O parlamento de Hong Kong começa a debater esta quarta-feira uma polémica emenda legislativa que permitirá a extradição para a China continental de cidadãos considerados suspeitos de envolvimento em crimes. A polícia mobilizou 5000 agentes para conter o protesto que já foi convocado
Hong Kong vive sob soberania chinesa há quase 22 anos. Mas a convivência entre a antiga colónia britânica e Pequim não se tem revelado totalmente pacífica. O mais recente foco de tensão — que levou às ruas, no domingo, mais de um milhão de pessoas, segundo a Frente Civil para os Direitos Humanos — decorre de uma polémica emenda à lei de extradição que o Governo de Hong Kong quer ver aprovada antes das férias de verão.
A emenda permitirá a transferência, caso a caso, de suspeitos de envolvimento em crimes para jurisdições com quem Hong Kong não tem acordos de extradição. Não é o caso de Estados Unidos ou do Reino Unido, mas é o caso da China continental. Os defensores da nova lei dizem que vai preencher uma lacuna e evitar que o território se torne um “refúgio para criminosos internacionais”.
Data de fevereiro do ano passado um caso que agitou o país e contribuiu para dar caráter de urgência a este processo. De férias em Taiwan, Chan Tong-kai, um cidadão de Hong Kong de 19 anos, assassinou a namorada grávida. Na ausência de um acordo de extradição entre os dois territórios, de regresso a casa o homem não pode ser julgado por homicídio, mas apenas por crimes menores, como a utilização indevida do cartão de crédito da vítima.
A nova lei gera, porém, muitas reservas entre os críticos do regime chinês. Atribuem-lhe motivações políticas e defendem que vai permitir a Pequim perseguir opositores e raptar críticos em Hong Kong.
Entre os cidadãos do território teme-se que o novo diploma ponha em causa a independência do seu sistema judicial. Apesar da soberania chinesa, Hong Kong é uma região administrativa especial com autonomia a nível económico e de sistema de governo — o princípio “um país, dois sistemas”.
Esta terça-feira, Andrew Leung Kwan-yuen, o presidente do Parlamento local, anunciou que a emenda será debatida na assembleia durante 61 horas, justificando o prazo com o carimbo de urgência aplicado pelo Gabinete de Segurança a este assunto.
De acordo com o plano de Andrew Leung, os deputados irão debater o diploma entre quarta e sexta e, na próxima semana, mais quatro dias, seguindo-se a votação ainda na quinta-feira, dia 20. Até lá, é mais que provável que as ruas de Hong Kong não tenham sossego.
Segundo o jornal digital “South China Morning Post”, a polícia está a preparar-se para “inundar as ruas com 5000 agentes em resposta a apelos no sentido de uma segunda vaga de protestos”. O início da concentração popular está previsto para esta terça-feira à noite.
Com um contingente menor nas ruas, o protesto de domingo terminou com violência, às primeiras horas de segunda-feira, com a polícia a carregar com bastões e spray de gás pimenta e os manifestantes a arremessarem tudo o que estava à mão. Das batalhas campais resultaram apenas feridos.
Mais de 100 restaurantes, lojas e outros negócios já anunciaram que, esta quarta-feira, estarão de portas fechadas, solidários com o protesto. “Espero que as escolas, os pais, organizações, negócios e sindicatos pensem nas coisas cuidadosamente antes de defenderem quaisquer ações radicais”, apelou esta terça-feira Carrie Lam, a chefe do Executivo de Hong Kong. “Que bem isso fará à sociedade de Hong Kong e aos nossos jovens?”
Não é o que sentem, porém, muitos milhares de cidadãos que, beneficiando do estatuto especial de que goza Hong Kong, não têm abdicado do direito à manifestação para desafiarem a influência de Pequim no território. Em 2014, durante três meses, grandes protestos pró-democracia encheram as ruas da cidade numa iniciativa que ficou conhecida como o “movimento dos guarda-chuvas amarelos”. Cinco anos depois, voltam às ruas em massa para recordar que a relação de Hong Kong com o regime de Pequim tem limites.
(FOTO Protesto em Hong Kong contra a lei da extradição, a 12 de junho de 2019 STUDIO INCENDO / WIKIMEDIA COMMONS)
Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 11 de junho de 2019. Pode ser consultado aqui