a seleção descalça e o faraó tchetcheno

O Mundial da Rússia termina este domingo e o presidente da FIFA, Gianni Infantino, já veio dizer que “foi o melhor de sempre”. Sem falhas organizativas ou aparatosos alertas de segurança, a competição não foi, porém, imune a provocações políticas

A política foi a jogo no Mundial. Jogadores suíços ‘picaram’ os sérvios, croatas provocaram a anfitriã Rússia e uma das estrelas do firmamento futebolístico internacional foi usada como propaganda na Chechénia. Sempre conservadora em relação a manifestações de cariz político, a FIFA abriu uma exceção que indispôs os “ayatollahs” iranianos…

GOLOS PELO KOSOVO

Decorria a fase de grupos e Suíça e Sérvia mediam forças em Kaliningrado. Granit Xhaka, aos 52 minutos, e Xherdan Shaqiri, aos 90 — suíços de origem kosovar —, marcaram os golos do triunfo helvético por 2-1. Na hora de os celebrar, não se contiveram na euforia e provocaram os sérvios fazendo com as mãos um sinal alusivo à bandeira albanesa que ostenta uma águia bicéfala.

O gesto mais não foi do que uma declaração política solidária para com o Kosovo, a antiga província sérvia de maioria albanesa que ascendeu à independência em 2008 e cuja soberania ainda não é reconhecida, para além da própria Sérvia, por países como Rússia, China e Espanha.

A Federação da Sérvia pediu dois jogos de suspensão para cada atleta por “provocação ao público”, mas a FIFA não foi além de uma multa individual de 10.000 francos suíços (8600 euros) por “comportamento antidesportivo contrário aos princípios do fair play”.

QATAR EM FORÇA, NAS BARBAS DOS SAUDITAS

A 14 de junho, aquando do jogo inaugural da competição entre Rússia e Arábia Saudita, o anfitrião Vladimir Putin teve a seu lado, na tribuna do Estádio Luzhniki (Moscovo), o príncipe herdeiro saudita. Para além da pesada derrota por 5-0, Mohammad bin Salman teve de digerir uma provocação geopolítica: em redor do relvado, destacava-se de forma persistente publicidade à Qatar Airways.

A Arábia Saudita foi a mentora do bloqueio por terra, mar e ar imposto ao Qatar a 5 de junho de 2017, ao qual aderiram também Emirados Árabes Unidos, Bahrain e Egito. Desde então, o Qatar passou a gastar dez vezes mais para importar alimentos e medicamentos, mas com o avultado patrocínio da sua transportadora aérea, que se repetiu em todos os jogos do Mundial, o pequeno emirado do Golfo Pérsico mostra a quem o quis asfixiar financeiramente que o bloqueio não está a resultar.

Há, porém, quem avance com outra justificação para esta investida publicitária… A organização do Mundial de 2022, atribuída ao Qatar, continua em perigo, pelo que dar milhões à FIFA pode ser uma forma de a segurar. Após a atribuição do evento ao Qatar se rodear de polémica, e de suspeitas de corrupção, a organização tem vindo a ser bombardeada com fragilidades: as altas temperaturas e índices de humidade inviabilizam a realização do torneio no verão; os adeptos homossexuais não são bem vindos no país; e o consumo de álcool é proibido. Durante a construção dos estádios, morreram pelo menos 520 trabalhadores, oriundos sobretudo de Bangladesh, Índia e Nepal. Tudo isto para além do bloqueio em curso.

Estados Unidos e Inglaterra têm sido os países mais falados no caso de relocalização do evento. Mas esta sexta-feira, a FIFA tranquilizou o Qatar ao anunciar as datas do seu Mundial: decorrerá no inverno, entre 21 de novembro e 18 de dezembro.

NIKE DESCALÇA O IRÃO

Ainda o apito inicial do Mundial estava longe de soar e já o selecionador do Irão, Carlos Queiroz, se queixava das condições de trabalho da sua equipa. Por questões políticas, muitos países recusam-se a disputar amigáveis com a seleção persa, privando os iranianos de um planeamento profissional.

