Os manifestantes de Hong Kong saem à rua artilhados da cabeça aos pés. Levam consigo equipamentos de proteção individual, objetos para improvisar barricadas e material de papelaria para apresentar reivindicações. Às costas, uma mochila para acomodar (quase) tudo. Há precisamente um mês nas ruas, os “rebeldes” de Hong Kong não dão mostras de cansaço
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MEGAFONE. Necessário para que as palavras de ordem se façam ouvir ao longe TYRONE SIU / REUTERSCAPACETE. Um utensílio clássico em cenários com muita gente e grande agitação IVAN ABREU / GETTY IMAGESPELÍCULA ADERENTE. Uma versão barata de impermeável para resguardar braços e pernas ANTHONY WALLACE / AFP / GETTY IMAGESGUARDA-CHUVA. Símbolo icónico dos protestos pró-democracia de 2014, é usado como barreira de defesa contra o gás pimenta TYRONE SIU / REUTERSÓCULOS. Para proteger os olhos dos gases tóxicos com que a polícia costuma reagir TYRONE SIU / REUTERSMÁSCARA CIRÚRGICA. Usada para tapar as vias respiratórias e, por vezes, ocultar a identidade dos manifestantes ANTHONY KWAN / GETTY IMAGESMÁSCARA ANTIGÁS. Indispensável nos momentos de maior tensão em que o ar fica irrespirável, contaminado por gás lacrimogéneo TYRONE SIU / REUTERSÁGUA. Para hidratar o corpo e, em especial, limpar os olhos quando expostos a gases tóxicos GEOVIEN SO / GETTY IMAGESGARRAFAS PLÁSTICAS. Utilizadas para esguichar água sobre cartuchos de gás lacrimogéneo acabados de lançar ANTHONY KWAN / GETTY IMAGESIMPERMEÁVEL. Para cobrir o corpo e prevenir irritações cutâneas MIGUEL CANDELA / GETTY IMAGESLUVAS. Para resguardar as mãos e, em certos contextos, não deixar impressões digitais VIVEK PRAKASH / AFP / GETTY IMAGESCONE DE SINALIZAÇÃO. Em dia de manifestação, é usado para bloquear ruas ANN WANG / REUTERSSUPERFÍCIE SÓLIDA. Tampos de madeira, pedaços de cartão, para além dos guarda-chuvas, tudo funciona como escudo de proteção VERNON YUEN / GETTY IMAGESABRAÇADEIRAS. Essenciais para unir gradeamentos e improvisar barricadas ANTHONY KWAN / GETTY IMAGESSPRAY. Com que se grafitam os lemas das manifestações: “Hong Kong não é China”, lê-se nesta parede JORGE SILVA / REUTERSPRETO. Cor usada em bandeiras, máscaras e t-shirts, traduz o luto resultante da morte gradual das liberdades em Hong Kong ANTHONY KWAN / GETTY IMAGESUNION JACK. A bandeira do Reino Unido, de quem Hong Kong foi colónia até 1997, não é um símbolo generalizado dos protestos. Mas a assídua “avó Wong” não abdica dela HECTOR RETAMAL / AFP / GETTY IMAGESCOLA. Em fita ou em tubo para afixar cartazes. Os da foto, sobre uma placa que indica a direção dos gabinetes do Governo central, dizem: “Não à extradição para a China” MIGUEL CANDELA / GETTY IMAGESPOST-IT. Onde os manifestantes escrevem mensagens para as autoridades e depois afixam nas paredes da sede do Governo VIVEK PRAKASH / AFP / GETTY IMAGESCARTAZ. “Hong Kong livre. Democracia agora”, é apenas um exemplo THOMAS PETER / REUTERSINTERCOMUNICADOR. Sem liderança visível, os protestos são minimamente coordenados. Na foto, o deputado pró-democracia Eddie Chu está munido de equipamento de comunicação PHILIP FONG / AFP / GETTY IMAGESTELEMÓVEL. Instrumento indispensável à organização das manifestações, combinadas nas redes sociais e em serviços de mensagens instantâneas como o Telegram CHRIS MCGRATH / GETTY IMAGESMATERIAL DE LIMPEZA. No rasto dos protestos, há sempre manifestantes que depois se dedicam a limpar a via pública TYRONE SIU / REUTERSDINHEIRO. Uns trocos no bolso dão sempre jeito. Estes manifestantes abastecem-se de Coca-Cola numa loja vazia. Um deles mostra uma caixa com dólares, para pagar o “furtado” TYRINE SIU / REUTERSMOCHILA. Para transportar todas as “armas” necessárias a tantos e tão grandes protestos ANTHONY WALLACE / AFP / GETTY IMAGES
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 9 de julho de 2019. Pode ser consultado aqui
Oficialmente, os talibãs não falam nem com o Governo de Cabul nem com os Estados Unidos. Na prática, estão todos em Doha, no Qatar, a esboçar conversações, a menos de três meses das presidenciais no Afeganistão
No Afeganistão, o caminho da paz é longo e sinuoso. Esta segunda-feira, terminam no Qatar dois dias de conversações entre quase 50 delegados do Governo de Cabul e 17 representantes talibãs. “Não é uma negociação, é um diálogo”, alerta Abdul Matin Bek, chefe da Diretoria Independente para a Governação Local, um órgão de comunicação entre os governos central e regionais no Afeganistão.
