A cerca de 20 meses das próximas presidenciais, já há candidatos a percorrer os Estados Unidos de microfone na mão a tentar convencer eleitores. O ódio a Donald Trump espicaçou em especial os democratas, que já têm em marcha 17 candidaturas
Nos Estados Unidos, a corrida às eleições presidenciais de 2020 conta já com 18 atletas. Donald Trump foi quem primeiro se apresentou em pista, ao formalizar essa pretensão exatamente no mesmo dia em que tomou posse como 45º Presidente dos Estados Unidos, 20 de janeiro de 2017. A confiança de Trump na reeleição explodiu este fim de semana, conhecidas as conclusões do procurador especial Robert Mueller que apontam para a inexistência de provas claras de conluio entre a campanha de Trump e a Rússia, nas eleições de 2016.
No seu sítio na Internet, Trump não desperdiçou a oportunidade para tirar benefícios desta vitória. Mal se abre a página do seu sítio na Internet, salta um “pop-up” que diz: “Não houve conluio & exoneração completa. Os democratas ganharam milhões com uma mentira. Agora vamos responder! Façam a vossa doação na próxima hora e vamos quadruplicar [as contribuições dos democratas]! Contribuam já.”
“Estão a aproveitar a onda ‘No Collusion’ [Não houve conluio] para mobilizar os republicanos em torno de Trump”, comenta ao Expresso o analista de política americana Germano Almeida. “‘No Collusion’ passa a ser uma espécie de slogan da recandidatura” — e possivelmente irá ser repetido por Trump até à exaustão no comício desta quinta-feira na cidade de Grand Rapids, Michigan.
Na corrida pela reeleição, Trump tem já 17 concorrentes, 16 deles afetos ao Partido Democrata. (Nas fotogalerias abaixo, os 18 surgem pela ordem em que anunciaram candidatura.) Germano Almeida destaca três nomes. À cabeça, o veterano Bernie Sanders, o senador do Vermont que em 2016 quase derrotou Hillary Clinton nas primárias democratas. “Sanders tem muita notoriedade e uma base mobilizada. Mas é demasiado à esquerda e fará 80 anos a meio do mandato.”
No pólo oposto da veteranice, há sangue novo com um poder mobilizador crescente. Por um lado, Beto O’Rourke, que nas últimas eleições para o Congresso, a 6 de novembro de 2018, quase derrotou o republicano Ted Cruz no Texas, um dos estados mais conservadores, na disputa para o Senado. “É talvez o candidato mais carismático e com maior potencial de crescimento. Sendo do Sul, pode ser a melhor hipótese para fazer a ponte entre os radicais e a ala moderada e pragmática.”
Por outro lado, uma das seis mulheres que estão na corrida à Casa Branca. “Kamala Harris, senadora da Califórnia, arrancou muito forte a agarrar temas caros à base democrata. É muito bem preparada e consegue atrair a atenção mediática. Tem história pessoal e familiar poderosa e consegue aliar uma agenda de esquerda com um discurso credível, sem cair no radicalismo. Será talvez a favorita não assumida de Barack Obama.”
No campo republicano, Donald Trump tem, para já, apenas um concorrente: Bill Weld, um advogado que foi governador do Massachusetts e candidato à vice-presidência nas eleições de 2016, ao lado de Gary Johnson, pelo Partido Libertário.
A batalha mais acesa trava-se, pois, entre democratas. E a mais de ano e meio das eleições — agendadas para 3 de novembro de 2020 —, poderão ainda surgir mais candidatos. “Está tudo à espera de Joe Biden”, diz Germano Almeida, autor do livro “Isto não é bem um Presidente dos EUA” (Prime Books, 2018).
Vice-presidente de Barack Obama nos dois mandatos (2009-2017) e senador pelo Delaware durante mais de 30 anos (1973-2009), Biden é “um dos poucos pesos-pesados que restam na alta política americana. Como tem níveis de notoriedade muitíssimo superiores a todos os outros, surge neste momento muito à frente nas primeiras sondagens.”
