Os antigos vikings tornaram-se pombas da paz

Os noruegueses são mediadores em processos de reconciliação nos quatro cantos do mundo. Ao fazê-lo ganham prestígio e relevância

A crise política na Venezuela está num aparente beco sem saída. Se a diplomacia continua a desbravar caminho, relegando para segundo plano a hipótese de uma solução militar, muito se deve à Noruega. A 7 de agosto, o diálogo entre Governo e oposição, mediado pelos nórdicos, foi suspenso na ilha de Barbados (Caraíbas). Na semana passada, uma delegação norueguesa esteve em Caracas a planear o passo seguinte.

A Venezuela é apenas um exemplo. Atualmente, a diplomacia norueguesa está também envolvida no vespeiro que é o Afeganistão. “Saúdo a prontidão da Noruega em acolher as conversações de paz afegãs”, disse na quarta-feira Abdullah Abdullah, chefe executivo do
Governo de Cabul, após um encontro com o enviado norueguês Per Albert Ilsaas.

Mudanças no Governo de Oslo não provocam alterações significativas em compromissos anteriormente assumidos pelo país

Desde a década de 1980 que os bons ofícios da Noruega são solicitados em processos de paz e reconciliação em todo o mundo. Com este investimento político, o reino “capta atenção internacional, prestígio e credibilidade” o que pode facilitar “o acesso e o diálogo ao mais alto nível com os principais poderes e organizações internacionais”, diz ao Expresso Pal Nesse, conselheiro do Conselho Norueguês para os Refugiados.

“O altruísmo é importante, bem como a salvaguarda de interesses futuros e do acesso aos decisores políticos”, acrescenta Halvard Leira, do Instituto Norueguês de Assuntos Internacionais. “Eu diria que tem que ver com a necessidade de o país ser percecionado e visto como relevante, com a forma como se vê a si próprio e a que estatuto aspira”, diz ao Expresso.

Quatro vezes maior do que Portugal, mas com metade da população portuguesa, a Noruega ora surge no papel de mediadora ora como facilitadora, intermediária ou anfitriã. Tudo contribuiu para a consolidação de um “modelo norueguês”, no qual Governo e sociedade civil — organizações não-governamentais, grupos religiosos, instituições académicas — trabalham estreitamente, muitas vezes num registo informal, trocando informações, contactos e ideias. Não raras vezes, as partes em conflito reúnem-se secretamente a convite de uma organização civil, ficando reservado ao Executivo norueguês um papel secundário.

Foi assim na Guatemala, por exemplo. Em 1990, a primeira reunião entre Governo e guerrilha decorreu em Oslo, por iniciativa da Federação Mundial Luterana. O Governo apoiou à distância, garantindo a segurança. Seis anos depois, o cessar-fogo assinado em Oslo e o acordo de paz firmado na cidade da Guatemala puseram fim a 36 anos de guerra civil.

Novo Governo, velha política

Joga a favor da Noruega o facto de não ter um passado colonial e de… não ser membro da União Europeia: ao não estar limitada pela lista de organizações terroristas da UE, não tem interlocutores proibidos.

À mesa do diálogo, os noruegueses apresentam-se como neutrais e sem agendas escondidas. O desafio é criar confiança entre as partes para que se torne possível uma solução, com paciência, persistência e coerência. A cultura política norueguesa é, tradicionalmente, orientada para o consenso pelo que “mudanças no Governo não provocam alterações significativas” em compromissos sérios assumidos anteriormente pelo país, diz Pal Nesse.

A credibilidade conquistada faz da Noruega — que anualmente atribui o Nobel da Paz — um parceiro desejado na resolução de conflitos. Foi assim entre israelitas e palestinianos (Acordos de Oslo de 1993) e entre o Governo de Bogotá e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) em 2016, selando 52 anos de guerra civil. Mas também no Mali, Myanmar, Sudão, Somália, Chipre, Sri Lanka, Nepal, Etiópia, Eritreia, Ruanda, Burundi, Filipinas e Timor-Leste. Numa entrevista recente ao “Público”, o ex-dirigente Xanana Gusmão disse que “o principal segredo” de Timor em matéria de gestão de petróleo “foi seguir os conselhos da Noruega”. O reino exporta crude mas ali não há ‘milionários do petróleo’.

