Os desafios do poder, após a glória do críquete

Imran Khan toma hoje posse como primeiro-ministro. Prometeu acabar com a corrupção e bater o pé aos EUA

A história do Paquistão diz que, não raras vezes, só se sai da política para a cadeia ou num caixão. Impressiona, pois, quem como Imran Khan — que toma posse, este sábado, como primeiro-ministro deste país de 180 milhões — se tenha empenhado tanto em chegar à cadeira do poder. Logo ele que alcançara a unanimidade entre os paquistaneses ao liderar a seleção de críquete na conquista do seu primeiro Mundial, em 1992. Na final contra a Inglaterra, em Melbourne (Austrália), ele foi o capitão e também o jogador que mais pontuou.

O carisma e competência demonstrados em campo facilitaram a sua entrada na política. Em 1996, quatro anos depois da glória desportiva, fundou o Movimento para a Justiça do Paquistão (PTI, sigla inglesa) com o qual venceu as eleições de 25 de julho passado: não só obteve 32% dos votos (que lhe vale 158 dos 342 lugares na Assembleia Nacional), como tornou-se o partido mais votado no Punjab, a província mais populosa e onde Khan nasceu, em Lahore, há quase 66 anos.

O PTI demorou a impor-se. Da primeira vez que foi a votos, em 2002, elegeu apenas um deputado, Khan. Dezasseis anos depois, a popularidade do líder transformou-se em confiança e a sua proposta de “um novo Paquistão” conquistou o povo. “Ele não faz parte do velho establishment, de dinastias, como os Sharifs e os Bhuttos que têm governado quando há governos civis no poder”, diz ao Expresso Shairee Malhotra, investigadora no Instituto Europeu para os Estudos Asiáticos. “Tem pois a vantagem de não ter uma bagagem política desagradável.”

Durante a campanha eleitoral, Khan propôs um corte radical com o passado: acabar com a corrupção em 90 dias. A promessa tornou-o protagonista de piadas e valeu-lhe o rótulo de populista. “A luta contra a corrupção e a criação de um Paquistão novo e limpo teve repercussão junto dos jovens descontentes, que são mais de metade dos habitantes”, diz a investigadora.

Khan não detalhou como vai concretizar esse “milagre”, mas a sua eleição revela que, para muitos paquistaneses, o que conta é a sua honestidade. “A perceção geral é de que ele não é corrupto”, diz ao Expresso Jassim Taqui, diretor do Instituto de Estudos Estratégicos Al-Bab, de Islamabad. “Mas há vozes que o acusam de fazer dinheiro com as suas instituições de caridade.” No rol dos seus projetos filantrópicos, destaca-se o Shaukat Khanum Memorial Cancer Hospital, que diz fornecer, todos os anos, tratamento grátis a 85% dos seus doentes oncológicos.

Imran Khan chega ao poder como o preferido (ainda que não de uma forma declarada) do todo-poderoso exército paquistanês. Jassim Taqui diz que ele pode tornar-se “um osso duro de roer, uma vez que é uma pessoa destemida”. “Ele é considerado fraco em matéria de extremismo e militância islâmica”, acrescenta Shairee Malhotra. “Foi por muitos apelidado de ‘Taliban Khan’ por defender o diálogo e negociações com os extremistas” em vez de uma estratégia militar.

A eleição do ex-desportista fez soar alarmes nos EUA, cuja guerra ao terrorismo e as operações com drones no Médio Oriente têm sido muito criticadas por Khan. “Nós tornámo-nos um aliado por procuração dos EUA numa guerra contra a União Soviética quando esta entrou no Afeganistão e permitimos que a CIA criasse, treinasse e armasse grupos jiadistas no nosso território. E uma década depois tentamos eliminá-los como terroristas sob as ordens dos EUA”, defendeu Khan em janeiro. “Chegou a hora de nos mantermos firmes e darmos uma forte resposta aos EUA.” Esta semana, no Twitter, Khan desejou sucesso à Turquia e a Erdogan “nos graves desafios económicos que têm pela frente”.

(Foto: Imran Khan tomou posse como primeiro-ministro do Paquistão a 18 de agosto FACEBOOK IMRAN KHAN (OFFICIAL)

Artigo publicado no Expresso, a 18 de agosto de 2018

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *