Fotogaleria. Pelas ruas de Pyongyang, a capital do país mais fechado à face da Terra

O desanuviamento na Península Coreana tem permitido visitas à Coreia do Norte por parte de repórteres estrangeiros e, consequentemente, uma “espreitadela” demorada sobre a capital do país. Tiradas durante o mês de setembro, estas 30 fotos ajudam a levantar o véu sobre uma das cidades mais desconhecidas do mundo

Num país fechado como a Coreia do Norte, onde só se entra a partir da China, percorrer as ruas da sua capital — ainda que apenas através de fotografias — não é um exercício frequentemente acessível. As imagens da cidade não abundam, muito menos aquelas que registam as rotinas dos seus habitantes.

A recente visita do Presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, a Pyongyang — para a terceira cimeira intercoreana do ano com o homólogo norte-coreano — permitiu um olhar demorado sobre a cidade. Entre 18 e 20 de setembro, a cimeira entre Moon Jae-in e Kim Jong-un foi coberta por repórteres sul-coreanos de 15 órgãos de informação — jornalistas estrangeiros, mesmo os que trabalham a partir de Seul, ficaram de fora. Anteriormente, no início do mês, o Governo norte-coreano organizara uma visita para jornalistas estrangeiros, por ocasião do 70º aniversário da fundação do país.

Essas “espreitadelas” permitiram a captação de imagens “frescas” de Pyongyang, reveladoras de uma cidade tranquila, ordeira e limpa, com edifícios coloridos e sem congestionamentos de trânsito. Mostram também crianças sorridentes e adultos compenetrados na vida, como em qualquer parte do mundo. E também uma dinastia omnipresente: os Kim, que governam a Coreia do Norte há exatamente 70 anos.

Nas ruas, há retratos abundantes de Kim Il-sung (líder entre 1948 e 1994) e Kim Jong-il (1994-2011) — avô e pai do líder atual — que os norte-coreanos reverenciam com vénias. Já os turistas ocidentais — porque também os há em Pyongyang — não resistem às “selfies” naquele improvável destino de férias.

FOTOS EM FALTA

6. O Arco do Triunfo norte-coreano, comemorativo da resistência coreana ao Japão, entre 1925 e 1945 ALEXANDER DEMIANCHUK / TASS / GETTY IMAGES – FALTA ESTA FOTO!!!

