Pela primeira vez em 40 anos, a República Islâmica do Irão permitiu a entrada às mulheres num estádio de futebol. Em Teerão, no relvado do Estádio Azadi, a seleção da casa e a do Camboja disputaram uma partida de qualificação para o Mundial da FIFA de 2022. Nas bancadas, a vitória foi delas — no campo, o Irão venceu por 14-0
ATTA KENARE / AFP / GETTY IMAGESAMIN M. JAMALI / GETTY IMAGESAMIN M. JAMALI / GETTY IMAGESAMIN M. JAMALI / GETTY IMAGESAMIN M. JAMALI / GETTY IMAGESAMIN M. JAMALI / GETTY IMAGESAMIN M. JAMALI / GETTY IMAGESAMIN M. JAMALI / GETTY IMAGESATTA KENARE / AFP / GETTY IMAGESAMIN M. JAMALI / GETTY IMAGESAMIN M. JAMALI / GETTY IMAGESAMIN M. JAMALI / GETTY IMAGESAMIN M. JAMALI / GETTY IMAGESAMIN M. JAMALI / GETTY IMAGESATTA KENARE / AFP / GETTY IMAGES
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 10 de outubro de 2019. Pode ser consultado aqui
Um obituário prematuro retratou Alfred Nobel, que fizera fortuna criando e vendendo armas de guerra, como um “comerciante da morte”. Chocado com a sua imagem pública, o sueco destinou parte da sua riqueza àqueles que conferirem “os maiores benefícios à humanidade”. Esta sexta-feira, o Prémio Nobel da Paz será atribuído pela 100ª vez
Os Prémios Nobel têm na sua origem uma imensa fortuna, a última vontade de um homem culto e uma verdade inconveniente: aquele que ainda hoje mais recompensa os esforços de paz em todo o mundo foi um grande fabricante de armas. Ainda hoje, a empresa sueca Bofors e a alemã Dynamit Nobel decorrem de projetos de Alfred Bernhard Nobel.
Nascido em 1833, em Estocolmo (Suécia), cresceu no seio de uma família dedicada à indústria do armamento. O pai, o engenheiro Immanuel, construiu minas subaquáticas para a Rússia, durante a Guerra da Crimeia. Alfred herdou dele a curiosidade científica e investiu na criação de novos tipos de explosivos. Registou 355 patentes a nível internacional, uma das quais a dinamite, que revolucionou a arte da guerra.
Quando os Nobel choraram a morte de Ludwig — o mais velho dos oito filhos de Immanuel e Caroline —, em abril de 1888, um jornal francês publicou um obituário pensando tratar-se de Alfred. “O comerciante da morte morreu”, escreveu-se. “O Dr. Alfred Nobel, que enriqueceu encontrando formas mais rápidas de matar mais pessoas, morreu ontem.”
A cerimónia de atribuição do Nobel realiza-se em Oslo, a 10 de dezembro, data da morte de Alfred. O laureado recebe uma medalha em ouro, um diploma e nove milhões de coroas suecas (quase 830 mil euros) GETTY IMAGES
Confrontado com aquela imagem pública, este homem culto, fluente em cinco línguas e grande estudioso de Química — na tabela periódica, o elemento nobélio foi assim batizado em sua homenagem —, ficou em choque.
Quando morreu, deixou manuscritas quatro páginas repartindo a sua riqueza por familiares, criados e conhecidos, e por um fundo destinado a premiar anualmente “aqueles que, no ano anterior, conferiram os maiores benefícios à humanidade”.
Alfred determinou as áreas a merecer distinção e responsabilizou instituições por esse reconhecimento: os prémios da Física e da Química seriam atribuídos pela Real Academia Sueca das Ciências, o da Fisiologia ou Medicina pelo Instituto Karolinska de Estocolmo e o da Literatura pela Academia de Estocolmo.
