Religiões são alvos fáceis para semear o medo

O terrorismo matou e feriu, em tempos recentes, judeus, muçulmanos e cristãos. Guerra de religiões à vista?

Em apenas seis meses, as três religiões monoteístas foram atacadas em locais de culto. A 21 de abril, no Sri Lanka, suicidas visaram três igrejas católicas. A 15 de março, em Christchurch (Nova Zelândia), um atirador investiu contra uma mesquita. E a 27 de outubro de 2018, o terror atingira uma sinagoga de Pittsburgh (EUA).

Em todos os casos, a religião não foi a única motivação para atacar. No Sri Lanka foram também visados três hotéis. Na Nova Zelândia (50 mortos), o terrorista atuou norteado por crenças islamofóbicas, supremacistas e extremistas. Nos EUA (11 mortos), o ódio do assassino transcendia os judeus, que considerava “inimigos do povo branco”. Nas redes sociais defendia que os imigrantes são “invasores”.

Resulta daqui a sensação de que atacar crentes em oração é atalho eficaz para atingir governos e opções políticas. “O radicalismo parece ter percebido que os alvos religiosos são mais eficazes na construção das narrativas de medo”, explica ao Expresso Paulo Mendes Pinto, coordenador da área de Ciências das Religiões na Universidade Lusófona.

“Se há alguns anos os atentados eram quase sempre em espaços civis, hoje há um crescimento dos ataques a espaços religiosos. É uma radicalização que mais facilmente semeia o medo e cria dinâmicas de vingança.” Outro padrão comum aos três atentados prende-se com o dia em que aconteceram: Pittsburgh aconteceu durante o shabbath judaico (sábado), Christchurch a uma sexta-feira (dia santo para os muçulmanos) e Colombo no domingo de Páscoa.

“Um ataque num dia festivo tem dupla intencionalidade”, diz Mendes Pinto. “Por um lado, usa a vulnerabilidade de quem é atacado e que, reunido em oração, está frágil. Mas, acima de tudo, é feito num momento simbólica ou teologicamente importante.”

Um ataque na Páscoa, que assinala a ressurreição de Jesus, desfere “um golpe simbólico muito forte”

Se, para os cristãos, a Páscoa é a festa da vitória da vida sobre a morte, simbolizada na ressurreição de Jesus, um atentado nesse dia “coloca a morte acima da vida, desferindo um golpe simbólico muito forte”, explica o professor. No Médio Oriente não faltam exemplos de atentados contra muçulmanos durante o Ramadão (jejum), em que estão vulneráveis a vários níveis.

Talvez por ainda não ter provocado mortes, o fenómeno dos ataques contra igrejas em França não tem merecido alarme mediático. Em 2018 houve 875 atos de vandalismo só em igrejas católicas. “Devem ser relacionados com o crescimento de movimentos nacionalistas de inspiração anticristã, sejam neopagãos ou não”, explica Mendes Pinto. “Há vertentes nacionalistas que reivindicam Um ataque na Páscoa, que assinala a ressurreição de Jesus, desfere “um golpe simbólico muito forte” uma visão anterior ao nascimento do cristianismo como base das identidades europeias, vendo nesta religião a destruição das verdadeiras identidades, não só porque o cristianismo se sobrepôs às religiões anteriores, mas por ser a imagem de uma primeira supranacionalidade, uma primeira ‘União Europeia’. Este fenómeno começou há mais de uma década, nos países nórdicos.”

Em março sete igrejas francesas foram saqueadas, profanadas e vandalizadas em apenas sete dias. Em Paris, a 17, a Igreja de Saint-Sulpice foi incendiada após a missa dominical do meio-dia. Num outro ataque, foi pintada na Igreja de Notre-Dame des Enfants, em Nîmes, uma cruz com excrementos.

(IMAGEM VISION)

Artigo publicado no “Expresso”, a 27 de abril de 2019. Pode ser consultado aqui

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