Se correr bem, este diálogo poderá, numa primeira fase, levar a conversações bilaterais diretas e, posteriormente, a negociações oficiais. “O facto de estarmos todos aqui sentados é significativo, num momento em que os afegãos sentem que não há esperança”, afirmou Sayed Hamid Gailani, líder da Frente Islâmica Nacional do Afeganistão, à televisão Al-Jazeera.
Os talibãs têm-se recusado a negociar com o Governo liderado pelo Presidente Ashraf Ghani, que consideram ser “um fantoche” do Ocidente. Anuíram a estar presentes em Doha numa base pessoal.
Igualmente, têm-se negado ao diálogo direto com os Estados Unidos enquanto subsistirem tropas norte-americanas no país. Mas na terça-feira, também na capital do Qatar, serão retomadas conversações entre representantes dos dois lados que, segundo o enviado dos EUA, Zalmay Khalilzad, têm registado “progressos substanciais”.
The last 6 days of talks have been the most productive session to date. We made substantive progress on ALL 4 parts of a peace agreement: counter-terrorism assurances, troop withdrawal, participation in intra-Afghan dialogue & negotiations, and permanent & comprehensive ceasefire
A esta agitação diplomática não será alheio o facto de o Afeganistão ter eleições presidenciais agendadas para 28 de setembro.
“Compreendemos que fazer a paz não é fácil”, disse Markus Potzel, enviado especial da Alemanha, país que, juntamente com o Qatar, co-patrocina esta iniciativa. “O vosso país está na encruzilhada de interesses regionais e internacionais que conflituam entre si. Mas fatores externos só resultarão em conflito se os afegãos estiverem divididos.”
Na prática é tudo, porém, bastante mais complexo. No domingo, na cidade de Ghazni (leste do Afeganistão), um atentado reivindicado pelos “estudantes” provocou 12 mortos e 150 feridos. “Os talibãs deviam perceber que não é possível conseguir mais privilégios nas conversações atacando civis, especialmente crianças”, reagiu em comunicado o Presidente Ghani.
A última carnificina da autoria dos talibãs visou um edifício das forças de segurança, atingindo também uma escola privada.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de julho de 2019. Pode ser consultado aqui
Ativistas pró-democracia, que invadiram e vandalizaram o Parlamento, já não creem em marchas pacíficas
Hong Kong está nas ruas há quase um mês. Desde 9 de junho que milhões de pessoas protestam contra uma nova lei da extradição que sentem ser um tentáculo de Pequim, com o objetivo de estrangular a autonomia desta região administrativa especial. A última manifestação, esta semana, descambou em violência inédita — invasão e vandalização do Parlamento —, que não foi unânime no seio do movimento e, num primeiro momento, contribuiu para reforçar a narrativa do Governo de Hong Kong, para quem os protestos são obra de “desordeiros”.
Esperar-se-ia que tão cedo não houvesse novas marchas, mas não é o que está previsto. Ontem, as “Mães de Hong Kong” concentraram-se no parque público Chater Garden. Para amanhã, domingo, está previsto um protesto em Tsim Sha Tsui, zona comercial e de vida noturna. “Espero menos participantes”, diz ao Expresso Evan Fowler, 39 anos, cidadão de Hong Kong. “A China Continental não está propícia a grandes manifestações.”
