Os guardiões das florestas só querem que os deixem sós

Serão uns 370 milhões em todo o mundo. Vivem do que a natureza lhes dá e dela extraem curas para as suas maleitas. Os indígenas são dos povos mais vulneráveis à face da Terra. Ao Expresso, uma ativista da Survival International denuncia a apropriação ilegal de terras. E diz temer pelas tribos do Brasil

Sergio Rojas Ortiz sabia que tinha a cabeça a prémio. Já tinha tido um primeiro aviso em 2014, quando escapou ileso a uma rajada de oito tiros. No passado dia 18 de março, a sorte foi diferente. Era já noite escura quando este costa-riquenho de 55 anos foi surpreendido no segundo andar de sua casa, no território indígena de Salitre, e alvejado com 15 tiros. A sua morte foi noticiada em todo o mundo.

Ortiz era um conhecido líder bribri, um dos povos indígenas da Costa Rica. Horas antes de ser executado, deslocara-se ao município de Buenos Aires, na província de Puntarenas, para acompanhar uma denúncia apresentada na procuradoria local por usurpação de terras, ameaças e ataques direcionados ao povo bribri. A Frente Nacional de Povos Indígenas da Costa Rica (Frepani) responsabilizou o Governo do Presidente Carlos Alvarado Quesada pela morte de Ortiz.

“Em muitos países, empresas mineiras, madeireiras, agrícolas e agroindustriais invadiram e/ou roubaram terras indígenas com a conivência governamental”, acusa ao Expresso Fiona Watson, da organização não-governamental Survival International. “Nalguns países, como o Brasil, há muita apropriação de terras. Especuladores, muitas vezes com o apoio de políticos locais, apoderam-se de terras indígenas ilegalmente e vendem-nas, depois de saquearem os recursos.”

Na sexta-feira passada, fez-se história no Equador. Os Waorani venceram na Justiça um processo contra três organismos governamentais que efetuaram um processo de consulta deficiente à comunidade antes de disponibilizarem as terras indígenas num leilão internacional para exploração de petróleo. O tribunal decretou a suspensão imediata da vendas das terras e, com essa decisão, estabeleceu um precedente importante que irá proteger todas as outras tribos que vivem na floresta amazónica do sul do país. “Os interesses petrolíferos do Governo não têm mais valor do que os nossos direitos, as nossas florestas, as nossas vidas”, reagiu Nemonte Nenquimo, representante dos Waorani.

Um homem da tribo Pataxo Ha-ha-hae patrulha a área da sua comunidade MAURO PIMENTEL / AFP / GETTY IMAGES

A diretora de Campo e Pesquisa da Survival International coloca os interesses económicos à frente das alterações climáticas no rol de ameaças às populações indígenas. “Projetos de desenvolvimento megalómanos muitas vezes financiados pelo Banco Mundial ou pela União Europeia, como barragens hidroelétricas, ou projetos como o Grande Carajás [um plano de exploração mineira que se estende por mais de 900 mil km2, ou seja, um décimo do território brasileiro], abriram muitos territórios indígenas a estradas, projetos de colonização e à exploração madeireira. Os impactos foram e continuam a ser devastadores.”

E com a mesma naturalidade com que aponta o dedo a governos, a ativista denuncia a cumplicidade de organizações ambientalistas como a World Wide Fund (WWF), a Conservation International, a Wildlife Conservation Society (WCS) e a African Parks. “Têm uma longa história de expulsão de populações indígenas das suas terras ancestrais para criar parques ou delimitar áreas em nome da proteção ambiental.”

Nos Camarões, por exemplo, guardas financiados pelo WWF ameaçam os pigmeus Baka que tentam entrar na floresta de onde foram expulsos em busca de comida. Na Índia, há indígenas expulsos de reservas de tigres ao mesmo tempo que as autoridades encorajam o turismo e a caça de animais de grande porte nessas áreas.

Famosas áreas protegidas como o Yellowstone (EUA), o Serengeti (Tanzânia) ou a Amazónia (Brasil) são terras ancestrais de milhões de pessoas que as têm estimado e protegido ao longo de gerações. São também alvo de uma cobiça crescente.

Membros de uma comunidade indígena perto de Brumadinho, a cidade brasileira devastada pelo rebentamento de uma barragem, em janeiro ADRIANO MACHADO / REUTERS

As Nações Unidas estimam que, atualmente, existam 370 milhões de indígenas espalhados por 90 países. Correspondem a menos de 5% da população mundial mas a 15% dos mais pobres.

Herdeiras e praticantes de culturas únicas, mais de 100 tribos vivem exclusivamente do que a natureza lhes dá. Verdadeiras guardiãs das florestas, são as suas melhores conservadoras e protetoras, funcionado como barreiras ao avanço das atividades de desflorestação.

