Nas ruas da Argélia, do Sudão e da Líbia, manifestações populares anti-regime fazem lembrar os protestos da Primavera Árabe que, há oito anos, derrubaram vários ditadores
No centro de Argel, este homem pede a “reciclagem” dos governantes do seu país Ramzi Boudina / ReutersNão contentes com o afastamento do ex-Presidente Abdelaziz Bouteflika, os argelinos querem também a saída do poder de toda a elite próxima do regime Ramzi Boudina / ReutersA designação de Abdelkader Bensalah como presidente interino da Argélia não agradou ao povo que continua nas ruas Ramzi Boudina / ReutersPolícia antimotim nas ruas de Argel Ramzi Boudina / ReutersJovem argelino em dificuldades após inalar gás lacrimogéneo disparado pela polícia Ramzi Boudina / ReutersFrente a frente entre a polícia argelina e os manifestantes. “Na Argélia são sempre as pessoas que escrevem a sua história”, lê-se na tarja Ramzi Boudina / ReutersNo Sudão, esta mulher pede “liberdade” no mural que está a pintar, em Cartum Umit Bektas / ReutersVitória, congratula-se este sudanês, após o anúncio da saída do poder de Omar al-Bashir ReutersAfastado o homem que os governou nos últimos 30 anos, os sudaneses querem garantias de que os militares não ficarão a mandar em Cartum ReutersManifestantes bloqueiam a passagem de um comboio de mercadorias pela capital do Sudão ReutersAs mulheres têm sido um importante motor dos protestos no Sudão ReutersProtestos dia e noite, em frente ao Ministério sudanês da Defesa, em Cartum ReutersEm 2011, os líbios saíram às ruas contra Muammar Kadhafi. Agora voltam a sair pela unidade do país Mahmud Turkia / Afp / Getty ImagesNa mira dos protestos em Trípoli está o general Khalifa Haftar que lidera uma ofensiva militar sobre a capital, desde o leste do país Hazem Turkia / Anadolu Agency / Getty ImagesNa capital da Líbia: “Criminosos não têm lugar em Trípoli.” “Haftar é um criminoso de guerra.” “Quem deu a luz verde para destruir Trípoli?” Ahmed Jadallah / ReutersProtestos contra a “interferência francesa” na Líbia. Paris apoia a investida do general sobre a capital Mahmud Turkia / Afp / Getty ImagesComo na Argélia e no Sudão, muitas mulheres participam nas manifestações na Líbia Ahmed Jadallah / ReutersNa Praça dos Mártires, no centro de Trípoli, uma líbia pede ajuda divina para os desafios terrenos Ahmed Jadallah / Reuters
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 17 de abril de 2019. Pode ser consultado aqui
Na Argélia, no Sudão e na Líbia, os povos estão nas ruas em ações de protesto, numa espécie de reedição da Primavera Árabe que, há oito anos, varreu vários países do Norte de África e do Médio Oriente. Argelinos e sudaneses manifestam-se contra regimes que levam décadas de poder. Já os líbios, alertam para o fantasma da guerra que volta a assustar um país que, após a queda do ditador, ainda não encontrou o seu rumo
Em menos de duas semanas, os dois líderes árabes há mais tempo no poder — se retirarmos da equação os monarcas — foram empurrados para fora de cena.
Na Argélia, Abdelaziz Bouteflika renunciou à presidência a 2 de abril, a menos de um mês de completar 20 anos no cargo (tomou posse pela primeira vez a 27 de abril de 1999) e a menos tempo ainda de tentar ser reeleito para um quinto mandato nas presidenciais inicialmente agendadas para 18 de abril — e agora previstas para 4 de julho.
Fisicamente muito debilitado, confinado ao conforto privado e quase sem aparecer em público, Bouteflika não resistiu a quase cinco semanas de oposição popular nas ruas. Afastado da presidência, o poder transitou para as mãos de um triunvirato a que os argelinos apelidam de “3B”: Abdelkader Bensalah (presidente interino), Tayeb Belaiz (ministro do Interior) e Noureddine Bedoui (primeiro-ministro).
