Elegem a mentira como arma política e valorizam mais a perceção que têm do mundo do que os factos. Donald Trump e Jair Bolsonaro parecem alunos da mesma escola. O Expresso ouviu três estudiosos da governação do norte-americano e confrontou-os com o fenómeno Bolsonaro. Há mais diferenças do que semelhanças, concordam. Mas as frases de ambos são parecidas

Exploração do ódio e de notícias falsas (“fake news”) para fins eleitorais, narrativa anti-media e anti-sistema, discurso intolerante, populista e demagógico. As semelhanças entre Donald Trump e Jair Bolsonaro são óbvias, mas há mais diferenças do que, à primeira vista, se pode pensar.
“Trump é um extremista sonso: insulta, depois diz que não insultou e culpa os media por terem deturpado o que disse de forma inequívoca”, explica Germano Almeida, autor do livro “Isto não é bem um Presidente dos EUA” (Prime Books), que chegará às bancas na segunda semana de novembro. “Bolsonaro é pior: mais gráfico na violência, mais assumido na rejeição do sistema e das regras democráticas, mais demagógico no populismo, ainda mais primário no discurso.”
Recentemente, numa entrevista à BBC Brasil, Steve Bannon, que liderou a campanha de Donald Trump e foi o grande mentor do discurso nacionalista do magnata, não poupou nos adjetivos a Bolsonaro: “líder”, “brilhante”, “sofisticado”. “Muito parecido” com Trump.
Durante meses, no Brasil, especulou-se sobre se Bannon iria integrar a equipa de Bolsonaro. Para esse ruído muito contribuiu um tweet de um dos filhos do ex-militar, após um encontro em Nova Iorque. “Foi um prazer conhecer Steve Bannon, estratega na campanha presidencial de Donald Trump. Tivemos uma ótima conversa e partilhamos a mesma visão do mundo. Ele afirmou-se um entusiasta da campanha de Bolsonaro e ficamos em contacto para unir esforços, especialmente contra o marxismo cultural.”
It was a pleasure to meet STEVE BANNON,strategist in Donald Trump's presidential campaign.We had a great conversation and we share the same worldview.He said be an enthusiast of Bolsonaro's campaign and we are certainly in touch to join forces,especially against cultural marxism. pic.twitter.com/ceHoui6FH5
— Eduardo Bolsonaro🇧🇷 (@BolsonaroSP) August 4, 2018
É o próprio Bolsonaro quem diz ser “uma espécie de discípulo de Donald Trump”, recorda Diana Soller, autora do livro “O método no caos” (Dom Quixote), juntamente com Tiago Moreira de Sá. “Ele é o primeiro a dizer que está a seguir as pisadas de Trump para conquistar a presidência do Brasil. Diz, inclusive, que está disposto a mudar profundamente a política externa brasileira no sentido de uma aliança com os Estados Unidos.”
Aproveitando momentos de fragilidade social nos respetivos países, Trump e Bolsonaro, dois estranhos à política — o segundo um deputado federal desde 1991 sem trabalho digno de nota —, lançaram-se numa escalada do poder, “dizendo aos respetivos povos que vão fazer as mudanças por que eles verdadeiramente anseiam”, diz Diana Soller. “No fundo, dizem às pessoas aquilo que elas querem ouvir”, independentemente da honestidade com que o fazem.
“Trump pintou os EUA muito piores do que, na realidade, eles são. A América não precisa de ser ‘grande outra vez’ porque nunca deixou de o ser. Bolsonaro só precisou de surfar a onda do medo e da raiva, porque, na verdade, a coisa no Brasil ‘está mesmo preta’”, acrescenta Germano Almeida. “Trump assusta porque é Presidente da maior potência do mundo. Mas o sucesso de Bolsonaro é ainda mais assustador e difícil de compreender.”
Eduardo Paz Ferreira, autor do livro “Os anos Trump — O mundo em transe” (Gradiva), recentemente editado, não se alarga nas parecenças entre o chefe de Estado norte-americano e o candidato da extrema-direita brasileira. “Muitas táticas eleitorais, das ‘fake news’ à manipulação das redes sociais, foram comuns, mas eu não levaria muito mais longe as semelhanças.”
E explica porquê: “O Brasil [uma democracia desde 1985] é um país castigado pela mais profunda miséria, onde os coronéis foram sempre o rosto da democracia ou então os generais nos tempos da ditadura. Nos Estados Unidos [uma democracia desde a Declaração da Independência, em 1776] há uma tradição democrática, que passa por um período especialmente mau, mas que é difícil admitir que possa ser totalmente extinta.”
A consolidação dos valores democráticos num e noutro país pesam no perfil dos dois líderes. “Trump, apesar de ser um conservador de uma espécie populista muito diferente que responde a um eleitorado que costumava ter pouca expressão, não deixa de ser um democrata”, constata Diana Soller. “Bolsonaro, por várias vezes, disse sentir uma grande nostalgia da ditadura militar. Tendo em conta a tradição da América Latina, não será surpreendente se Bolsonaro tentar transformar as instituições brasileiras de forma a ter cada vez mais poder. E isto Trump não tem tentado fazer.”
“A vida dos ditadores está muito facilitada”, conclui Eduardo Paz Ferreira. “Veja-se o exemplo de Rodrigo Duterte, nas Filipinas, e outros amigos do Presidente norte-americano”. O mais recente deles é o norte-coreano Kim Jong-un. Poderá Jair Bolsonaro ser o próximo?
Este domingo, Diogo Freitas do Amaral – fundador do CDS – classificou Jair Bolsonaro com “fascista”, numa entrevista ao Diário de Notícias e à TSF, depois de questionado sobre o que está a passar no Brasil. “Acho que é altura sem excessivo alarmismo, sem excessiva precipitação, de começar a chamar os bois pelos nomes: isto é fascismo. Não lhe chamem populismo, que até pode parecer uma coisa simpática. É extremismo, sim. Extremismo de direita, sim. Logo, é fascismo. São autoritários, elogiam a violência, condenam os direitos das mulheres…” E alertou para os três fatores que podem contribuir para o regresso das ditaduras: debilidade dos governos democráticos, crise económica e medo do comunismo.

O QUE ELES DISSERAM DE…
Apesar das diferenças apontadas pelos especialistas, há frases dos dois candidatos que os aproximam nas opiniões e nas atitudes.
MULHERES
Trump — “Agarra-las pela vagina”, disse quando lhe perguntaram como gosta de lidar com mulheres bonitas.
Bolsonaro — “Não vou estuprar você porque você não merece”, afirmou na Câmara dos Deputados à ex-ministra Maria do Rosário.
IMIGRANTES
Trump — “Por que todas essas pessoas desses países merdosos vêm parar aqui?”
Bolsonaro — “A escória do mundo tá chegando aqui no nosso Brasil como se nós já não tivéssemos problemas demais para resolver.”
ARMAS
Trump — “Não quero armar todos os professores. Quem nunca pegou numa arma não o vai fazer. Podem ser 10 ou 20%.”
Bolsonaro — “Todo o vagabundo tá armado! Só falta o cidadão de bem!”
IMPRENSA
Trump — “Vocês são fake news!”, dirigindo-se a um repórter da CNN.
Bolsonaro — “A Folha de S. Paulo é o maior fake news do Brasil. Vocês não terão mais verba publicitária do Governo.”
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 28 de outubro de 2018. Pode ser consultado aqui