Artigo publicado no “Expresso”, a 24 de agosto de 2019

Uma cobiça que extravasa as fronteiras

Para Índia e Paquistão, a Caxemira é um jogo de soma zero: aquele que a controlar coloca uma ameaça existencial ao outro

Em Caxemira, parece haver um conluio que torna a perspetiva de paz num grande desafio. Nele participam a História e a geografia, bem como os interesses económicos e as necessidades de segurança de três potências nucleares: Índia, Paquistão e China. Ali já se travaram três guerras: a quarta pode ser espoletada pelas alterações climáticas.

HISTÓRIA. Problema de nascença

O conflito em Caxemira é uma ferida aberta pela História. Em 1947, quando da divisão do Império britânico — originando a Índia (hindu) e o Paquistão (muçulmano) —, a maioria dos numerosos estados principescos concordou em juntar-se a um ou a outro. O estado de Jammu e Caxemira, o mais setentrional, foi uma das exceções: a maioria da população (muçulmana) queria unir-se ao Paquistão; o marajá Hari Singh (hindu) defendia uma independência neutra.

A disputa redundou na primeira de três guerras (1947, 1965 e 1999), com o Paquistão a invadir a Caxemira e o marajá a ceder a soberania à Índia em troca de apoio militar. Em 1949, o estabelecimento de uma Linha de Controlo selou a trégua. Hoje, a Índia controla 45% da região, o Paquistão 35% e a China 20%.

GEOGRAFIA. O milagre da água

Basta abrir um mapa para perceber por que razão Caxemira é vital para Índia e Paquistão. A região é a principal fonte de abastecimento hídrico de ambos: o Paquistão com 200 milhões de habitantes e a Índia com 1300 milhões e a caminho de ultrapassar a China como o país mais populoso do mundo — em 2024, diz a ONU. Mediado pelo Banco Mundial, o Tratado das Águas do Indo (1960) deu a cada um o controlo de três rios da bacia do Indo, alimentados pelos glaciares.

Para a Índia, essa água é essencial ao fornecimento de eletricidade a centenas de milhões de pessoas. Para o Paquistão, está em causa a sua subsistência agrícola, uma vez que mais de 90% da produção tem origem na bacia do Indo. O problema ganhou dimensão com o aquecimento global: os glaciares derretem mais rapidamente, provocando inundações nos dois países; a prazo, a secura dos leitos dos rios provocará apagões prolongados.

SEGURANÇA. Terreno de rebeldes

Num estudo desenvolvido para uma escola do Exército paquistanês, o general Javed Hassan defendeu que o principal objetivo da doutrina estratégica do Paquistão era balcanizar a Índia. Publicado em 1990, o trabalho não foi retirado de circulação, o que indicia uma sintonia em relação à doutrina oficial. O estudo constatava que a Índia tem “uma incapacidade histórica para existir enquanto Estado unificado” e que “está refém de uma tradição centrífuga e não centrípeta”. Caxemira era identificada como uma zona vulnerável a infiltrações visando a fragmentação ou enfraquecimento da Índia.

Por essa altura, o apoio do Paquistão a grupos separatistas na região já era uma realidade, muito graças aos milhões canalizados pelos EUA no âmbito do combate aos soviéticos no Afeganistão (1979-1989). Essa ajuda permitiu ao Paquistão dotar-se de uma das maiores máquinas de guerra do mundo (ainda assim aquém da indiana) e mascarar apoios a grupos armados.

Em 2008, a célula que realizou os atentados de Bombaim (166 mortos) recebeu ordens do Lashkar-e-Taiba, um dos grupos terroristas mais ativos da Ásia Meridional, sediado na Caxemira paquistanesa. David Headley, um americano-paquistanês detido nos EUA que deu informações para o ataque, testemunhou que a secreta paquistanesa esteve envolvida na preparação.

ECONOMIA. Rotas cruzadas

Um pequeno troço da Caxemira paquistanesa faz fronteira com o Afeganistão, país que é uma porta de entrada na Ásia Central. Esta, abundante em recursos hídricos e naturais, é também uma ponte entre a Ásia e a Europa e, por isso, uma componente vital para grandes projetos com que Índia, Paquistão e China querem afirmar-se no mundo. São exemplos a iniciativa chinesa “Faixa e Rota” e o Corredor Económico China-Paquistão (CPEC).