“Necessitamos do conhecimento indígena e precisamos de o compreender e valorizar. Eles são botânicos e zoólogos incríveis e desenvolveram os seus próprios medicamentos e métodos de cura eficazes baseados em plantas e animais”, explica Fiona Watson. “Dados científicos demonstram, cada vez mais, a importância do conhecimento dos povos indígenas na conservação da biodiversidade e das florestas, o que ajuda a atenuar o aquecimento global e os impactos das alterações climáticas.”

Indígena da tribo Uru-eu-wau-wau banha-se nas águas da reserva, na aldeia de Alto Jaru, Brasil UESLEI MARCELINO / REUTERS

Essa autossuficiência em relação à natureza não é absoluta nem a ativista a encara como um fundamentalismo. “Muitos indígenas também encaram a medicina ocidental como algo importante e desejam ter acesso a ela”, diz. “Uma vez, um xamã Yanomani [um xamã é alguém a quem se atribui poderes mágicos, curativos ou divinos] disse-me que a sua tribo pode curar as doenças das florestas mas não as doenças que os brancos introduziram nos últimos 50 anos, como o sarampo, a gripe, a malária e a tuberculose.”

O contacto com pessoas exteriores à comunidade expõe tribos inteiras à possibilidade de contraírem doenças para as quais não têm resistência. Daí o perigo de atos aventureiros como o do norte-americano John Allen Chau, que, em novembro passado, tentou entrar em território dos Sentinelas — nas Ilhas Andamão (de soberania indiana), no oceano Índico — e que acabou assassinado pelos indígenas.

Há muito que os Sentinelas tinham feito sentir que os forasteiros não eram bem vindos. Numa das poucas fotografias tiradas a membros da comunidade, em 2004, vê-se um indígena de arco e flecha na mão apontados a um helicóptero da guarda costeira indiana. Este intruso aéreo andava por ali a averiguar eventuais danos sofridos pelos Sentinelas após o devastador tsunami que varreu as costas do Índico.

Membros de uma aldeia isolada, no estado do Acre, oeste do Brasil. Um dos indígenas aponta uma flecha ao “intruso” aéreo WIKIMEDIA COMMONS

“O maior perigo que ele representava para os Sentinelas — que são provavelmente a tribo mais isolada do mundo — era a introdução de doenças. Uma simples constipação pode facilmente dizimar uma tribo isolada, que não desenvolveu imunidade a vírus da gripe, do sarampo e da varicela. O contacto, que muitas tribos têm desesperadamente tentado evitar desde há muitos anos, resulta inevitavelmente na introdução de tais doenças”, alerta a ativista.

Qualquer missão de contacto com populações isoladas é altamente perigosa, sem que seja possível controlar o seu resultado. “Na Amazónia, há muitos exemplos de populações afetadas ao primeiro contacto. Algumas nunca recuperam”, recorda a ativista. “E mesmo quando o contacto foi planeado e executado por autoridades competentes, o impacto na saúde tem sido subestimado, resultando em epidemias, morte e trauma social.”

No Brasil, a Fundação Nacional do Índio (Funai) é a única instituição governamental em todo o mundo que tem equipas no terreno dedicadas ao contacto com populações isoladas – através de sobrevoos e de expedições a pé. “Não sabemos muito sobre esses povos”, diz Fiona Watson. “Mas pelo menos sabemos que existem e onde ficam os seus territórios, para os podermos mapear e proteger.”

Missão de contacto da Funai, com máscaras na boca, junto a uma comunidade Korubo, na reserva do Vale do Javari, no estado brasileiro do Amazonas FUNAI / REUTERS

A tomada de posse de Jair Bolsonaro como Presidente do Brasil, a 1 de janeiro deste ano, foi uma má notícia para os indígenas. No dia seguinte, no Twitter, ele escreveu: “Mais de 15% do território nacional é demarcado como terra indígena e quilombolas [NDR: originalmente, os quilombos foram regiões de grande concentração de escravos escondidos nas matas e montanhas do Brasil colonial. Hoje são agrupamentos que herdaram as principais características desses espaços, formados por netos e bisnetos de escravos]. Menos de um milhão de pessoas vivem nestes lugares isolados do Brasil de verdade, exploradas e manipuladas por ONG. Vamos juntos integrar estes cidadãos e valorizar a todos os brasileiros”.

Bolsonaro retirou à Funai a competência para identificar, delimitar e demarcar terras indígenas, transferindo-a para o Ministério da Agricultura. E colocou a Fundação sob tutela do Ministério da Justiça para a do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, dirigido pela pastora evangélica Damares Alves.