17. Aula de canto para futuras professoras, numa faculdade de Pyongyang DANISH SIDDIQUI / REUTERS – FALTA ESTA FOTO!!!

Militar norte-coreano à saída do Museu de História Natural, em Pyongyang DANISH SIDDIQUI / REUTERS
Vista sobre a capital norte-coreana, onde se estima que vivam cerca de 2,5 milhões de pessoas ALEXANDER DEMIANCHUK / TASS / GETTY IMAGES
Trabalhadoras de uma fiação, em Pyongyang ALEXANDER DEMIANCHUK / TASS / GETTY IMAGES
Carruagem do metro da capital norte-coreana Trabalhadoras de uma fiação, em Pyongyang ALEXANDER DEMIANCHUK / TASS / GETTY IMAGES
Restaurante no centro de Pyongyang DANISH SIDDIQUI / REUTERS
Polícia-sinaleiro norte-coreano. Há muitos em Pyongyang, apesar de o trânsito não ser intenso PYEONGYANG PRESS CORPS / GETTY IMAGES
Crianças patinam num parque da cidade ED JONES / AFP / GETTY IMAGES
Um baloiço com a forma de um míssil e aviões, num jardim de infância da capital da Coreia do Norte DANISH SIDDIQUI / REUTERS
Pyongyang é banhada pelo rio Taedong ALEXANDER DEMIANCHUK / TASS / GETTY IMAGES
Banda feminina anima o jantar a bordo de um restaurante flutuante, no rio Taedong ED JONES / AFP / GETTY IMAGES
Arranha-céus coloridos, em Pyongyang DANISH SIDDIQUI / REUTERS
É na Praça Kim Il-sung que se realizam as vistosas e impressionantes paradas militares norte-coreanas PYEONGYANG PRESS CORPS / GETTY IMAGES
Uma norte-coreana produz sabonetes, numa fábrica de Pyongyang DANISH SIDDIQUI / REUTERS
Numa fábrica de cosméticos, três mulheres produzem pincéis ALEXANDER DEMIANCHUK / TASS / GETTY IMAGES
Empregadas de uma fábrica de seda gozam de um momento de descanso, numa piscina DANISH SIDDIQUI / REUTERS
Alunas do ensino superior usam óculos de realidade virtual, durante uma aula DANISH SIDDIQUI / REUTERS
Esta norte-corena trabalha como guarda à entrada de uma fábrica DANISH SIDDIQUI / REUTERS
Hora de ponta na estação Puhung, no metro de Pyongyang ALEXANDER DEMIANCHUK / TASS / GETTY IMAGES
Guarda na estação de Puhung ALEXANDER DEMIANCHUK / TASS / GETTY IMAGES
Autocarro elétrico, numa rua da capital da Coreia do Norte ALEXANDER DEMIANCHUK / TASS / GETTY IMAGES
À espera do autocarro, numa paragem de Pyongyang PYEONGYANG PRESS CORPS / GETTY IMAGES
Na capital norte-coreana, a bicicleta é um meio de transporte popular ALEXANDER DEMIANCHUK / TASS / GETTY IMAGES
Os retratos do avô e do pai do atual líder norte-coreano, Kim Jong-un, proliferam por toda a capital ALEXANDER DEMIANCHUK / TASS / GETTY IMAGES
Convidados de um casamento, com os noivos ao centro, curvam-se diante de duas estátuas em bronze de Kim Il-sung e Kim Jong-il DANISH SIDDIQUI / REUTERS
Ao fundo, a Torre Juche, um dos monumentos icónicos de Pyongyang DANISH SIDDIQUI / REUTERS
Dois turistas tiram uma “selfie”, no miradouro da Torre Juche ALEXANDER DEMIANCHUK / TASS / GETTY IMAGES
A noite cai em Pyongyang, a Torre Juche ilumina-se e, junto ao rio, um homem navega pela internet norte-coreana DANISH SIDDIQUI / REUTERS
A 19 de setembro, muitos habitantes de Pyongyang pararam para fixar atenções em ecrãs que transmitiam notícias sobre a cimeira intercoreana que decorria na cidade. A reunificação é uma esperança permanente Kim WON JIN / AFP / GETTY IMAGES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 25 de setembro de 2018. Pode ser consultado aqui

Moon foi ao Norte, Kim irá ao Sul

Juntos pela terceira vez este ano, os líderes coreanos avançaram na desnuclearização e relançaram o diálogo com os EUA

Cerca de 80 milhões de coreanos — do Norte e do Sul, sem distinção — iniciam amanhã uma época festiva. Durante três dias, as famílias reúnem-se para celebrar o Chuseok, dia de ação de graças. Recuperam-se tradições gastronómicas e histórias antigas e, em especial, recordam-se os antepassados com saudade e respeito.

Na zona de Lisboa a comunidade coreana agendou esta comemoração para o próximo sábado, dia 29, com um piquenique, pelo meio-dia, no Parque Municipal do Cabeço de Montachique, em Loures. A viver em Portugal há mais de 30 anos, Byung Goo Kang, de 60, não faltará ao convívio. Além de celebrar a sua cultura, será um momento para partilhar com conterrâneos o que lhe vai na alma sobre as notícias que chegam da Península Coreana.

“Estou muito esperançado”, confidencia ao Expresso. “Esta cimeira presidencial entre as duas Coreias foi bastante diferente das anteriores, em 2000 e 2007. As partes esforçaram-se muito por criar e manter um ambiente de confiança e compromisso para que a paz chegue, por fim, à Península. Claro que na Coreia do Sul há partidos políticos que não estão de acordo com aquilo que o Governo diz ter alcançado. Pessoalmente, quero acreditar nos bons resultados.”

Kim Jong-un e Moon Jae-in, respetivamente líderes das Coreias do Norte e do Sul, reuniram-se esta semana, durante três dias, em Pyongyang, a capital norte-coreana. A terceira cimeira intercoreana do ano confirmou a vontade de um futuro unido e — ao serem acordadas novas medidas no sentido da desnuclearização da Península — contribuiu para aliviar a tensão que vinha minando a aproximação entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte.