CONTEXTO
Colónia Derrotada na I Guerra do Ópio, a dinastia Qing cede Hong Kong à coroa britânica em 1842
Transição Em 1997, Londres devolve o território à China
Estatuto Durante 50 anos, é região administrativa especial, com sistema político e económico próprio
Protestos Os cidadãos estão contra a nova lei da extradição, que pode levá-los a julgamento na China
Os novos protestos acontecem numa altura em que a polícia procura responsáveis pelo “assalto” ao Parlamento (LegCo, abreviatura inglesa de Conselho Legislativo) levado a cabo durante o tradicional protesto de 1 julho, que lamenta o regresso de Hong Kong a soberania chinesa, em 1997. No terreno, equipas forenses recolheram impressões digitais e amostras de ADN para identificar os invasores. O primeiro detido, quarta-feira de manhã, foi Poon Ho-chiu, de 31 anos, que tem a alcunha de “Pintor” por desenhar nas ruas durante as manifestações pró-democracia de 2014 (Movimento dos guarda-chuvas). “Quase todos os que invadiram o LegCo foram presos pela polícia em 2014”, explica Fowler. “Muitos não foram acusados por falta de provas. Sentem-se frustrados, pois mesmo quando protestam pacificamente são presos.”
Segunda-feira, no exterior do LegCo — onde, em 70 membros, 43 são pró-Pequim —, uma mensagem grafitada numa coluna confirmava esta leitura: “Foram vocês que me disseram que as marchas pacíficas não funcionam”. Lá dentro, um grafito junto à porta do refeitório dava mais uma pista sobre as motivações da invasão. “Como conseguem comer quando alguém morreu por vossa causa?” A mensagem alude a três suicídios relacionados com os protestos contra a nova lei. Faz amanhã uma semana, Zhita Wu, de 29 anos, funcionária num notário, atirou-se de uma ponte. “Gostava de ver a vossa vitória. Não posso ir à manifestação de 1 de julho, perdi toda a esperança”, escreveu no Facebook.
Na véspera, a universitária Lo Hiu-yan escreveu na parede de um 24º andar: “Exigimos a total retirada da lei, o fim da designação de ‘tumultos’ para os protestos do dia 12 [reprimidos pela polícia], a libertação dos estudantes, a demissão de Carrie Lam [chefe do Governo] e a punição da polícia”, exigiu. “Por favor, continuem a persistir.” Antes de mergulhar no abismo, fotografou a mensagem e publicou-a no Instagram.
Polícia ausente
Durante a invasão ao LegCo, Jeffie Lam, jornalista do “South China Morning Post”, escrevia no Twitter: “Pan-democratas [deputados pró-democracia] tentaram persuadir os manifestantes a não invadir, mas muitos estão dispostos a sacrifícios independentemente das consequências [arriscam mais de dez anos de prisão]. Culpam-se por não fazerem o suficiente, o que já resultou em três casos de suicídio aparentemente relacionados com esta saga. É triste e alarmante.”
Terça-feira de manhã, o chefe da polícia negava à imprensa que tivesse sido montada “uma armadilha”. A ausência de agentes no momento em que a entrada do LegCo foi arrombada — e a sua reação apenas três horas depois — levantou suspeitas sobre a origem da violência, oportuna para a narrativa do Governo. “Os manifestantes estavam a abandonar o local, mas a polícia varreu a área com excecional rapidez, com gás lacrimogéneo e bastonadas. Isto levanta perguntas sobre porquê esperaram tanto tempo para agir”, tuitava James Griffiths, produtor da CNN no local.
Independentemente de ter sido ou não montada uma cilada, a tomada do Parlamento foi uma declaração: “Não temos alternativa”, após marchas, protestos permanentes, cercos a edifícios governamentais e da polícia, sem reação do Governo. “Eles dizem que a seguir à marcha de um milhão de pessoas [dia 9], Carrie Lam não se mexeu. E foi só com a escalada no dia 12, quando a polícia disparou balas de borracha, que aconteceu algo: a suspensão da lei [no dia 15]”, recorda Fowler. “Após dois milhões protestarem [a 16] e de, a não ser um seco pedido de desculpa, nenhuma exigência ter sido atendida, sentem que só terão respostas com ação.”
A tradicional marcha pacífica de 1 de julho em Hong Kong terminou com uma violenta invasão do Parlamento. Ao Expresso, um cidadão do território levanta suspeitas de que todo o caos tenha sido orientado para que os manifestantes surjam nas imagens como “desordeiros”
“Acabei de chegar da zona de Admiralty. Passei lá o dia. É tão triste que esta seja a forma de governar na minha pátria: dividir para reinar.” Evan Fowler vive em Londres mas está, por estes dias, no seu Hong Kong natal. Sabia que o 1 de julho seria um dia agitado, como sempre acontece no território desde 1997. Organizado pela Frente Civil para os Direitos Humanos, sai à rua um protesto contra a transferência de Hong Kong para a República Popular da China e contra a crescente influência de Pequim sobre um território que, durante 50 anos, é suposto conservar alguma autonomia.