Fiona teme que o fundamentalismo cristão se torne uma ameaça crescente para as comunidades indígenas. “Tenho a certeza que muitos fundamentalistas cristãos sentir-se-ão encorajados por Bolsonaro e pelo facto de Damares Alves ser a ministra responsável pela Funai. A bancada evangélica no Congresso Nacional pode muito bem contribuir para aprovar diplomas como a Lei Muwaji (em discussão no Senado), que viabiliza a separação de famílias suspeitas de infanticídio. Esta lei “permitiria que missionários retirassem crianças indígenas das suas comunidades perante a mais pequena suspeita de que podem ser prejudicadas. Já se está a ver como isto abriria a porta a abusos por parte de fervorosos evangélicos desejosos de converter povos indígenas”.

Buracos de balas num sinal oficial colocado pela Funai, assinalando os limites do território do povo Uru-eu-wau-wau UESLEI MARCELINO / REUTERS

Em dezembro passado, em entrevista ao “Estado de São Paulo”, a ministra negou ter planos para evangelizar comunidades indígenas mas admitiu que haverá uma “mudança radical” no tratamento dos povos isolados da Amazónia. “Vamos trazê-los para o protagonismo. Não é por estarem isolados que estão esquecidos e deixados aos cuidados de ONGs. Quem vai assumir o cuidado desse povo isolado é o Estado.”

“Evangelizar faz parte de uma tentativa de integração de povos indígenas no estilo de vida convencional — uma política da ditadura militar — a que tribos e ONGs se opõem”, realça a ativista da Survival International. “É uma forma de os tornar dependentes do Estado e de libertar as suas terras para serem exploradas economicamente por forasteiros”, conclui. “Por outras palavras, é um roubo de terras neocolonial.”

(FOTO DE ABERTURA Crianças da tribo Uru-eu-wau-wau, cuja reserva fica em Campo Novo de Rondónia, no oeste do Brasil UESLEI MARCELINO / REUTERS)

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 30 de abril de 2019 e republicado no Expresso Online, a 5 de maio seguinte. Pode ser consultado aqui e aqui

Um Observatório para lançar pontes com o mundo islâmico

O Observatório do Mundo Islâmico é apresentado ao público esta terça-feira, em Lisboa. Ao Expresso, uma das suas dinamizadoras, Maria João Tomás, fala de “um projeto transversal a todas as áreas do conhecimento” que quer “contribuir para que não sejam feitas más interpretações do Islão”

Espalhar conhecimento, combater estereótipos, lançar pontes, é a missão a que se propõe o Observatório do Mundo Islâmico, um projeto novo apresentado esta terça-feira, em Lisboa. “O desconhecimento leva ao ódio, o ódio leva à violência, e o ciclo não acaba”, diz ao Expresso a investigadora Maria João Tomás, vice-presidente da direção. “Tem de haver conhecimento para haver entendimento.”

O Observatório pretende focar-se em “todos os países onde o Islão seja religião maioritária, religião oficial ou tenha uma representatividade importante”, explica a professora da Universidade Autónoma.

Em causa está, pois, uma longa faixa geográfica contígua que se estende de Marrocos ao Paquistão, abarcando vários outros países como o Bangladesh, a Indonésia — o país muçulmano mais populoso — e a Nigéria. Esta área é “uma importante fonte de História, que nos ajuda a compreender aquilo que somos hoje”, realça Maria João Tomás.

Um dos tópicos a serem trabalhados é a questão das minorias no mundo islâmico, nomeadamente as cristãs. O Observatório pretende também contribuir para causas. “Uma delas, que para mim é prioritária, prende-se com a excisão genital feminina, que não é uma prática islâmica, não consta do Corão.”

As religiões como arma política

O Observatório contará com o contributo de um leque alargado de pessoas — académicos e investigadores, militares, personalidades da sociedade civil, membros da Comunidade Islâmica de Lisboa. “É um projeto transversal a todas as áreas do conhecimento”, diz a professora. “Vamos dinamizar para que haja uma aproximação à sociedade civil.”

Na prática, este projeto passará pela realização de conferências, debates, discussões públicas, workshops por todo o país – numa fase inicial, as iniciativas serão mais concentradas em Lisboa, Porto, Algarve e Alentejo.

O projeto passa também pela criação de um portal na Internet que disponibilize informação que vá ao encontro das dúvidas mais complexas ou mais básicas dos portugueses. “O que é o Ramadão?”, é apenas um exemplo. “Para além dessa informação básica e simples, o Observatório quer ir um pouco mais longe e contribuir para que não sejam feitas más interpretações do Islão.”

A apresentação do Observatório do Mundo Islâmico decorre esta terça-feira, a partir das 17 horas, no Auditório 1 da Universidade Autónoma de Lisboa. A sessão incluirá a realização de dois debates sobre religião — “As Religiões como instrumento político” e “O mundo islâmico, religião e poder”. Porque, como refere Maria João Tomás, “as religiões têm sido utilizadas ao longo da História como instrumento político” para acicatar ódios e justificar guerras.