DESNUCLEARIZAÇÃO: Medidas práticas, como exige Trump

Pela primeira vez, do diálogo intercoreano saíram passos concretos com vista à desnuclearização da Península. A Coreia do Norte comprometeu-se a encerrar, de forma permanente, o recinto de testes e a plataforma de lançamento de mísseis de Dongchang-ri, “sob a observação de peritos de países relevantes”, diz a Declaração de Pyongyang. Igualmente neutralizadas serão instalações nucleares em Yeongbyeon, se “os EUA tomarem medidas correspondentes de acordo com o espírito da declaração conjunta de 12 de junho”, assinada em Singapura por Kim Jong-un e Donald Trump. O documento não concretiza, mas sabe-se que, para a Coreia do Norte, é prioritário um tratado de paz que se sobreponha ao armistício assinado no fim da Guerra da Coreia (1950-53) e que garanta a segurança do país. “Concordamos em libertar a Península Coreana dos medos da guerra”, afirmou Moon Jae-in. “A Coreia sem nuclear não está longe.”

DESMILITARIZAÇÃO: Aliviar a tensão é a palavra de ordem

As Coreias partilham uma fronteira de quase 250 quilómetros, fortemente vigiada e militarizada. Num acordo complementar à Declaração de Pyongyang, assinado pelos ministros da Defesa, foram adotadas medidas para reduzir a tensão junto à fronteira e criar confiança entre os dois lados. Entre elas está a expansão da Zona Desmilitarizada dos atuais quatro para dez quilómetros de largura. Para prevenir incidentes aéreos, foi estabelecida uma zona de exclusão de 40 quilómetros de largura na zona ocidental da Península e 80 quilómetros a leste. Ficou decidido também o estabelecimento de uma zona-tampão marítima, para impedir confrontos navais, e ainda uma área de pesca conjunta. Os dois países decidiram parar com os exercícios militares perto da Linha de Demarcação Militar (fronteira efetiva) e retirar alguns postos de vigia fronteiriços. Estima-se que, desde a assinatura do Armistício de Panmunjom (1953), norte e sul-coreanos já se tenham envolvido em trocas de fogo 96 vezes. Dias antes da cimeira, Seul e Pyongyang lançaram outra ponte: acabaram com a comunicação por telefone e fax e abriram um escritório de ligação na cidade norte-coreana fronteiriça de Kaesong. Ali funcionários de Norte e Sul falam todos os dias, de olhos nos olhos.

COOPERAÇÃO: Pôr as famílias em contacto e organizar os Jogos Olímpicos

O drama das famílias separadas pela guerra não foi esquecido nesta cimeira. O Presidente sul-coreano é, ele próprio, filho de refugiados do Norte. As Coreias acordaram a abertura de uma “instalação permanente para encontros familiares” e a concretização de um sistema de comunicação através de vídeo para as famílias, impedidas de comunicar por meios próprios. Kim e Moon prometeram arregaçar as mangas para desenvolver ligações terrestres e ferroviárias até ao fim do ano, projetos industriais e turísticos e uma candidatura conjunta aos Jogos Olímpicos de 2032.

REUNIFICAÇÃO: Regresso a um passado com 5000 anos

A Declaração de Pyongyang refere uma única vez a palavra “reunificação”, mas não deixa margem para equívocos em relação ao que as duas Coreias pretendem: “Os desenvolvimentos em curso nas relações intercoreanas levarão à reunificação”, como é “aspiração e esperança de todos os coreanos”. Num discurso de sete minutos no Estádio 1º de Maio, perante 150 mil norte-coreanos, Moon abriu o coração e abordou o assunto: “Vivemos juntos durante 5000 anos e temos vivido separados durante apenas 70 anos. Peço a todos que acabem com essas hostilidades e deem um grande passo na direção da reunificação”, disse, emocionado, o sul-coreano, quarta-feira à noite, após assistir a um megaevento desportivo que envolveu mais de 100 mil participantes. “O Presidente Kim Jong-un e eu trabalharemos de mãos dadas para construir um novo país, com 80 milhões de pessoas na Coreia do Norte e do Sul. Avancemos juntos no sentido de uma nova era.” Moon foi ovacionado de pé. No mesmo dia, já Kim Jong-un anunciara que “em breve” visitará Seul, decisão tomada pelo próprio, que o homólogo sul-coreano encorajou. A confirmar-se, será a primeira visita de um líder da Coreia do Norte ao Sul.

