Do dia para a noite, nos EUA, milhões de iranianos ganharam o rótulo de criminosos. Em Teerão, os conservadores agradecem
Olho por olho, dente por dente. Se a Guarda Revolucionária do Irão (GRI) passou a ser, para os EUA, uma “organização terrorista estrangeira” (FTO), para o Irão qualquer militar americano estacionado na região tornou-se um alvo — e são muitos à volta da República Islâmica, geograficamente entalada entre Iraque e Afeganistão. “Com esta atitude estúpida, Trump deu autorização para o assassínio de forças americanas”, escreveu o “Kayhan”, o jornal mais conservador do Irão.
“Os líderes iranianos têm uma vantagem fundamental: planeamento estratégico de longo prazo, por contraponto às táticas impulsivas de curto prazo [do Governo Trump]”, diz ao Expresso Ghoncheh Tazmini, investigadora na Faculdade de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres. “Este é um luxo que, para sermos realistas, quem está no primeiro mandato na Casa Branca não tem. Líbano e Iraque são parceiros do Irão há quase 40 anos. Os EUA presumem que exercer ‘máxima pressão’ durante dois ou seis anos vai alterar a relação do Irão com os aliados, o que revela o quão limitado é o conhecimento que têm das dinâmicas regionais.”
Estudantes “criminosos”
Para os EUA, o carimbo FTO torna criminosa qualquer pessoa, no seu território ou jurisdição, que tenha recebido “treino de tipo militar de ou em nome de uma FTO designada”. Para a iraniana, abriu-se a caixa de Pandora: “Todos os iranianos têm de cumprir serviço militar. Os que têm formação vão, normalmente, para gabinetes estatais, muitos outros vão para os quartéis. Consoante for interpretado ‘receber treino militar de ou em nome da FTO designada’, é possível que milhões de iranianos (milhares no Líbano, Síria, Iraque, Afeganistão, Paquistão que receberam treino da Força Quds, braço da GRI para as missões externas) sejam considerados criminosos. O que complica tudo é que para sair do Irão é preciso ter o serviço militar feito, ou estar isento. Potencialmente, milhares de estudantes iranianos ou com dupla nacionalidade passaram a ser designados como criminosos da noite para o dia.”
Num país dividido entre conservadores e reformistas, fundamentalistas e moderados, a decisão dos EUA criou uma unidade atípica: no Parlamento, destacadas figuras reformistas surgiram com o traje verde da Guarda. “A ‘pressão máxima’ de Trump vai enfraquecer as forças moderadas e fortalecer a posição dos conservadores, unindo a linha dura e criando um espírito solidário.” Isto acontece numa altura em que cheias no Irão mataram 70 pessoas. O Crescente Vermelho queixa-se da falta de ajuda internacional por causa das sanções e, no terreno, são os Guardas quem presta socorro.
(FOTO Membros da Guarda Revolucionária do Irão, numa cerimónia em Mashhad WIKIMEDIA COMMONS)
Artigo publicado no “Expresso”, a 13 de abril de 2019