Além do processo de paz israelo-palestiniano (1994, na foto), o Nobel já reconheceu outros diálogos políticos: EUA-Vietname (1973), Israel-Egito (1978), África do Sul (1993) e Irlanda do Norte (1998) GETTY IMAGES
Quanto ao prémio destinado ao “campeão da paz”, não seria concedido por uma organização sueca, mas por “um comité de cinco pessoas selecionadas pelo Storting [Parlamento] norueguês”. Esta deferência para com o reino da Noruega decorre de uma realidade política: à época, suecos e noruegueses eram todos súbditos do rei sueco, apesar de os noruegueses terem Constituição e Parlamento próprios.
Por essa altura, o Storting já tinha uma tradição de envolvimento em questões de arbitragem internacional e trabalho feito no âmbito da União Interparlamentar, uma instituição global fundada em 1889. Com alguma naturalidade, Alfred encarrega-o de distinguir “a pessoa que fez mais ou melhor trabalho em prol da fraternidade entre as nações, da abolição ou redução de exércitos permanentes e da realização e promoção de congressos de paz”.
O norte-americano Henry Kissinger (à esquerda na foto, com o Presidente chinês Xi Jinping, em 2018) é o premiado mais antigo ainda vivo. Nesse ano de 1973, o colaureado, o vietnamita Le Duc Tho, recusou o prémio THOMAS PETER / GETTY IMAGES
Desde que foi atribuído pela primeira vez, em 1901, o Nobel da Paz já consagrou 89 homens e 17 mulheres. Aos 17 anos, a estudante paquistanesa Malala Yousafzai (2014) foi o laureado mais jovem de sempre.
Por duas ocasiões, os holofotes incidiram sobre um trio: três homens em 1994 — Yasser Arafat, Shimon Peres e Yitzhak Rabin —, pelo acordo de paz israelo-palestiniano do ano anterior; e três mulheres em 2011 — Ellen Johnson Sirleaf (Presidente da Libéria), Leymah Gbowee (ativista liberiana) e Tawakkol Karman (ativista iemenita).
O “campeão da paz” é, porém, o Comité Internacional da Cruz Vermelha, que já recebeu o Nobel por quatro vezes: três enquanto organização (1917, 1944 e 1963) e uma a título individual, já que o suíço Henry Dunant, cofundador da organização, foi o primeiro galardoado, em 1901. No total, este Nobel já foi entregue a organizações por 27 vezes.
Três laureados estavam presos na hora de receber o Nobel: o jornalista alemão Carl von Ossietzky (1935), a política birmanesa Aung San Suu Kyi (1991) e o ativista chinês Liu Xiaobo (2010), cuja cadeira (na foto) ficou vazia ODD ANDERSEN / AFP / GETTY IMAGES
O Nobel da Paz já foi entregue por 99 vezes. Em 1948, um dos 19 anos em que não foi atribuído, o Comité anunciou que “não havia candidato vivo adequado”. A justificação soou a arrependimento… A 30 de janeiro desse ano, o indiano Mahatma Gandhi tinha sido assassinado. Símbolo mundial do pacifismo, morreu sem nunca ter recebido o prémio.
A embaraçosa ausência de Gandhi na lista de laureados leva a que, no próprio “site” oficial do Nobel, haja uma justificação: “Até 1960, o Prémio Nobel da Paz era concedido quase exclusivamente a europeus e americanos. Em retrospetiva, o horizonte do Comité Nobel Norueguês pode parecer muito estreito. Gandhi era muito diferente dos laureados anteriores. Não era um político ou um defensor real do direito internacional, não era essencialmente um trabalhador humanitário e não era um organizador de congressos internacionais de paz. Ele teria pertencido a uma nova classe de laureados.”