A 2 de junho, o Irão tinha agendado um particular com a Grécia, em Istambul, que foi abruptamente cancelado pelos gregos em virtude de um contencioso entre Atenas e Ancara envolvendo a detenção de dois soldados gregos na fronteira entre os dois países. Neste caso, o Irão foi uma “vítima colateral” de uma guerra que não era sua, mas é o que acontece a um país com uma exposição internacional muito condicionada como a do Irão.

Nas vésperas do arranque do Mundial, o boicote à equipa iraniana assumiu outros contornos. A marca de equipamentos desportivos Nike recusou-se a fornecer chuteiras à “team Melli”, como os iranianos chamam à sua seleção. “Não é uma escolha”, justificou-se a Nike, escudando-se com as sanções impostas pelos Estados Unidos. Em compensação, a alemã Adidas não falhou com o fornecimento das camisolas.

RELAÇÃO ENVENENADA ENTRE INGLESES E RUSSOS

A chegada da seleção inglesa às meias finais do Mundial da Rússia prova que os súbditos de Sua Majestade não se deram mal nas terras dos czares, ainda que a relação diplomática entre Londres e Moscovo já tenha tido melhores dias.

Após o envenenamento do russo Sergei Skripal, ex-espião do britânico M16, e da sua filha Yulia, a 4 de março, na cidade inglesa de Salisbury, o Reino Unido apontou o dedo acusador à Rússia e declarou que não se iria fazer representar ao mais alto nível nas bancadas do Mundial. O então ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, Boris Johnson, elevou a fasquia da agressividade e comparou a organização russa do Mundial de futebol aos Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim, que funcionaram como propaganda ao regime nazi.

O caso do espião envenenado, e da tensão política que se lhe seguiu, terá contribuído para a ausência de milhares de apaixonados adeptos ingleses nas ruas russas. Para assistir ao jogo dos oitavos de final, em que a Inglaterra venceu a Suécia por 2-0, apenas 1608 ingleses compraram bilhetes através da federação inglesa — na fase de grupos, o número de bilhetes vendidos oscilou entre os 1510 (para a partida contra a Tunísia) e os 2659 (com a Bélgica). Na mente de muitos adeptos estará também os confrontos entre russos e ingleses registados em Lille, durante o Euro 2016, antes do jogo entre as duas seleções (1-1), na fase de grupos.

No seu Mundial, os russos não permitiram, porém, que este histórico manchasse o evento e, na cerimónia de abertura, escolheram um britânico — Robbie Williams — para protagonizar o momento musical, em parceria com a soprano russa Aida Garifullina.

MO SALAH, O FARAÓ… DA CHECHÉNIA

A intenção terá sido a melhor, mas a escolha de Grozny, por parte da federação egípcia, como sede da sua seleção durante o Mundial da Rússia teve consequências imprevistas. Grozny é a capital da Chechénia, uma região russa maioritariamente muçulmana que, não há muito, travou duas guerras separatistas com Moscovo: 1994-1996 e 1999.

A Chechénia tem agora no poder Ramzan Kadyrov, um muçulmano ultraconservador com pazes feitas com o Kremlin e que tem estado na mira de organizações de defesa dos direitos humanos por repressão a opositores políticos e perseguição aos homossexuais.

Com a presença dos egípcios no território que governa e, em particular, de uma das estrelas maiores do futebol internacional — Mohamed Salah, que joga no Liverpool —, Kadyrov não perdeu oportunidade de tirar vantagens políticas. Atribuiu a Salah o estatuto de cidadão honorário da Chechénia, durante um banquete oferecido à equipa no seu palácio e fez-se passear ao lado do futebolista diante das bancadas do Akhmat Arena, onde locais assistiam a um treino dos egípcios. Salah não fez qualquer comentário público. Talvez não esteja consciente do ‘filme’ propagandístico em que participou.

ELIMINAÇÃO DA RÚSSIA DEDICADA À… UCRÂNIA

Se chegar às meias finais de um Mundial é uma emoção para qualquer futebolista, consegui-lo à custa da seleção da Rússia foi para dois croatas uma alegria incontrolável.