WASHINGTON VOLTA A ABRIR PORTAS A PYONGYANG

Há apenas um ano, quando debutou na Assembleia Geral (AG) das Nações Unidas, Donald Trump ameaçou “destruir completamente a Coreia do Norte”. Uma guerra entre duas potências nucleares parecia iminente e a forma como o Presidente dos Estados Unidos desprezava Kim Jong-un — chamando-lhe “little rocket man” — não tornava previsível o encontro histórico entre ambos, meses depois, em Singapura. Na maratona de discursos que vai marcar o arranque da 73ª AG da ONU, que começa na próxima terça-feira, a intervenção de Trump será necessariamente diferente. “Recebemos notícias muito boas” das Coreias, reagiu o Presidente dos EUA, conhecida a Declaração de Pyongyang. “Reuniram-se e tivemos grandes respostas. Estamos a fazer avanços tremendos em relação à Coreia do Norte.” Em Nova Iorque, à margem da AG, a questão coreana merecerá importantes diligências diplomáticas: terça-feira, têm encontro marcado Trump e o sul-coreano Moon Jae-in; no dia seguinte o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, reúne-se com o seu homólogo norte-coreano, Ri Yong-ho. Se na frente intercoreana o processo de paz flui lento mas contínuo — com abraços cada vez mais fortes e sorrisos cada vez mais abertos entre Moon e Kim —, a presença dos EUA nesta negociação, motivada por razões históricas, pode pôr tudo em causa. Basta um tweet de Trump para deitar tudo por terra.

Artigo publicado no Expresso, a 22 de setembro de 2018

Cimeira de Pyongyang. Conversas coreanas para Trump ouvir

Os líderes das duas Coreias estão reunidos em Pyongyang para uma cimeira de três dias. Mais uma oportunidade para Kim Jong-un e Moon Jae-in tentarem desbravar caminho no sentido da desnuclearização da Península e recordarem ao mundo que a Coreia é uma só nação, dividida por dois sistemas políticos

Kim Jong-un e Moon Jae-in reuniram-se, esta terça-feira, pela terceira vez em quase cinco meses. Mas se nos dois breves encontros anteriores — a 27 de abril e a 26 de maio, na zona desmilitarizada entre as duas Coreias — bastou que os líderes norte e sul-coreanos apertassem a mão para que as cimeiras fossem um sucesso, desta vez os três dias reservados ao diálogo, em Pyongyang, indiciam que Kim e Moon têm sobre a mesa algo mais desafiador… e que precisam de mais tempo para tentar tirar do caminho obstáculos que estão a bloquear o processo de paz na Península da Coreia.

“Anteriormente, apenas o facto de termos um encontro entre os dois líderes coreanos significava um avanço político notável. Havia um valor simbólico que era fundamental para iniciar o aprofundamento das relações entre as duas Coreias”, diz ao Expresso Rui Faro Saraiva, professor de Ciência Política na Universidade de Hosei, em Tóquio (Japão). “Assegurada alguma confiança mútua, e depois do encontro entre Kim e o Presidente dos EUA [na Cimeira de Singapura, a 12 de junho], agora há espaço para uma reunião mais alargada.”

Espaço e urgência, já que apesar do diálogo fluir na frente intercoreana, o processo de aproximação entre Coreia do Norte e Estados Unidos marca passo. Esse é um dos dossiês que estão em discussão na Cimeira de Pyongyang, juntamente com a desnuclearização da Península e a cooperação Norte-Sul.

Quebrado o gelo após sete décadas de costas voltadas, EUA e Coreia do Norte têm, porém, expectativas diferentes em relação ao passo seguinte. Washington quer que Pyongyang aplique medidas concretas no sentido do desmantelamento do seu programa nuclear. Já a Coreia do Norte — para quem a implosão do sítio de testes nucleares de Punggye-ri, em maio, foi uma demonstração de boa fé — quer ver assinado um tratado de paz que substitua o armistício de 1953, que ponha um ponto final à Guerra da Coreia e afaste de vez da Península o fantasma do conflito.

A falta de entendimento, levou Trump a cancelar a viagem a Pyongyang do seu secretário de Estado, Mike Pompeo, prevista para finais de agosto. “A prioridade desta cimeira é perceber quais os passos específicos que devem ser dados para que se chegue a um terreno comum entre o Norte e os EUA”, disse Moon Jae-in, antes de partir para Pyongyang. “Temos de conciliar a exigência do Norte sobre o fim da relação hostil com os EUA e aquilo que os EUA podem oferecer em termos de garantias de segurança como condição para a desnuclearização.”