Mahatma Gandhi (1869-1948), sorridente, na companhia das netas Ava e Manu, na Birla House, em Nova Deli, onde o ativista passou os últimos 144 dias de vida GETTY IMAGES
Gandhi parece ser um peso na consciência do Comité Norueguês. Em 1989, quando o Nobel da Paz foi dado a Tenzin Gyatso, o 14º Dalai Lama do budismo tibetano, o presidente do Comité disse tratar-se, “em parte, de um tributo à memória de Mahatma Gandhi”.
(FOTO Início do testamento de Alfred Bernhard Nobel, datado de 27 de novembro de 1895 JESSICA GOW / REUTERS)
Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 10 de outubro de 2019. Pode ser consultado aqui
António Guterres alertou os funcionários da ONU para a possibilidade da organização ficar sem dinheiro até ao final do mês. Esta quarta-feira, no Twitter, Donald Trump disse-lhe como resolver o problema
As Nações Unidas estão quase sem dinheiro e, esta semana, o secretário-geral António Guterres enviou uma carta aos 37 mil funcionários da organização alertando para o perigo real do dinheiro faltar até ao fimd este mês.
Esta quarta-feira, no Twitter, como é seu hábito, Donald Trump deu-lhe um conselho: “Então faça com que todos os países paguem [as suas contribuições], e não apenas os Estados Unidos!”
As palavras de Trump vão ao encontro de um comunicado divulgado pelo porta-voz de Guterres apelando a que os Estados membros da ONU cumpram com os compromissos financeiros que assumiram perante a organização. Stéphane Dujarric alertou para o facto de apenas 70% do orçamento para 2019 estar assegurado.
Historicamente, os Estados Unidos têm sido de longe o maior contribuinte para o orçamento das Nações Unidas. Mas com Donald Trump na Casa Branca, o cheque tem vindo a perder zeros. Há cerca de um ano, o próprio Presidente anunciou a diminuição em 25% das contribuições norte-americanas para as missões de paz da ONU.
Anteriormente, Washington já tinha cortado o seu financiamento à UNESCO, uma agência especializada das Nações Unidas que, desde 2011, reconhece o Estado da Palestina como membro de pleno direito.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 9 de outubro de 2019. Pode ser consultado aqui
A China não gostou de um episódio da série de animação “South Park” e apagou-a de todas as suas plataformas digitais. O “pedido de desculpas” dos criadores da “sitcom” transformou-se numa jornada de gozo ao regime de Pequim
Na China, o humor tem rédea curta. Os últimos a sentirem-no na pele foram os criadores da série animada “South Park”. Habituados a recorrer sem limites à sátira e ao humor negro para retratar a sociedade norte-americana, viram a “sitcom” ser censurada em todas as plataformas digitais na China na sequência de um episódio incómodo para Pequim.
Numa cena, um personagem é detido no aeroporto quando tenta entrar na China com marijuana para vender a “chineses com dinheiro” e enviado para um campo de trabalhos forçados, numa alusão ao que hoje se passa com as minorias da região chinesa de Xinjiang.
Noutro quadro, outro personagem aborda algo apresentado como uma tendência nos Estados Unidos e que passa por ajustar as manifestações culturais à censura chinesa. “Não vale a pena viver num mundo em que a China controla a arte do meu país”, diz.
O episódio “Band in China” [Banda na China] alude ainda à semelhança física entre o Presidente Xi Jinping e o ursinho Pooh, imagem proibida na China. Fotografias do boneco ou da comparação surgem com frequência em protestos anti-China, em Hong Kong, Taiwan ou em países onde o chefe de Estado chinês não é presença desejada.
Reagindo às notícias de censura da sua série na Internet e nas redes sociais chinesas, veiculadas pela publicação “The Hollywood Reporter”, os criadores da série recorreram ao Twitter para endereçar um “pedido de desculpa oficial à China”. Carregado de humor e ironia, esse aparente “mea culpa” transformou-se numa nova jornada de gozo.
