A ameaça americana não aumentou a angústia do povo mas um ministro iraniano avisa que a haver guerra, ela não será curta
Estados Unidos e Irão estiveram, esta semana, a dez minutos de uma confrontação militar. Garantiu-o Donald Trump, que afirmou ter abortado um ataque iminente contra alvos iranianos em resposta ao abate de um drone americano.
Nas ruas de Teerão, a notícia não provocou especial ansiedade — não que, para os iranianos, a ameaça não seja credível, mas apenas porque… já estão habituados a viver sob tensão. “Nos últimos meses, apesar de a maioria dos iranianos viver sob grande pressão económica, sob tensões políticas e ameaças de uma guerra desencadeada pelos EUA, quando andamos na rua ou observamos os comportamentos das pessoas percebemos que não existe uma atmosfera própria de uma situação anormal ou de medo da guerra”, diz ao Expresso, da capital iraniana, Farzaneh Amirabdollahian, de 42 anos. “Mesmo nas redes sociais, as pessoas fazem piadas sobre as ameaças de Trump, o que mostra que não o levam muito a sério.”
A inimizade entre EUA e Irão tem sido uma constante desde a Revolução Islâmica de 1979. A partir de então não houve relações diplomáticas. O desanuviamento proporcionado pelo acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano, em 2015, desapareceu com a entrada de Trump na Casa Branca. O Presidente retirou os EUA do acordo e repôs as sanções ao Irão. “Os EUA já começaram a guerra contra o povo iraniano ao intensificarem as sanções, mas nós vamos resistir e não desistimos”, diz a iraniana.
“É óbvio que no meu país ninguém quer a guerra. Já provámos esse gosto amargo nos anos 80.” O Irão diz ter tido mais de um milhão de mortos na guerra com o Iraque (1980-88). “Por isso, tentamos ser pacientes e tolerar o pesado fardo da pressão económica como resultado das sanções cruéis.” As últimas sanções aprovadas por Washington, anunciadas esta semana, visaram diretamente o ayatollah Ali Khamenei. “Impor sanções ao líder supremo, que emitiu uma fatwa [decreto] contra todas as formas de armas de destruição maciça, é um ataque direto à nação”, defendeu o porta-voz do Governo de Teerão, Ali Rabiei. “Esta medida aumentará a união do povo iraniano.”
“NAS REDES SOCIAIS, AS PESSOAS FAZEM PIADAS SOBRE AS AMEAÇAS DE TRUMP, O QUE MOSTRA QUE NÃO O LEVAM MUITO A SÉRIO”
Washington e Teerão dizem não querer a guerra, mas esse cenário domina a retórica das duas capitais. Quarta-feira, Trump aludiu a essa possibilidade: “Não falo de tropas no terreno. Digo apenas que se acontecer alguma coisa, não durará muito tempo.” Respondeu-lhe o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano: “Guerra curta com o Irão é uma ilusão.”
Os “B” que querem a guerra
Javad Zarif é um rosto moderado do regime dos ayatollahs e um dos artífices do acordo de 2015. No contexto atual, tem sido uma voz combativa das intenções de Trump e… da “equipa B”, que “despreza a diplomacia e está sedenta de guerra”: são eles Bolton, ‘Bibi’, Bin Salman e Bin Zayed.
Conselheiro de segurança nacional de Trump, o ultraconservador John Bolton é um dos grandes arquitetos da invasão ao Iraque de 2003 e um defensor da mudança de regime em Teerão. Entrou para a equipa de Trump em março de 2018, sem esconder ao que ia: em agosto de 2017, na publicação “National Review”, assinara o “Nas redes sociais, as pessoas fazem piadas sobre as ameaças de Trump, o que mostra que não o levam muito a sério” artigo “Como sair do acordo nuclear iraniano” — o que veio a acontecer em maio de 2018.
‘Bibi’ é a alcunha do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. Se na terminologia do fundador da República Islâmica, o ayatollah Ruhollah Khomeini, os EUA são o “grande Satã”, Israel é o “pequeno Satã”. Outros “B” são os príncipes herdeiros da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos. O primeiro, Mohammad bin Salman, representa a maior monarquia árabe sunita do Médio Oriente, que tem como grande rival o Irão, República persa xiita. Já Mohammed bin Zayed Al Nahyan foi considerado por “o governante árabe mais poderoso” pelo jornal “The New York Times”.
“O mais importante é que o Irão nunca invadiu qualquer país e nunca o fará. Mas estará sempre preparado para defender a nação”, conclui Farzaneh.
(FOTO Pormenor de um mural antiamericano, num muro da antiga embaixada dos Estados Unidos em Teerão PHILLIP MAIWALD / WIKIMEDIA COMMONS)
Artigo publicado no “Expresso”, a 29 de junho de 2019. Pode ser consultado aqui






