(IMAGEM “Deus”, escrito em árabe, a língua do Alcorão WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 30 de abril de 2019. Pode ser consultado aqui

Religiões são alvos fáceis para semear o medo

O terrorismo matou e feriu, em tempos recentes, judeus, muçulmanos e cristãos. Guerra de religiões à vista?

Em apenas seis meses, as três religiões monoteístas foram atacadas em locais de culto. A 21 de abril, no Sri Lanka, suicidas visaram três igrejas católicas. A 15 de março, em Christchurch (Nova Zelândia), um atirador investiu contra uma mesquita. E a 27 de outubro de 2018, o terror atingira uma sinagoga de Pittsburgh (EUA).

Em todos os casos, a religião não foi a única motivação para atacar. No Sri Lanka foram também visados três hotéis. Na Nova Zelândia (50 mortos), o terrorista atuou norteado por crenças islamofóbicas, supremacistas e extremistas. Nos EUA (11 mortos), o ódio do assassino transcendia os judeus, que considerava “inimigos do povo branco”. Nas redes sociais defendia que os imigrantes são “invasores”.

Resulta daqui a sensação de que atacar crentes em oração é atalho eficaz para atingir governos e opções políticas. “O radicalismo parece ter percebido que os alvos religiosos são mais eficazes na construção das narrativas de medo”, explica ao Expresso Paulo Mendes Pinto, coordenador da área de Ciências das Religiões na Universidade Lusófona.

“Se há alguns anos os atentados eram quase sempre em espaços civis, hoje há um crescimento dos ataques a espaços religiosos. É uma radicalização que mais facilmente semeia o medo e cria dinâmicas de vingança.” Outro padrão comum aos três atentados prende-se com o dia em que aconteceram: Pittsburgh aconteceu durante o shabbath judaico (sábado), Christchurch a uma sexta-feira (dia santo para os muçulmanos) e Colombo no domingo de Páscoa.

“Um ataque num dia festivo tem dupla intencionalidade”, diz Mendes Pinto. “Por um lado, usa a vulnerabilidade de quem é atacado e que, reunido em oração, está frágil. Mas, acima de tudo, é feito num momento simbólica ou teologicamente importante.”

Um ataque na Páscoa, que assinala a ressurreição de Jesus, desfere “um golpe simbólico muito forte”

Se, para os cristãos, a Páscoa é a festa da vitória da vida sobre a morte, simbolizada na ressurreição de Jesus, um atentado nesse dia “coloca a morte acima da vida, desferindo um golpe simbólico muito forte”, explica o professor. No Médio Oriente não faltam exemplos de atentados contra muçulmanos durante o Ramadão (jejum), em que estão vulneráveis a vários níveis.

Talvez por ainda não ter provocado mortes, o fenómeno dos ataques contra igrejas em França não tem merecido alarme mediático. Em 2018 houve 875 atos de vandalismo só em igrejas católicas. “Devem ser relacionados com o crescimento de movimentos nacionalistas de inspiração anticristã, sejam neopagãos ou não”, explica Mendes Pinto. “Há vertentes nacionalistas que reivindicam Um ataque na Páscoa, que assinala a ressurreição de Jesus, desfere “um golpe simbólico muito forte” uma visão anterior ao nascimento do cristianismo como base das identidades europeias, vendo nesta religião a destruição das verdadeiras identidades, não só porque o cristianismo se sobrepôs às religiões anteriores, mas por ser a imagem de uma primeira supranacionalidade, uma primeira ‘União Europeia’. Este fenómeno começou há mais de uma década, nos países nórdicos.”

Em março sete igrejas francesas foram saqueadas, profanadas e vandalizadas em apenas sete dias. Em Paris, a 17, a Igreja de Saint-Sulpice foi incendiada após a missa dominical do meio-dia. Num outro ataque, foi pintada na Igreja de Notre-Dame des Enfants, em Nîmes, uma cruz com excrementos.

(IMAGEM VISION)

Artigo publicado no “Expresso”, a 27 de abril de 2019. Pode ser consultado aqui

No Porto, a festa do 25 de Abril fez-se a 1 de Maio

Quando lhe perguntam onde estava no 25 de Abril, Sérgio Valente diz sem rodeios: “Na baixa do Porto, a levar porrada da polícia”. Ao Expresso, este fotógrafo de 77 anos recorda os tempos de oposição ao regime e os primeiros dias em liberdade. Esta quinta-feira, é inaugurada na Câmara do Porto uma mostra de fotos suas com imagens inéditas da revolução

Panorâmica da Avenida dos Aliados, no Porto, a 1 de maio de 1974. O primeiro 1º de Maio em liberdade SÉRGIO VALENTE

Sérgio Valente terminou o dia 25 de abril de 1974 com um penso colado à testa. Passara o dia às voltas no Porto, tentando perceber para que lado caía a revolução. Como ele, com o passar das horas, cada vez mais portuenses rumavam à Avenida dos Aliados para — perante as informações de que, em Lisboa, o golpe militar estava no bom caminho — celebrarem a conquista da liberdade em conjunto.