“Tal como a NBA, nós acolhemos os censores chineses nas nossas casas e nos nossos corações. Também nós amamos mais o dinheiro do que a liberdade e a democracia. Xi não se parece nada com o Ursinho Pooh. Sintonize o nosso 300.º episódio esta quarta-feira às 10! Longa vida ao grande Partido Comunista da China! Que a colheita de sorgo deste outono seja abundante! Nós bem agora China?”
A referência à NBA, a principal liga norte-americana de basquetebol profissional, decorre de um tweet recente do diretor-geral dos Houston Rockets, Daryl Morey, de apoio aos manifestantes em Hong Kong. A mensagem foi entretanto apagada, mas não evitou que várias empresas chinesas cortassem apoios à equipa e à liga. O canal estatal CCTV 5, por exemplo, anunciou que deixaria de transmitir os jogos da equipa do Texas.
(IMAGEM A imagem do ursinho Pooh é proibida na China, devido à semelhança física com o Presidente Xi Jinping ASIA NEWS)
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de outubro de 2019. Pode ser consultado aqui
A chamada revolução dos guardas-chuvas não dá sinais de abrandar nas ruas de Hong Kong, o antigo território britânico que passou para a administração chinesa em 1997 e ficou com um estatuto especial durante 50 anos. É a pedra no sapato da República Popular da China, que celebrou esta terça-feira o 70.º aniversário e não quer ouvir falar em mais autonomia, mas sim em “estabilidade de longo prazo” e “luta pela unificação completa do país”. 2:59 JORNALISMO DE DADOS PARA EXPLICAR O MUNDO
2047. Este é o ano que não sai do pensamento dos habitantes de Hong Kong. E porquê? Em 1997, quando a soberania deste território transitou do Reino Unido para a China, estes dois países acordaram um período de transição de 50 anos durante o qual Hong Kong manteria as liberdades de que vinha beneficiando.
Esse estatuto permite por exemplo que, a cada quatro anos, os cidadãos vão às urnas para eleger metade dos 70 membros do Parlamento.
Possibilita também que Hong Kong continue a ter moeda própria e a adotar políticas económicas com total autonomia. Hoje, o território é um grande centro financeiro e tem um dos maiores rendimentos per capita do mundo.
A nível social, essa exceção permite que em Hong Kong vigorem direitos que não são acessíveis a quem vive na chamada China Continental, como o direito a manifestarem-se.
Mas esta realidade de “um país, dois sistemas” tem os dias contados. Em 2047, findo o período de transição, Hong Kong perderá esse estatuto especial. Vingará então a vontade do Partido Comunista Chinês.
Conscientes disso, os habitantes de Hong Kong têm organizado mega-manifestações em defesa dos seus direitos e liberdades. Em 2014 saiu à rua o movimento dos guardas-chuvas, com exigências de mais democracia. Desde 9 de junho passado, as ruas estão novamente cheias. Inicialmente, os protestos visaram uma nova Lei da Extradição que tornaria possível que um cidadão de Hong Kong fosse extraditado para a China e julgado segundo a lei chinesa.
A resistência do governo aos protestos e a repressão da polícia levaram os manifestantes a apresentar cinco exigências. Enquanto não forem cumpridas, eles não abandonam as ruas.
A primeira já foi satisfeita: a retirada em definitivo da polémica lei da extradição.
Ficam a faltar quatro:
— A exigência de que as autoridades parem de qualificar os protestos como “motins” e os manifestantes como “desordeiros”.
— A libertação dos manifestantes que foram presos.
— Uma investigação independente à atuação da polícia.
— E uma exigência política: que o Chefe do Governo e o Conselho Legislativo passem a ser eleitos por sufrágio direto e universal.
Estes manifestantes têm a secreta esperança de que, chegados a 2047, a dinâmica democrática do território tenha contagiado o resto da China. E que Hong Kong possa continuar a ser um espaço de liberdade.
Episódio gravado por Pedro Cordeiro.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 2 de outubro de 2019. Pode ser consultado aqui
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.