Esta quinta-feira, Biden surge a liderar destacado uma sondagem da Universidade Quinnipiac (Connecticut) sobre a nomeação democrata, com 29% das preferências de voto. É seguido por Bernie Sanders (19%), Beto O’Rourke (12%) e Kamala Harris (8%).
Na última sondagem nacional, realizada pela conservadora Fox News e divulgada no domingo — e que ainda não contempla o efeito “No Collusion” —, Biden bate Trump por uns claros 47% contra 40%. “Neste fase do processo, em que os candidatos ainda não tiveram oportunidade de se dar a conhecer verdadeiramente, é normal que sobressaia quem já é conhecido há mais tempo. E, nesse plano, Joe Biden e Bernie Sanders têm grande vantagem sobre todos os outros.” Na sondagem da Fox, Sanders também vence Trump, por 44% contra 41%.
Perante a confiança intacta em Biden, seria de todo impossível uma repetição da dupla Obama-Biden, desta vez com papeis invertidos? “Legalmente sim, realisticamente não”, explica o comentador. “Nem Barack Obama aceitaria a descida de posto nem isso seria bom para Joe Biden. Seria a condenação do nomeado [Biden] a um rótulo de ‘marioneta’ do verdadeiro candidato desejado [Obama].”
Apesar dos bons números, uma eventual candidatura de Joe Biden não está isenta de riscos. Na semana passada, a televisão norte-americana CNBC dava conta da hesitação de alguns doadores democratas, pelo menos numa primeira fase. A coberto do anonimato, um financeiro multimilionário afirmava: “Penso que com Biden há um sentimento de ‘Eu gosto dele, é mesmo um bom tipo’, mas seria candidato numa altura em que um branco de 76 anos pode não ser aquilo que os eleitores desejam.”
“Os democratas terão de refletir se querem correr o risco de escolher alguém que terá 78 anos à data da tomada de posse para o primeiro mandato — e que percorre os corredores do poder em Washington há quase tantos anos quantos os que Beto O’Rourke tem de vida”, comenta Germano Almeida. “A escolha dos democratas será muito geracional.”
Na segunda-feira, Jennifer O’Malley Dillon surgiu nas notícias como a mais recente contratação de Beto O’Rourke para a sua equipa de estrategas. Com trabalho feito em cinco campanhas presidenciais, foi vice-diretora da primeira campanha de Obama, em 2012. Desta vez, diz alinhar com o candidato do Texas porque representa “uma nova geração de líderes de que precisamos”.
Sendo importante, a idade não explica tudo. Bernie Sanders é mais velho do que Biden e, nas 24 horas seguintes a anunciar que ia a votos, conseguiu angariar 5,9 milhões de dólares (5,2 milhões de euros) — neste capítulo, o campeão foi Beto O’Rourke que amealhou 6,1 milhões de dólares (5,4 milhões de euros).
“Se um dos grandes problemas de Hillary em 2016 foi ser ‘demasiado conotada’ com o poder estabelecido e ‘mais do mesmo’ do que se tinha passado em Washington, será mesmo inteligente escolher, para travar uma repetição do triunfo de Trump, alguém que faz parte do ‘establishment’ há mais de 40 anos?”, questiona Germano Almeida.
Perante a pulverização democrata, Kamala Harris e Beto O’Rourke são os únicos que conseguem acompanhar os veteranos Biden e Sanders com sondagens nacionais acima dos dois dígitos. “Dão mostras de terem enorme margem de crescimento”, diz o analista. “Kamala mais à esquerda de Beto. Beto proveniente do Sul e mais forte em zonas da América rural, com melhor desempenho em ‘território Trump’ e Kamala mais urbana e ligada a estados onde os democratas tradicionalmente dominam. Kamala mais forte entre os negros, Beto mais forte entre brancos e homens (dois segmentos em que Hillary falhou e em que os democratas terão de fazer melhor em 2020). Ambos fortes entre os jovens, as mulheres e os latinos.” Fortes também num campo que, geralmente, é determinante para o desfecho de uma eleição presidencial nos Estados Unidos: “o fator novidade”.
(IMAGEM PIXABAY)
Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 28 de março de 2019. Pode ser consultado aqui