“A movimentação era cada vez maior. Então o comandante da polícia mandou carregar sobre as pessoas que estavam a comemorar a liberdade”, recorda ao Expresso este fotógrafo portuense, então com 32 anos. “Vi um polícia a bater num jovem e peguei numa pedra para tentar atingi-lo, mas surgiu outro agente sem eu contar. Deu-me uma bastonada que me abriu a testa. Muitas vezes se pergunta: Onde é que tu estavas no 25 de Abril? Eu costumo responder que estava a levar porrada. Nem no dia da liberdade me pouparam.”

Aos 77 anos, Sérgio recorda um dia “muito confuso”, com algumas montras e cabines telefónicas partidas na Avenida dos Aliados. Ele despertara para o que se estava a passar de manhã quando, em casa, recebeu um telefonema da mulher, que trabalhava na cooperativa livreira Unicepe. “Disse-me que ligasse o rádio e assim fiz. Comecei a ouvir a Luísa Basto a cantar músicas que eu só ouvia nas rádios clandestinas.”

Não descansou então enquanto não saiu para a rua tentar perceber o que se passava junto dos militares posicionados na Ponte D. Luís e depois junto ao Aeroporto de Pedras Rubras (hoje, Francisco Sá Carneiro).

Sérgio guarda poucas fotos do dia 25 de Abril. “Não estava preocupado em tirar fotografias. Eu era ativista, mais do que fotógrafo. Naquele momento, queria que o fascismo caísse e não voltasse mais. Estava há tanto tempo à espera da liberdade que queria era vive-la com as pessoas.”

No dia 26 de Abril, muitos populares saudaram os militares em frente ao quartel general da Praça da República. Sérgio Valente vai em ombros, de braços erguidos e penso na testa SÉRGIO VALENTE

Consolidada a revolução, a festa na Invicta fez-se uma semana depois, com mais de 300 mil pessoas — “sem exagero”, diz o fotógrafo —, apinhados nos Aliados a celebrar o primeiro 1º de Maio em liberdade.

A ocorrência de um golpe antirregime não era uma surpresa absoluta para ele, que vinha contabilizando alguns indícios de que algo poderia estar para acontecer. Dias antes da revolução, no Grupo dos Modestos — uma companhia de teatro onde despontavam atores como Júlio Cardoso e Estrela Novais —, um amigo ligado ao Partido Comunista deixara-o desconfiado. Ao despedirem-se, aconselhou a que evitassem encontrar-se nos dias seguintes. Sérgio foi para casa a matutar no assunto.

Não havia muito tempo, num jantar de homenagem a Óscar Lopes — opositor ao Estado Novo que viria a dirigir a Faculdade de Letras do Porto entre 1974 e 1976 —, tinha havido intervenções sobre o regresso dos exilados ao país, incluindo de Álvaro Cunhal. “Quando ouvi aquele nome até olhei para o lado. Algo não estava bem. Era quase impossível falar-se de Álvaro Cunhal. Devia estar para acontecer alguma coisa…”

Quando estalou o 25 de Abril, Sérgio já levava metade da sua vida dedicada à militância antirregime. Desde 1964, estava oficialmente ligado ao PCP. Toda essa experiência permitia-lhe constatar que, no início dos anos 1970, Portugal não era o mesmo país resignado e obediente de décadas anteriores.

Entre 4 e 8 de abril de 1973, em Aveiro, o 3º Congresso da Oposição Democrática já dera alguns sinais de que o povo perdera o medo. “Por tudo o que ali foi dito, pressentimos que algo estava para acontecer.” O portuense assistiu a tudo na primeira fila, ora fotografando os trabalhos no interior do Teatro Avenida, ora observando o que se passava nas ruas, com a PSP a cercar a cidade para dificultar a chegada de opositores e, com isso, a gerar um entusiasmo crescente. “Aveiro foi um sinal.”

No Teatro Avenida, quem intervém é Álvaro Seiça Neves, um destacado antifascista aveirense. Sentada, Maria Barroso observa-o SÉRGIO VALENTE

Sérgio Valente ganhava a vida a tirar fotografias em eventos sociais. Chegara ao meio pela mão de um tio, fotógrafo, que assim o resgatou da vida na construção civil. “A minha entrega à luta era de tal ordem que, muitas vezes, em momentos cruciais, esquecia a fotografia. Eu era mais ativista do que fotógrafo”, admite. “Havia momentos em que eram necessárias pessoas com alguma coragem…”No Portugal de Salazar, quatro pessoas a conversar na rua podia ser considerado um ajuntamento. Para quem militava na clandestinidade, o 1º de Maio era sempre aproveitado para ações de insubordinação. “As células sabiam que haveria alguém que, em determinada hora e local, iria interromper o trânsito e acenar uma bandeira. Não está a ver o Sérgio Valente a fazer reportagem com a máquina fotográfica numa situação dessas…”

O batismo com Humberto Delgado

Sérgio teve os seus primeiros contactos com a oposição ao regime aos 18 anos, através de um grupo de jovens afetos ao PCP que parava no café Estrela d’Ouro, na Rua da Fábrica. Dois anos antes, o Porto vivera um episódio histórico que lhe confirmou de que lado desta luta ele queria estar.