São eles agora o rosto do odiado regime que o povo continua a contestar, em especial às sextas-feiras, quando gozam o fim de semana e algumas prédicas nas mesquitas têm grande poder mobilizador. No vídeo abaixo, captado em Argel na última sexta-feira, milhares de pessoas entoam o hino nacional.
No Sudão, Omar al-Bashir também saiu de cena a pouco mais de dois meses de completar 30 anos na liderança do país. Entronizado a 30 de junho de 1989, foi deposto a 11 de abril, após protestos populares contra o custo de vida, iniciados em várias cidades em meados de dezembro, se terem transformado em contestação política.
Indiciado no Tribunal Penal Internacional por genocídio e crimes contra a humanidade praticados na região do Darfur, Al-Bashir ficou sob custódia dos militares. Nas ruas, os sudaneses temem que os generais tomem também as rédeas do país e não desarmam, exigindo um governo liderado por civis.
Alaa Salah, uma estudante de arquitetura na Universidade Internacional de Cartum, de 22 anos, tornou-se um símbolo destes protestos, após ser fotografada em cima de um carro a discursar para uma multidão. Em declarações à alemã Deutsche Welle, aquela a quem chamam “Kendaka” (que na cultura núbia significa uma mulher forte e revolucionária) ignorou as ameaças de morte que recebeu após o mediático momento e afirmou-se feliz por ver acontecer uma “revolução” no seu país.
Os protestos na Argélia e no Sudão surgem oito anos após o movimento da Primavera Árabe ter varrido vários países do Norte de África e do Médio Oriente e originado a queda de vários autocratas. Na Tunísia, Zine El Abidine Ben Ali fugiu para a Arábia Saudita; no Egito, Hosni Mubarak foi deposto pelos militares; e na Líbia, Muammar Kadhafi foi executado numa rua da cidade de Sirte, a 20 de outubro de 2011.
Desde o desaparecimento do coronel líbio, o país mergulhou no caos, dividido em dois poderes que não se entendem: um governo instalado na capital, Trípoli (ocidente), liderado pelo primeiro-ministro Fayiz Al-Sarraaj e reconhecido pela comunidade internacional; um outro com sede na cidade de Tobruk (leste), alinhado com Khalifa Haftar, um general que controla a região e que tem atualmente em curso uma ofensiva militar para tomar a capital.
Na semana passada, por pressão da França, a União Europeia falhou a adoção de uma posição condenatória das movimentações do general líbio. Numa posição que contraria a sensibilidade maioritária na comunidade internacional, Paris colocou-se ao lado de Haftar, que beneficia também de equipamento militar fornecido por Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
Este posicionamento francês não será alheio ao facto de a Líbia ser um grande produtor de petróleo e de ter as maiores reservas localizadas precisamente nos “domínios” do general Haftar, no leste do país. Até agora, é a petrolífera italiana ENI que tem tido um acesso privilegiado às jazidas líbias, mas a francesa Total já deu mostras de não querer ficar atrás.
Do dia para a noite, nos EUA, milhões de iranianos ganharam o rótulo de criminosos. Em Teerão, os conservadores agradecem
Olho por olho, dente por dente. Se a Guarda Revolucionária do Irão (GRI) passou a ser, para os EUA, uma “organização terrorista estrangeira” (FTO), para o Irão qualquer militar americano estacionado na região tornou-se um alvo — e são muitos à volta da República Islâmica, geograficamente entalada entre Iraque e Afeganistão. “Com esta atitude estúpida, Trump deu autorização para o assassínio de forças americanas”, escreveu o “Kayhan”, o jornal mais conservador do Irão.
“Os líderes iranianos têm uma vantagem fundamental: planeamento estratégico de longo prazo, por contraponto às táticas impulsivas de curto prazo [do Governo Trump]”, diz ao Expresso Ghoncheh Tazmini, investigadora na Faculdade de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres. “Este é um luxo que, para sermos realistas, quem está no primeiro mandato na Casa Branca não tem. Líbano e Iraque são parceiros do Irão há quase 40 anos. Os EUA presumem que exercer ‘máxima pressão’ durante dois ou seis anos vai alterar a relação do Irão com os aliados, o que revela o quão limitado é o conhecimento que têm das dinâmicas regionais.”