Moon, o mediador

Independentemente do que conseguir negociar com o homólogo norte-coreano, o Presidente da Coreia do Sul tem já um encontro apalavrado com Donald Trump, ainda este mês, à margem da Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque, onde irá pô-lo ao corrente da margem para cedências de Kim Jong-un. “Nesta cimeira, Moon Jae-in funciona como uma espécie de mediador entre EUA e Coreia do Norte, particularmente no que toca ao tema da desnuclearização”, diz Rui Faro Saraiva. “Mas não podemos reduzir o seu papel a um mero interlocutor ou mediador. Os problemas que se discutam nesta cimeira afetam diretamente os coreanos do Norte e do Sul, que partilham a mesma língua, a mesma cultura e a mesma história até 1945. É bom não esquecer que a Coreia é uma nação dividida em dois sistemas políticos.”

Esta terça-feira, à chegada a Pyongyang, cerca das 9h50 da manhã (mais oito horas do que em Portugal Continental), Moon Jae-in tinha o seu homólogo à espera, na pista do Aeroporto Internacional de Sunan. Ultrapassados os cerimoniais militares, entraram num Mercedes preto e, com os corpos de fora do tejadilho, desfilaram por Pyongyang, saudados nas bermas por milhares de pessoas sorridentes, vestidas com trajes coloridos, acenando com bandeiras da Coreia do Norte e da Coreia Unificada. Pelas 3h45 da tarde, começaram as conversações formais, que continuarão na quarta-feira.

Olhos nos olhos, todos os dias

“As Coreias pretendem continuar a atenuar tensões militares e chegar a um acordo que estabeleça a confiança entre os dois Estados e previna confrontos a nível militar”, acrescenta o académico português. Nesse sentido, na sexta-feira passada, os dois países acabaram com a comunicação bilateral por telefone e fax e abriram um gabinete junto à fronteira, na cidade norte-coreana de Kaesong — em cujo complexo industrial os sul-coreanos já colaboram —, onde cerca de 20 funcionários de cada lado passarão a estar diariamente, olhos nos olhos, em constante comunicação.

“Para além da centralidade de questões militares, a dimensão económica é muito importante para Pyongyang”, recorda Rui Faro Saraiva, “por isso Moon Jae-in levou, na sua comitiva, executivos de conglomerados empresariais” — os chamados “chaebol”, um conjunto de negócios em torno de uma empresa-mãe, normalmente controlada por famílias. A presença, na Coreia do Norte, de gestores da Samsung, LG, Hyundai e do grupo SK, será do agrado de Kim Jong-un que suspira pelo fim das sanções ao seu país.

“A presença destes executivos é um gesto simbólico, uma vez que o alívio de sanções económicas internacionais, que é vital para o aprofundamento da cooperação económica entre as Coreias, depende da resolução ou do progresso da questão da desnuclearização da Península — e da ‘boa-vontade’ dos Estados Unidos. É um conjunto de promessas importantes para serem servidas à mesa das negociações onde o ‘prato principal’ é a desnuclearização e outras questões militares.”

Enquanto os dois líderes se empenhavam nas negociações políticas, as primeiras-damas — a norte-coreana Ri Sol-ju e a sul-coreana Kim Jung-sook — cumpriram um programa paralelo que as levou ao Hospital Infantil Okryu e ao Conservatório Kim Won Gyun, um lugar especial para ambas. No passado, Ri cantou, como solista, na Orquestra Unhasu e Kim estudou Canto e fez parte do Coro Metropolitano de Seul — experiências que lhes permitem perceber que, política à parte, norte e sul-coreanos podem cantar a mesma canção.