A 14 de maio de 1958, Humberto Delgado, rosto maior da oposição a Salazar, chegou à Estação de São Bento e foi recebido por uma multidão estimada em 200 mil pessoas. “Foi o meu batismo”, recorda. “Muita polícia, a GNR a cavalo, muita bastonada. Perguntei quem era e disseram-me que era um general que se opunha ao Salazar. Nunca mais o larguei. Entrei de costas no Coliseu [onde o “general sem medo”, que se candidatava às presidenciais, fez um comício] e aos empurrões. Foi o meu despertar. A partir daí nunca mais parei.”

A sua coragem fe-lo dar nas vistas nos meandros da clandestinidade. A seu favor, tinha também um certo feitio rebelde e uma revolta interior que o acompanhava desde tenra idade quando vivia na Foz Velha, numa casa sem quartos onde chegaram a viver dez pessoas: os pais, três irmãos, duas irmãs e um casal de primos.

Nos calabouços da PIDE

A sua entrega à luta colocou-o sob os holofotes da PIDE (DGS a partir de 1969). Por três vezes — 1969, 1971 e 1973 — foi parar aos calabouços, na Rua do Heroismo, um edifício que hoje alberga o Museu Militar do Porto. “Quando eu passava diante daquele prédio tenebroso, tentava imaginar o que eles faziam lá dentro. Lia muita coisa sobre as torturas, as humilhações e pensava: ‘E se um dia eu caio aqui?’ Criava-me arrepios. Até ao dia em que isso aconteceu mesmo. Dei comigo a pensar: ‘Estou cá dentro. O que é que me vão fazer?’”

Retratos de Sérgio Valente feitos pela PIDE a 2 de maio de 1969, quando foi preso pela primeira vez SÉRGIO VALENTE

Da primeira vez que foi preso, preparava-se para participar na manifestação proibida do 1º de Maio de 1969, na Avenida dos Aliados. “Junto à Igreja dos Congregados, havia um batalhão de polícias pronto a avançar. Um deles pegou no cacetete e as pessoas começaram a atropelar-se umas às outras. Corri atrás dele e mandei-lhe um pontapé no traseiro. Nunca mais me largou.” Sérgio acabou encurralado e apanhou uma bastonada na cabeça. O ferimento caria visível nas retratos que lhe tiraram na PIDE, para onde foi levado e cou preso cerca de uma semana.

Da segunda vez, em 1971, foi tudo muito mais doloroso. “Foi uma prisão programada e premeditada. E foi muito violenta. Fizeram de tudo para me provocar. Maltrataram-me, aplicaram-me a tortura do sono, bateram-me até quase me matarem, levei socos na garganta. Vi a morte à minha frente.”

Sérgio foi preso na sequência de uma longa noite de trabalho, no seu estúdio de fotografia, num segundo andar da Rua de Entreparedes. Era ali que pernoitava com a mulher e duas crianças sempre que o trabalho se prolongava. Na noite de 22 de julho de 1971, tinha estado a tratar de fotos tiradas a turistas numas caves do Vinho do Porto.

Na manhã seguinte, a PIDE intercetou-o na rua. “Queriam revistar o estúdio. Procuravam material subversivo e também uns cartões relacionados com uma excursão que um grupo planeava a Peniche. A ideia era cantarmos canções de intervenção junto à prisão para que os presos soubessem que a luta continuava cá fora.”

Com os PIDEs dentro do estúdio, o casal Valente foi puxando da criatividade para despista-los e livrarem-se de material que os pudesse incriminar. O emblema do 50º aniversário do PCP dentro da carteira de Laura, também ela uma combatente antifascista, ligada ao Movimento Democrático de Mulheres. O envelope com jornais proibidos endereçado a RAF (“Rafael” era o pseudónimo de Sérgio). Negativos e fotografias incómodas, como as de José Dias Coelho e Catarina Eufémia, assassinados pela PIDE e pela GNR, respetivamente.