O Paquistão beneficiará com infraestruturas que vão facilitar a ligação entre a China e a Ásia Central, algumas delas em Caxemira. Para a China, o Paquistão poderá garantir uma saída para o Mar Arábico. Quanto à Índia, está também a desenvolver uma rota comercial até à Europa: o Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul. Mas sem poder atingir o Afeganistão — no meio está a Caxemira paquistanesa —, tem de navegar até ao Irão e daí seguir por terra. A Índia acusa o CPEC de violar a sua “integridade territorial” — ao atravessar a Caxemira paquistanesa que diz ser sua.

Artigo publicado no “Expresso”, a 17 de agosto de 2019. Pode ser consultado aqui

Assalto ao aeroporto com uma preocupação em mente: o futuro do território após 2047

Os protestos em Hong Kong conquistaram, esta segunda-feira, um palco inédito com milhares de pessoas a bloquearem o aeroporto, um dos mais movimentados do mundo. Pequim afirmou que a escalada dos protestos revela “sinais de terrorismo”

Milhares de manifestantes subiram, esta segunda-feira, a fasquia dos protestos em Hong Kong e ocuparam o terminal do aeroporto da cidade — o oitavo mais movimentado do mundo. Vestidos de negro, rumaram ao aeroporto após o meio-dia e sentaram-se no chão do terminal, inviabilizando a circulação característica de passageiros e trolleys.

Há quatro dias que já havia manifestantes no aeroporto. Andavam por ali pacificamente, distribuindo panfletos aos turistas para os sensibilizar para a sua causa. Esta segunda-feira, o reforço de ativistas obrigou ao cancelamento de todas as partidas previstas, afetando cerca de 180 voos.

Em cartazes ou através de gritos de ordem, os manifestantes justificaram a ação com a revolta provocada pela brutalidade da polícia na véspera. Uma nova jornada de protestos redundou em violência inédita, com a polícia a lançar gás lacrimogéneo dentro de estações de metro. Há também notícias de que foram disparadas balas de pimenta a curta distância.

Entre os manifestantes feridos, está uma mulher “alegadamente atingida por um saco de feijão [uma arma supostamente não-letal usada pela polícia para neutralizar os manifestantes] na zona de Tsim Sha Tsui”, lê-se na publicação “South China Morning Post”. “Um médico conhecedor do caso disse que ela pode perder o olho direito.”

No aeroporto, muitos manifestantes solidários taparam um olho com gaze, outros mostravam cartazes com um olho desenhado e em algumas paredes havia grafitis onde podia ler-se “olho por olho”.

Com o cair da noite, o número de manifestantes não ia além das centenas. A Autoridade Aeroportuária informou que espera que os voos sejam normalizados pelas seis da manhã desta terça-feira.

“Há muita revolta após a atuação da polícia no domingo”, diz ao Expresso Evan Fowler, um cidadão de Hong Kong a viver no Reino Unido. “É incerto o que os manifestantes pretendem fazer agora. O rumor / ameaça de bloqueio por parte da polícia pode ser determinante.”

A China reconheceu, esta segunda-feira, que a situação em Hong Kong atingiu um “ponto crítico” e que a escalada das ações dos manifestantes — a quem Pequim chama “desordeiros” — revela “sinais de terrorismo”, em especial contra as forças policiais. No domingo, um agente ficou ferido atingido por um cocktail Molotov arremessado pelos manifestantes.

“Este tipo de atividade criminosa violenta tem de ser combatida de forma enérgica no respeito pela lei, sem hesitação ou compaixão”, afirmou Yang Guang, porta-voz do Gabinete dos Assuntos de Hong Kong e Macau, do Governo chinês.

Em conferência de imprensa esta segunda-feira, a polícia de Hong Kong informou que, desde sexta-feira, foram presas 149 pessoas, acusadas de reunião ilegal ou ataque à polícia, entre outros. A libertação dos detidos — destes e de outros protestos passados — é outro ponto do rol de exigências dos manifestantes.

Dois meses nas ruas

Os protestos em massa estão nas ruas de Hong Kong desde 9 de junho. O gatilho foi uma nova lei da extradição, proposta pelo Governo local, que colocaria os cidadãos à mercê de serem transferidos e julgados na China Continental.