Estudantes “criminosos”
Para os EUA, o carimbo FTO torna criminosa qualquer pessoa, no seu território ou jurisdição, que tenha recebido “treino de tipo militar de ou em nome de uma FTO designada”. Para a iraniana, abriu-se a caixa de Pandora: “Todos os iranianos têm de cumprir serviço militar. Os que têm formação vão, normalmente, para gabinetes estatais, muitos outros vão para os quartéis. Consoante for interpretado ‘receber treino militar de ou em nome da FTO designada’, é possível que milhões de iranianos (milhares no Líbano, Síria, Iraque, Afeganistão, Paquistão que receberam treino da Força Quds, braço da GRI para as missões externas) sejam considerados criminosos. O que complica tudo é que para sair do Irão é preciso ter o serviço militar feito, ou estar isento. Potencialmente, milhares de estudantes iranianos ou com dupla nacionalidade passaram a ser designados como criminosos da noite para o dia.”
Num país dividido entre conservadores e reformistas, fundamentalistas e moderados, a decisão dos EUA criou uma unidade atípica: no Parlamento, destacadas figuras reformistas surgiram com o traje verde da Guarda. “A ‘pressão máxima’ de Trump vai enfraquecer as forças moderadas e fortalecer a posição dos conservadores, unindo a linha dura e criando um espírito solidário.” Isto acontece numa altura em que cheias no Irão mataram 70 pessoas. O Crescente Vermelho queixa-se da falta de ajuda internacional por causa das sanções e, no terreno, são os Guardas quem presta socorro.
(FOTO Membros da Guarda Revolucionária do Irão, numa cerimónia em Mashhad WIKIMEDIA COMMONS)
Artigo publicado no “Expresso”, a 13 de abril de 2019
Maioria de direita no novo Parlamento de Israel vai permitir ao primeiro-ministro continuar no cargo. Netanyahu não precisa de convite do Presidente: já está a negociar a próxima coligação de governo
Benjamin Netanyahu predispôs-se a um feito histórico e alcançou-o: o atual primeiro-ministro de Israel vai ser reconduzido num quinto mandato, o quarto consecutivo. Após tomar posse, basta aguentar-se no cargo até meados de julho e ultrapassa David Ben-Gurion, fundador do Estado, como o israelita que chefiou o Governo durante mais tempo.
Em nome desse desígnio, Netanyahu correu em duas pistas nas eleições legislativas de terça-feira: enquanto líder do Likud, pugnando pela eleição do maior número possível de deputados, e enquanto membro da fação da direita no Parlamento (Knesset), na esperança que, conferidos os votos, esse bloco fosse maioritário.
Netanyahu ganhou em toda a linha. Com 97% dos votos escrutinados, o Likud segue na frente com 26,27%, seguido de muito perto pela aliança Kahol Lavan (Azul e Branco, de centro), com 25,94%. Entre as duas formações há cerca de 14 mil votos de diferença, num universo de 6,3 milhões de eleitores. No Knesset, ambas vão ter 35 deputados.
Mas o que verdadeiramente contribui para estender a passadeira vermelha a Netanyahu é a maioria alcançada pelo conjunto dos partidos de direita, que elegeram 65 deputados num total de 120.
Ao longo dos seus 70 anos de história, Israel nunca teve um governo de um partido só. A seguir a umas legislativas, negociar uma coligação é pois um procedimento político tão habitual como votar.
Os resultados de terça-feira ditaram que os parceiros naturais de Netanyahu na próxima coligação são cinco. À cabeça, os dois partidos religiosos ultraortodoxos (Shas e Judaísmo da Torah Unida), que conseguiram oito lugares cada — no conjunto, passam de 13 para 16 deputados. Por ironia, estes partidos estiveram envolvidos na crise política que levou à antecipação destas eleições em meio ano, quando bateram o pé a uma nova lei que pretendia estender o serviço militar aos homens ultraortodoxos, o que não acontece agora.