Artigo publicado no Expresso Online, a 18 de setembro de 2018. Pode ser consultado aqui

As imagens da grande festa coreana em Pyongyang

O Presidente da Coreia do Sul foi recebido, esta terça-feira, em Pyongyang, pelo homólogo norte-coreano e milhares de pessoas nas ruas. Sobressaíram sorrisos, flores, vestes coloridas e… a bandeira da Coreia Unificada. A cimeira entre Moon Jae-in e Kim Jong-un decorre durante três dias, na capital da Coreia do Norte

Muita cor nas ruas da capital norte-coreana REUTERS
A bandeira da Coreia Unificada no Aeroporto Internacional de Sunan, onde aterrou o avião que transportou o líder sul-coreano REUTERS
Milhares de norte-coreanos vestidos para um dia especial GETTY IMAGES
Momento do brinde entre os dois Presidentes, durante o banquete REUTERS
Quilómetros de estrada, filas intermináveis de gente preparada para saudar o líder sul-coreano REUTERS
Os dois casais presidenciais, na tribuna do Grande Teatro de Pyongyang REUTERS
Norte-coreanos a perder de vista, entre arranha-céus em Pyongyang GETTY IMAGES
A bandeira da Coreia Unificada projetada durante a atuação da Orquestra Samjiyon, espetáculo a que assistiram os dois Presidentes REUTERS
Passeios cheios de pessoas para receber Moon Jae-in, na sua primeira visita à Coreia do Norte REUTERS
A azul, à direita, o mapa da Coreia Unificada, um sonho partilhado pelos dois lados da Península Coreana GETTY IMAGES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 18 de setembro de 2018. Pode ser consultado aqui

Regresso de Obama à política é um presente envenenado

Protagonismo do ex-Presidente adia renovação do Partido Democrata e ajuda Trump

Retrato oficial de Barack Obama, no seu primeiro mandato PETE SOUZA / WIKIMEDIA COMMONS

Barack Obama está de volta aos palcos da política americana. Trata-se de uma boa notícia para quem aprecia os dotes de tribuno do ex-Presidente (2009-2017) e a sua personalidade carismática, mas não é necessariamente tão boa para… o seu próprio partido. “Há uma urgência entre os democratas de prepararem uma estratégia forte e vencedora para travar a reeleição de Donald Trump em 2020. E ainda não se percebe que estratégia é essa”, comenta ao Expresso o analista de política americana Germano Almeida. “Por muitas saudades que quem gostava de Obama sinta dele, não é positivo que esse sentimento se prolongue com o próprio no grande palco. É preciso que surjam novas vozes democratas. E sempre que Obama fala está a atrasar esse processo de renovação.”

O 44º Presidente dos EUA retomou a atividade política no início de agosto, dando apoio público às candidaturas de 81 democratas, de 13 estados, às eleições para o Congresso de 6 de novembro (ver caixa). “Confio que, juntos, possam fortalecer este país que amamos, recuperando oportunidades, consertando as nossas alianças e posicionando-nos no mundo, e preservando o nosso compromisso fundamental com a justiça, a responsabilidade e o estado de direito. Mas, primeiro, precisam dos nossos votos.” Está prevista uma segunda leva de apoios para mais tarde.

A reentrada foi confirmada sábado passado, com um discurso na Universidade de Illinois, onde Obama se referiu aos “tempos extraordinários” e “perigosos” que vivemos. “Isto não começou com Trump. Ele é um sintoma, não a causa. Ele está apenas a capitalizar os ressentimentos que os políticos têm atiçado durante anos”, disse. “Mas a boa notícia é que dentro de dois meses teremos a oportunidade — não a certeza, mas a oportunidade — de restaurar alguma aparência de sanidade na nossa política.”

Após quase 20 meses de Trump na Casa Branca, “Obama está preocupado”, continua Almeida, autor de dois livros sobre o ex-Presidente (“Histórias da Casa Branca”, 2010 e “Por Dentro da Reeleição”, 2013). “Foi um Presidente singular em muitas coisas — pela sua cor e juventude, pela sua origem — e conseguiu ganhar. E foi também dos poucos presidentes com uma preocupação em relação à História norte-americana, ao legado, preocupação por estudar os seus antecessores. Tem a noção da gravidade que representa o facto de lhe ter sucedido Donald Trump”, de perfil empresarial, nada político nem intelectual, que ainda em 2015 produzia e apresentava um reality-show (“The Apprentice”).

Obama falava, Trump adormeceu

“Esta intervenção de Obama não tem que ver com ambições pessoais de voltar à grande cena política”, continua Almeida. “Não há uma tradição, na política norte-americana, de um ex-Presidente voltar a um cargo. Há uma limitação que vem do tempo de Franklin D. Roosevelt [que foi eleito quatro vezes], segundo a qual ex-Presidentes que tenham feito dois mandatos não voltam sequer a tentar ser reeleitos. A ambição de Obama não é essa. Mas há uma clara leitura da parte dele de que estes estranhos tempos ‘trumpianos’ são tão excecionais que talvez o forcem a ter uma intervenção na sociedade civil e na vida política maiores do que é normal num ex-Presidente.”