Mas desde então, e perante a recusa do Governo em retirar definitivamente a lei do circuito legislativo — apenas a suspendeu —, os manifestantes têm ampliado as exigências. Passaram a pedir a demissão da chefe do Governo Carrie Lam, o rosto da lei da extradição em quem não confiam e a quem encaram como porta-voz e ‘um pau mandado’ de Pequim.

Em pano de fundo, há uma preocupação permanente que toma os manifestantes: o futuro do território após 2047. Até 1997, Hong Kong foi uma colónia cedida ao Império Britânico pela dinastia Qing, no fim da Primeira Guerra do Ópio, em 1842. Há 22 anos, Londres e Pequim acordaram a transferência de soberania para a China, passando Hong Kong a beneficiar — durante 50 anos — de um estatuto especial com elevado nível de autonomia, a nível executivo, legislativo e judicial.

Essa fórmula “um país, dois sistemas” não confere aos cidadãos de Hong Kong o direito a elegerem o chefe de Governo por voto direto e universal — outra exigência dos manifestantes. Mas permite-lhes que protestem nas ruas como não é possível em nenhuma outra parte da China — o que têm feito em defesa das liberdades que (ainda) têm e em nome da uma maior democracia (que desejam). Com 2047 em mente, sabem que o tempo corre a favor do regime de Pequim.

(FOTO Protesto contra a lei da extradição, a 16 de junho de 2019, em Hong Kong STUDIO INCENDO / WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 12 de agosto de 2019. Pode ser consultado aqui

A ilusão das mulheres do Golfo

A princesa jordana que fugiu para Londres é só a ponta de um icebergue. O patriarcado impera e a igualdade é apenas uma miragem

No Médio Oriente, uma mulher em fuga à família, para lá dos contornos pessoais da história, ganha muitas vezes relevância pelo contexto sociocultural em que se move. Foi assim no início do ano, quando a jovem saudita Rahaf Mohammed al-Qunun escapou à família durante umas férias no Dubai. Numa escala em Banguecoque (Tailândia), barricou-se num quarto de hotel e começou a pedir ajuda, através da rede social Twitter, para conseguir asilo na Austrália.

Acusou a família de maus-tratos e disse não querer continuar a viver num país onde tinha de pedir permissão para trabalhar e onde não podia escolher com quem casar. O Canadá abriu-lhe as portas e Rahaf mostrou-se esperançosa de que a sua história contribuísse para “uma mudança das leis”. Na semana passada, um conjunto de decretos reais abalou o sistema de tutela masculina que continua a submeter a vida das sauditas à vontade dos homens da família. Entre outros direitos, as sauditas passam a poder viajar para o estrangeiro sem autorização masculina.

O caso de Rahaf não é único. Outros há em que as consequências de atos de mulheres em desespero extravasam o seio da família e atingem o interesse do Estado. Foi o que aconteceu recentemente após a fuga de uma princesa jordana para o Reino Unido.

Haya, a princesa rebelde

Haya bint Hussein, 45 anos, é filha do rei Hussein da Jordânia, falecido em 1999, e meia-imã do atual rei Abdullah II. É também a esposa mais jovem do emir do Dubai, Mohammed bin Rashid al-Maktum, de 70 anos. Formada em Filosofia e Economia na Universidade de Oxford, ex-presidente da Federação Internacional de Desportos Equestres e líder de organizações humanitárias apoiadas pela ONU, a princesa vive há dois meses em Londres com os dois filhos menores. Interpôs uma ação num tribunal da cidade, solicitando “proteção contra casamento forçado”. Num comunicado conjunto, o casal informou que a ação visa só o bem-estar dos filhos e não um eventual divórcio. A audiência está marcada para 11 de novembro.

“Na Jordânia, há muito apoio à princesa Haya. Há uma reação emocional que decorre da tristeza que ainda provoca a morte da sua mãe [Alia al-Hussein] num trágico acidente [de helicóptero, em 1977]”, diz ao Expresso a jordana Lamis Andoni, perita em assuntos do Médio Oriente. “Há também um apoio feminista, por parte de pessoas solidárias que acreditam na história dela.”