Laura Valente discursa no Coliseu do Porto, a 31 de janeiro de 1974, no âmbito de uma iniciativa comemorativa da revolta naquele dia em 1891 SÉRGIO VALENTE

Do estúdio, onde nada de relevante encontraram, os agentes quiseram inspecionar a casa onde viviam. Ali, Sérgio e Laura seriam denunciados por “uns papeis encontrados no meio da roupa”. Foram levados para interrogatório, mas só ela regressaria a casa, não sem antes protestar alto e bom som contra a detenção do marido. Viria a ser julgada e “condenada a seis dias de multa a 30$00 diários de indemnização à DGS”.

O caso foi noticiado a 18 de dezembro de 1971, no “Diário de Lisboa”, com o título “Senhora condenada por injúrias à DGS”. Para a pena contribuiu também o comportamento de Laura durante uma visita posterior ao marido, acompanhada por uns parentes. “Eles entraram, ela não, porque, como lhe disseram, estava proibida de o fazer durante trinta dias já que tivera mau comportamento da primeira vez que ali estivera”, escreve o jornal. “A ré, irritada, teria proferido palavras injuriosas para a corporação policial, quando a fecharam numa sala, tendo quebrado os vidros da porta. Um agente tentou faze-la sair o que conseguiu após grande esforço.”

Retratos de Laura Valente feitos pela PIDE, em 1971 SÉRGIO VALENTE

Da segunda vez, Sérgio ficaria preso cerca de 20 dias. Inicialmente, não conseguia dormir, atormentado com o que lhe podia acontecer. “Lembrava-me muito do que se dizia no partido: ‘Quanto menos soubermos, melhor’. Mas eu sabia muita coisa…”

Depois continuou sem dormir, mas por outras razões. Tiraram-lhe a cama da cela e começaram a aplicar-lhe a tortura do sono. Sem nada revelar, foi resistindo ao cansaço, mas não o libertavam. Em 1960, Sérgio fora mandado embora da tropa após simular ataques de epilepsia. “Eu não tinha medo da guerra, até porque a minha especialidade era das melhores que havia na tropa, Foto-Cine. Era uma questão ideológica, aquilo não era nosso…”

Onze anos depois, na prisão, tentou voltar a encenar, desta feita fingindo ter alucinações. Conseguiu voltar a ter cama na cela. “Sobrevivi. E portei-me bem, que era o que eu queria: não falei. Saí de consciência tranquila. Posso ter abandonado os aparelhos partidários, mas não posso ser acusado de alguma vez ter traído alguém.”

A terceira detenção, assinada pelo inspetor da PIDE Rosa Casaco, aconteceu em 1973, de 30 de abril para 1 de maio. “Acharam que eu podia ser um dos cabecilhas de uma possível manifestação. Pela primeira vez estive numa cela coletiva, éramos uns oito ou nove, quase todos conhecidos uns dos outros.”

Muitos desses rostos estão homenageados nas fotos do portuense, que já deram origem a dois livros: “Sérgio Valente — Um fotógrafo na Oposição” (Edições Afrontamento, 2010) e “Sérgio Valente — Um fotógrafo na Revolução” (Edições Afrontamento, 2015). A partir desta quinta-feira, podem também ser apreciadas no átrio da Câmara Municipal do Porto, numa mostra intitulada “A Substância do Tempo — 25 fotografias de Sérgio Valente, 45 anos depois do 25 de Abril”.

Exposta estará também a velha Rolleicord, a sua “arma de guerra” com que tantas vezes registou como o Norte resistiu a Salazar. E também de como a revolução se fez de homens e mulheres valentes.

Manifestação de apoio ao Movimento das Forças Armadas, a 26 de abril de 1974, em frente ao quartel general na Praça da República. Sérgio Valente tirou a foto na varanda do quartel SÉRGIO VALENTE

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 25 de abril de 2019. Pode ser consultado aqui

Quando a realidade eleitoral ultrapassa a ficção

Os ucranianos votam domingo nas eleições presidenciais. O favorito é um ator que já fez de Presidente

Volodymyr Zelensky venceu as eleições presidenciais na Ucrânia à segunda volta, com 73% dos votos WIKIMEDIA COMMONS

Qualquer semelhança entre a ficção e a realidade não será pura coincidência. Será apenas a vontade de muitos ucranianos que querem voltar uma página da história do seu país da qual se sentem excluídos. A Ucrânia vota, domingo, na segunda volta das eleições presidenciais e o candidato que lidera — destacado — as sondagens é um humorista de 41 anos chamado Volodymyr Zelensky.

Há quatro anos protagonizou uma sátira política na televisão sobre a improvável caminhada de um modesto professor que, com um discurso anticorrupção, chega a Presidente do país. A série chamava-se “Servo do Povo”, exatamente o nome do partido político criado há pouco mais de um ano que tem transportado o ator na direção da mais alta cadeira do poder em Kiev.