Este ano, o protesto descambou e terminou com uma violenta — e inédita — invasão ao Parlamento de Hong Kong (LegCo, abreviatura de Conselho Legislativo) com a polícia antimotim dentro do edifício a revelar grande passividade. “Suspeito que isto tenha sido um evento encenado”, diz Evan Fowler ao Expresso.
“As pessoas que partiram o vidro [da entrada do edifício] eram desconhecidas dos manifestantes e dos jornalistas que têm coberto os protestos, e desapareceram logo a seguir. Suspeito fortemente que as imagens [decorrentes da invasão], e que são provocadoras em relação à China, foram orientadas, senão mesmo organizadas, para retirar apoio aos protestos populares”, diz.
Dentro do Parlamento, os manifestantes espalharam o caos, destruindo tudo o que lhes aparecia pela frente. Arrancaram retratos, grafitaram as paredes e chegaram a estender uma bandeira colonial britânica — que não tem sido um símbolo das manifestações em Hong Kong — sobre a secretária do presidente da Assembleia.
“Era incrível ver o que se passava dentro do Parlamento. Grafitavam as paredes, partiam tudo”, diz ao Expresso um fotógrafo europeu que acompanhou a invasão do Parlamento. “Com isto, o movimento perdeu muita legitimidade.”
Uma tarja com exigências foi erguida junto à cadeira do presidente: abolição do sistema eleitoral antidemocrático e eleição do chefe do Executivo por sufrágio universal. Slogans de manifestações anteriores, nomeadamente dos protestos pró-democracia de 2014 (Movimento dos Guarda-chuvas), estas não são as exigências que têm motivado, desde 9 de junho, os gigantescos protestos nas ruas de Hong Kong, mas antes a nova e polémica lei da extradição.
“Isto é uma completa armadilha. Lamento que as pessoas tenham caído nela”, dizia, dentro do Parlamento, o deputado pró-democracia Fernando Cheung, acrescentando que a polícia podia ter facilmente impedido a invasão.
Também dentro da câmara dos deputados, um produtor da CNN, James Griffiths, ia descrevendo no Twitter o caos que se vivia. “Começo a ver discussões entre os manifestantes sobre o que fazer a seguir. Alguns querem abandonar completamente a zona do LegCo, outros querem ficar. O receio é que a minoria que fique vá enfrentar grandes consequências legais. Outro problema de um protesto sem liderança.”
Não deixar rasto digital em dia de protesto
Contrariamente aos protestos pró-democracia de 2014, “não há qualquer grupo ou organização a liderar estas manifestações”, diz Evan Fowler. “Muitas pessoas têm medo de ser presas”, como aconteceu aos líderes dos protestos de há cinco anos.
As manifestações são convocadas através das redes sociais e de plataformas de envio de mensagens instantâneas como o WhatsApp ou o Telegram, onde com frequência se fazem votações em tempo real sobre o que fazer a seguir.
No dia dos protestos, muitos participantes evitam usar o passe de metro, preferindo comprar bilhete nas máquinas ou então andar quilómetros a pé, para evitar deixar rasto digital. Evita-se também usar multibancos, recorre-se a telemóveis antigos e a cartões Sim acabados de comprar. Não falta também quem se movimente através de várias contas na Internet.
Polícia demorou muito a intervir
Esta segunda-feira, era já noite em Hong Kong quando a polícia “varreu” a sede do Parlamento. A maioria dos manifestantes já tinha abandonado o local. “Os manifestantes estavam preparados para abandonar o local, mas a polícia limpou a área à volta do LegCo excecionalmente rápido, com gás lacrimogéneo e bastonadas. O que levanta ainda mais perguntas sobre o porquê de hoje terem esperado tanto tempo para agir?”, questionou Griffiths.
A leitura dos acontecimentos que Evan Fowler faz vai no mesmo sentido suspeito. “Foi tudo muito conveniente. Tudo jogou a favor do guião do Governo que retrata protestos legítimos como um motim. Tudo jogou a favor da divisão da comunidade”, com as gerações mais velhas a insurgirem-se contra a “estupidez típica da juventude” que os transforma em “desordeiros”.
Reagindo aos acontecimentos, Carrie Lam, a contestada chefe do Executivo de Hong Kong, condenou o “uso da violência extrema” e precisamente “o vandalismo por parte dos manifestantes que invadiram o edifício do LegCo”, disse. “Nada é mais importante do que o Estado de direito em Hong Kong.” Carrie Lam falou numa conferência de imprensa realizada às 21 horas de Portugal Continental – eram quatro da manhã em Hong Kong. Horas depois, Hong Kong acordava sem grandes explicações para o que se passou.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 2 de julho de 2019. Pode ser consultado aqui
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.