Efeitos chegam… à Palestina

As razões da fuga de Haya circulam no domínio dos rumores. Quem a defende diz que quer proteger os filhos de casamentos forçados. Os seus detratores insinuam uma relação próxima com um guarda-costas britânico. Quaisquer que sejam os motivos para a desavença entre o casal, “não é provável que este caso afete a relação entre a Jordânia e os Emirados Árabes Unidos” (EAU, de que o Dubai é um de sete emirados). “Essa relação baseia-se em questões prioritárias de segurança nacional e cooperação económica para os dois países”, comenta ao Expresso David Mack, investigador do Middle East Institute, Washington D.C., e ex-embaixador dos EUA nos Emirados.

Mas a relação já teve melhores dias. Acrescenta Andoni: “A Jordânia e os EAU são aliados, mas mesmo antes deste caso já havia tensão provocada por Mohamed bin Zayed [príncipe herdeiro dos EAU], que tem exercido grande pressão sobre a Jordânia”. “Mohamed bin Zayed faz parte do plano de Donald Trump para a Palestina. Ele quer que o rei da Jordânia o aceite incondicionalmente. Arábia Saudita e Emirados estão a pressionar a Jordânia. Mohamed bin Salman [príncipe herdeiro saudita] não tem estado tão ativo como anteriormente, mas ambos continuam a não questionar o que Trump quer fazer com o chamado ‘Acordo do Século’”, prossegue o especialista.

O plano do Presidente dos EUA não é ainda do domínio público. Mas, diz Andoni, “os pontos de vista da sua equipa são muito claros na sua essência”. Trump recusa-se a apoiar de forma inequívoca a solução de dois Estados (Israel e Palestina) e abstém-se de condenar a construção de colonatos judeus em terras palestinianas. Ao não prever expressamente um Estado palestiniano, o plano põe em causa a estabilidade da Jordânia — separada da Cisjordânia pelo rio Jordão —, onde mais de metade da população é palestiniana. A rainha Rania é disso exemplo: nasceu no Kuwait no seio de uma família da Cisjordânia.

Para os sectores israelitas mais nacionalistas, a Palestina já existe: é a Jordânia, que tem um tratado de paz com Israel. A solução passa, então, por empurrar as populações árabes para a Jordânia, para que Israel fique com o controlo da Palestina histórica. “A Jordânia não pode dar-se ao luxo de concordar com todos os elementos do plano de Trump”, diz a jordana.

Os dois rostos do Dubai

O impacto da fuga de Haya na política externa da Jordânia é um dos lados da moeda. Na outra face está a imagem que casos como este (ver caixa) transmitem do Dubai, território que se afirma com construções cada vez mais modernas e arrojadas, como o Burj Khalifa, com 828 metros de altura, ou a Palmeira Jumeirah, ilha em forma de palmeira com hotéis e apartamentos luxuosos. Ao contrário do “irmão” Abu Dhabi, o Dubai não assenta a sua economia no petróleo e no gás, mas no imobiliário e no turismo.

“Em termos socioculturais, o Dubai e o resto dos EAU são conservadores, embora não tão intolerantes quanto a Arábia Saudita”, diz Mack. “Os forasteiros tendem a deslumbrar-se com os novos prédios e o estilo de vida cosmopolita exibido pelos estrangeiros, que ali são a grande maioria.” Confundi-lo com a essência do país resulta numa ilusão, tal como pensar que nos palácios do Dubai a vida das princesas é um conto de fadas.

FUGIDAS ÀS GARRAS DO PAI

Princesa Latifa

Filha do emir do Dubai e da argelina Houria Lamara, fugiu em fevereiro de 2018, aos 32 anos. Foi de carro para Omã, onde usou uma moto de água para subir para um barco. Foi intercetada ao largo de Goa, na Índia. Gravara um vídeo para o caso de ser apanhada. Dizia querer viver livre

Princesa Shamsa

Irmã de Latifa, em 2000 aproveitou férias numa propriedade inglesa da família para fugir (tinha 19 anos). Uma busca ordenada pelo pai localizou Shamsa em Cambridge, após escutas telefónicas. Metida à força num carro, seguiu de helicóptero para França e de avião privado para o Dubai

(FOTO Sheikh Mohammed Bin Rashid Al Maktoum e a princesa Haya Bint Al Hussein, numa fotografia de 2016 ALI HAIDER / EPA-EFE / SHUTTERSTOCK)

Artigo publicado no “Expresso”, a 10 de agosto de 2019