“A razão para a vitória de Volodymyr Zelensky reside principalmente no desejo da sociedade ucraniana de mudanças drásticas ao nível das elites governantes”, explica ao Expresso Igor Tyshkevitch, do Instituto Ucraniano para o Futuro, de Kiev. “Essas exigências não foram satisfeitas após a Revolução da Dignidade”, as manifestações centradas na Praça Maidan, no centro de Kiev, em 2013 e 2014. Maidan pediu que o sistema político fosse reformado e que as rédeas do país fossem colocadas nas mãos de sangue novo. Em vão.

Quase 40 candidatos

“Para entendermos o que se passa há que olhar para a história ucraniana. Entre 1997 e 1999, o então Presidente Leonid Kuchma trocou a anterior liderança ‘vermelha’ [soviética] por uma nova elite política baseada em oligarcas”, continua Igor Tyshkevitch. Vinte anos passados, “nestas eleições, quase todos os candidatos à presidência [na primeira volta participaram 39 candidatos!] são pessoas que entraram na política nesse período.”

É o caso de Petro Poroshenko, de 53 anos, o adversário de Zelensky na segunda volta de domingo. O atual Presidente — um dos homens mais ricos da Ucrânia — debutou na política em 1998, ano em que foi eleito deputado ao Parlamento. Na presidência desde 2014 (eleito à primeira volta com quase 55%), após as manifestações da Praça Maidan terem forçado o afastamento do chefe de Estado pró-russo Viktor Yanukovytch. Poroshenko vê agora a sua reeleição altamente comprometida por um outsider.

Uma sondagem divulgada ontem atribui a Zelensky 57,9% das intenções de voto e a Poroshenko 21,7%. Na primeira volta (31 de março), tiveram 30,2% e 15,9%, respetivamente.

“A sociologia de 2018 mostra que mais de metade da sociedade ucraniana quer que o país seja liderado por pessoas absolutamente novas. Isto levou quase todos os candidatos presidenciais a tentarem ganhar votos junto da parte minoritária da sociedade que prefere que o país seja liderado por alguém experiente”, diz Igor Tyshkevitch. “Ou seja, Zelensky tornou-se o único a poder ganhar facilmente 40 a 45%. Mesmo que ele não fizesse nada, passaria à segunda volta das eleições.”

À parte a imagem de um candidato novo e diferente, Zelensky não é alguém que cative pelo seu pensamento político (que a maioria dos ucranianos desconhece). Numa lógica antissistema, o ator ignorou a forma tradicional de fazer campanha, não fazendo comícios, dando poucas entrevistas e privilegiando a comunicação através das redes sociais.

Esta semana, faltou a um debate com Poroshenko marcado para o Estádio Olímpico de Kiev, deixando o rival sozinho no pódio perante milhares de pessoas. Ao não se desgastar na exposição pública, alimenta a imagem de um ‘Presidente do povo’ que, à semelhança da sua personagem televisiva, vai para o trabalho de bicicleta.

Tensão chega à Eurovisão

Desde a desintegração da União Soviética (1991), estas serão das eleições na Ucrânia onde a Rússia tem menor ascendente sobre algum dos candidatos. Isto apesar de a situação no terreno: em 2014, Moscovo anexou a península da Crimeia e não poupou no apoio aos separatistas do leste da Ucrânia.

“Para a Rússia, não interessa quem vai ser o novo Presidente da Ucrânia”, conclui Tyshkevitch. “Os russos trabalham para enfraquecer a instituição da presidência aos olhos do povo. Querem que a Ucrânia tenha um Presidente fraco e um Parlamento menos controlável. De tempos em tempos, apoiam um lado e o outro lado, o que cria incerteza no país.”

Ucrânia e Rússia vivem uma tensão transversal. Há dois meses, sem grandes justificações, Kiev retirou-se da Eurovisão, marcada para maio em Israel. Não gostou que a cantora escolhida para representar o país, de nome artístico MARUV, se recusasse a cancelar os concertos que já tinha agendados… na Rússia.

PERFIS

PETRO POROSHENKO
O atual Presidente da Ucrânia é um dos homens mais ricos do país. Nascido em 1965, em Bolgrad (sudoeste), licenciou-se em Economia. Logo se lançou no mundo dos negócios começando a vender grãos de cacau à indústria soviética. Hoje, o império empresarial do “rei do chocolate” inclui um estaleiro naval e um canal de televisão. Em 1998, entrou na política, ao ser eleito deputado. Tem quatro filhos.

VOLODYMYR ZELENSKY
Estudou Direito, mas deixou-se seduzir pela representação. Nascido em 1978, a carreira política deste comediante confunde-se com o seu percurso na ficção. Em 2015, desempenhou o papel de Presidente da Ucrânia na série “Servo do Povo”. É membro do partido Servo do Povo, fundado há um ano. Apoiou os protestos pró-Europa da Praça Maidan, em 2013/14. Tem dois filhos e é filho de judeus.

Artigo publicado no “Expresso”, a 19 de abril de 2019. Pode ser consultado aqui