Ognjen Vukojevic, elemento da equipa técnica, e o defesa Domagoj Vida — ambos ex-jogadores do Dínamo de Kiev (Ucrânia) — cederam a uma recôndita paixão e, após o jogo dos quartos de final contra os russos, gravaram uma mensagem polémica: “Glória à Ucrânia! Esta vitória é para o Dínamo de Kiev e para a Ucrânia.” Rússia e Ucrânia estão de relações cortadas em virtude do apoio de Moscovo aos separatistas do leste da Ucrânia e à anexação russa da Crimeia, legitimada por referendo, a 16 de março de 2014.

O vídeo incendiou as redes sociais e levou a FIFA a abrir um processo disciplinar que concluiu com a repreensão dos dois croatas e uma multa de 12 mil euros a cada um. A federação croata foi mais longe: pediu “desculpa ao público russo” e despediu Vukojevic, que tinha publicado o vídeo. Mas o técnico não tardou a ter uma oferta de emprego… Andriy Pavelko, presidente da Federação da Ucrânia, foi ao Parlamento de Kiev envergando a camisola e um cachecol da Croácia e defendeu a contratação do técnico dispensado. Foi ovacionado de pé pelos deputados da nação.

À ATENÇÃO DOS “AYATOLLAHS”

O rendimento da seleção iraniana no Mundial, que por pouco condenava Portugal a não passar da fase de grupos, empolgou a nação persa e levou aos estádios russos iranianas como não é possível ver-se na República Islâmica. Desde 1980 — um ano após a Revolução Islâmica liderada pelo “ayatollah” Khomeini — que é proibido às iranianas a entrada nos estádios de futebol do país. Quem desafia essa proibição pode ser detida, mas muitas iranianas arriscam-no disfarçando-se de homens.

“Sara” (nome fictício para evitar represálias) é uma ativista da causa que viajou até à Rússia para se manifestar por esse direito. Para irritação do regime de Teerão, a FIFA autorizou “Sara” e quem a acompanhava a expor cartazes de protesto no interior dos estádios do Mundial. “A FIFA proíbe as mensagens políticas, mas esta não é uma questão política”, disse a ativista ao diário espanhol “El País”. “É uma questão de direitos humanos.”

Já no decorrer do Mundial, o regime iraniano experimentou uma abertura e autorizou as mulheres a entrarem no Estádio Azadi, em Teerão, para assistirem, ao lado dos homens, à transmissão dos jogos do Irão com Espanha e Portugal em ecrã gigante.

DE RELAÇÕES CORTADAS, MAS SÓ FORA DE CAMPO

Sem grande alarido, Marrocos e Irão cortaram relações diplomáticas há cerca de dois meses. A iniciativa partiu de Rabat que não gostou de descobrir que operacionais do Hezbollah — o movimento xiita libanês próximo do Irão — estão a treinar e a armar combatentes da Frente Polisário, que pugna pela independência do Sara Ocidental.

A ‘zanga’ não se sentiu dentro ou fora de campo quando Marrocos e Irão se defrontaram, a 15 de junho, no primeiro jogo do grupo de Portugal, que os iranianos venceram (1-0). Mas teve consequências desportivas que se manifestaram na véspera do arranque do Mundial.

Em votação que decorreu durante o Congresso da FIFA, em Moscovo, a candidatura tripartida de Canadá, Estados Unidos e México conquistou o direito de organizar o Mundial de 2026. O projeto concorrente foi apresentado por Marrocos, que o tentava pela quinta vez. A candidatura americana recebeu 134 votos (entre os quais o de Portugal) e a de Marrocos 65. Houve ainda três abstenções e a posição única e original do Irão… Perante propostas de Estados Unidos e Marrocos, com quem não tem relações diplomáticas, o Irão optou pela rejeição dos dois projetos votando expressamente “nenhuma das candidaturas”.

(Imagem: Bandeiras dos 32 países que disputaram o Mundial da Rússia MAX PIXEL)

Artigo publicado no Expresso Diário, a 13 de julho de 2018. Pode ser consultado aqui