Com cinco deputados cada, Yisrael Beitenu e a União dos Partidos de Direita são outros apoios essenciais a Netanyahu. O primeiro — “Israel é o nosso lar” — é liderado pelo ultranacionalista Avigdor Lieberman, que foi ministro da Defesa de Netanyahu entre 2016 e 2018 e bateu com a porta em novembro passado após o primeiro-ministro ter optado por um cessar-fogo com o Hamas em vez de bombardeamentos à Faixa de Gaza, como Lieberman defendia.
Quanto à União dos Partidos de Direita, foi fundada em fevereiro passado e agrupa três partidos da direita e da extrema-direita. Entre eles está o polémico Poder Judeu, que se diz herdeiro ideológico do rabino radical Meir Kahane. O seu líder, Michael Ben-Ari, foi impedido pelo Supremo Tribunal de Israel de se candidatar nestas eleições.
A fechar o leque das hipóteses de coligação de Netanyahu surge o Kulanu, liderado pelo atual ministro das Finanças, Moshe Kahlon. Quando fundou o partido, em 2014, Kahlon definiu-o como “a direita sã”. Nestas eleições perdeu seis deputados, ficando-se pelos quatro.
Na bancada de centro-esquerda — a real oposição a Netanyahu —, além do Kahol Lavan (35 deputados), vão sentar-se duas coligações árabes: Hadash-Ta’al e Balad-Ra’am, a primeira com seis e a segunda com quatro parlamentares. Em 2015, os quatro partidos concorreram unidos e conseguiram 13 lugares — agora, separados, ficaram-se pelos 10. Na sociedade israelita, os árabes correspondem a 20% da população, mas no Parlamento a sua representatividade não vai agora além dos 8%.
Entre os derrotados destas eleições, o campeão foi o Partido Trabalhista. Outrora a fação dominante na política israelita, durante as primeiras décadas de vida do Estado, perdeu dois terços dos lugares que tinha, passando de 18 para seis. O outro partido de esquerda, o Meretz — membro da Internacional Socialista — também perdeu representatividade, passando de cinco para quatro deputados.
Apurados os votos, cabe ao Presidente de Israel, Reuven Rivlin, convidar a personalidade que considera ter melhores condições para formar governo. Benjamin Netanyahu adiantou-se ao convite e já anda em conversações.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 10 de abril de 2019. Pode ser consultado aqui
As eleições em Israel não ditaram um vencedor claro, mas os dois principais candidatos não se fizeram rogados: Benny Gantz disse aos seus apoiantes que será primeiro-ministro. Já Benjamin Netanyahu fez saber que já está em contactos para formar uma coligação governamental
As sondagens previam uma disputa renhida entre o partido do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, Likud (direita), e a recém-formada aliança Kahol Lavan (centro), do general Benny Gantz. E a batalha nas urnas confirmou-o.
As primeiras sondagens à boca das urnas ditaram resultados contraditórios: duas deram a vitória à Kahol Lavan e uma terceira colocou-os empatados. Às primeiras horas da madrugada, as projeções comçariam a ser revistas no sentido de uma vitória do Likud. Essa indefinição não impediu Netanyahu nem Gantz, o líder da aliança de cantarem vitória.
“Sim, amigos, serei o primeiro-ministro de todos e não apenas daqueles que votaram em mim”, disse Gantz, triunfante, diante de apoiantes em festa.
Pouco depois, um porta-voz do Likud, anunciava que Netanyahu está “numa fase muito avançada para formar coligação”.
A engenharia da política
Num país como Israel que sempre teve governos de coligação, para além dos deputados próprios é importante a restante composição do Parlamento (Knesset). E neste capítulo, Netanyahu parece ter vantagem.
Independentemente de vir a ter menos deputados, poderá ter melhores condições para formar coligação. As projeções dizem que, além de Likud e Kahol Lavan, há mais nove partidos bem colocados para eleger parlamentares — e cinco são de direita.
Aos seus apoiantes, Gantz afirmou que conseguirá “formar uma ampla coligação que represente todo o Israel”. Até lá há que esperar pelos resultados finais e depois fazer contas.
Netanyahu dirigiu-se aos seus apoiantes já madrugada dentro. Referiu-se a “uma enorme conquista”. “Quando é que conseguimos tantos lugares? Nem me consigo lembrar.”
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 10 de abril de 2019. Pode ser consultado aqui
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.