Às palavras de Obama na Universidade de Illinois — onde, pela primeira vez desde que deixou a Casa Branca, se referiu explicitamente a Trump —, o atual Presidente dos Estados Unidos, cuja principal característica parece ser ‘destruir tudo o que Obama construiu’, reagiu a contento dos fãs: “Eu vi [o discurso], mas adormeci”, disse no Dakota do Sul, durante uma ação de campanha de recolha de fundos visando a sua reeleição, em 2020.

“Trump explora bem os sentimentos mais primários da sua base ao ridicularizar e atribuir a Obama uma suposta intelectualização desligada do mundo real”, comenta Germano Almeida, que está a ultimar um livro sobre Donald Trump. Na cabeça do magnata, o mundo real é o seu.

Candidato ‘fora da caixa’

Trump ainda não cumpriu meio mandato, mas já anunciou a candidatura a um segundo. No campo democrata, o rosto que lidera as preferências às presidenciais de 2020 é o de Bernie Sanders, senador do Vermont que perdeu as últimas primárias para Hillary Clinton. “Os democratas têm um problema geracional”, defende Almeida. “Nas sondagens sobre quem irá ser o candidato democrata, a média de idades é assustadora, acima dos 70 anos. Em 2020, Sanders terá 79 anos. Joe Biden, que foi vice-presidente de Obama e surge em segundo lugar, terá 77. Em alguns estudos, Hillary Clinton aparece com algumas condições para ser candidata, mas por tudo o que aconteceu não vai tentar uma terceira vez”, palpita.

“Os democratas estão a ser vítimas do êxito dos anos Obama e do facto de Hillary ter sido herdeira dos anos Obama e Clinton. Duas grandes estrelas dominaram o partido nas últimas décadas: Obama e os Clintons. No dia 8 de novembro de 2016, ambas terminaram a sua carreira política: Obama por limitação de mandatos e Hillary pela derrota. E assim os democratas atrasaram a sua renovação.”

Escolher um candidato pode implicar, para os democratas, pensar ‘fora da caixa’. “Talvez não serem tão convencionais e clássicos. Os republicanos abriram essa caixa de Pandora ao nomearem alguém como Trump, sem passado político e que dizia mal dos políticos”, recorda o analista. No universo democrata, potenciais candidatos com um perfil mais empresarial são Howard Schultz, jubilado em junho da liderança da Starbucks, e o multimilionário Michael Bloomberg, autarca de Nova Iorque entre 2002 e 2013 (fez dois mandatos como republicano e o terceiro como independente).

O jornal britânico “The Times” escreveu esta semana que o antigo mayor quer concorrer pelo Partido Democrata (a que já pertenceu no passado) em 2020, quando tiver 78 anos. Há três meses, aplicou 80 milhões de dólares (69 milhões de euros) da sua fortuna pessoal na campanha de novembro, para tentar inverter a maioria republicana no Congresso — etapa crucial da estratégia democrata para recuperar a Casa Branca.

CONGRESSO: ‘A BATALHA DAS MIDTERMS’

A 6 de novembro, os americanos vão a votos nas midterms, assim chamadas por serem eleições para o Congresso a meio do mandato do Presidente. Em causa está a eleição dos 435 assentos da Câmara dos Representantes (câmara baixa) e de um terço do Senado (33 de 100 lugares da câmara alta). Hoje os republicanos são maioritários: 236 contra 193 democratas na Câmara (há seis lugares vagos) e 51 contra 49 no Senado. Na Câmara os democratas têm muito a ganhar, por serem minoritários, mas no Senado têm muito a perder: dos 33 lugares que vão a jogo, 25 estão ocupados por democratas e só oito por republicanos, havendo ainda eleições especiais para substituir um democrata e um republicano que se demitiram. Para os democratas capitalizarem no Senado têm de defender os seus 25 e conquistar alguns aos republicanos.

Artigo publicado no Expresso, a 15 de setembro de 2018 e republicado no “Expresso Online”, no mesmo dia. Pode ser consultado aqui