Desde a instauração do regime dos “ayatollahs” em Teerão, no dia 11 de fevereiro de 1979, que a relação conturbada com os Estados Unidos tem sido uma constante. Mas se com Jimmy Carter na Casa Branca passou pelo seu período mais crítico, com Barack Obama esteve próximo de um entendimento. Com a sua estratégia de ameaçar para depois negociar, Donald Trump é uma incógnita, mais ainda em ano eleitoral
19 de setembro de 2017. Donald Trump discursa pela primeira vez nas Nações Unidas desde que é Presidente dos Estados Unidos e fica a curta distância de uma declaração de guerra. “Os EUA têm grande força e paciência, mas se forem forçados a defenderem-se ou aos seus aliados, não teremos escolha a não ser destruir totalmente a Coreia do Norte.”
8 de janeiro de 2020. Donald Trump fala à nação para anunciar a resposta dos EUA ao bombardeamento iraniano a duas bases norte-americanas no Iraque — a retaliação do Irão à morte do seu general mais importante, alvejado por um drone norte-americano. Anuncia mais sanções ao Irão e diz-se pronto… a negociar. “Temos todos de trabalhar em conjunto para fazermos um acordo com o Irão que torne o mundo um lugar mais seguro e pacífico. (…) um acordo que permita ao Irão crescer e prosperar e tirar proveito do seu enorme potencial inexplorado. O Irão pode ser um grande país.”
A facilidade com que Trump defende a via do diálogo a seguir a uma retórica de confronto levanta uma questão: tentará ele aplicar ao Irão a mesma estratégia que usou com a Coreia do Norte?
Em causa estão dois países incomparáveis. A Coreia do Norte tem 70 anos de vida e é governada, desde sempre, por uma mesma família. Quanto ao Irão é herdeiro da civilização persa, uma das mais antigas do mundo. “Na verdade, acho que a estratégia [de Trump] é a mesma nos dois casos”, diz ao Expresso Ignacio Álvarez-Ossorio, da Universidade Complutense de Madrid. “Primeiro, aplicar pressão máxima para tentar obter concessões do adversário. Segundo, renegociar o acordo [internacional sobre o programa nuclear iraniano, de 2015] em termos mais satisfatórios para os EUA.”
Durante a campanha eleitoral de 2016, Trump referiu-se ao acordo como “o pior possível”, ou não tivesse sido negociado pela Administração Obama, cujo legado Trump parece apostado em desfazer. Esta semana, na quarta-feira, escreveu no Twitter: “O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, afirmou: ‘Devíamos substituir o acordo com o Irão pelo acordo Trump’. Eu concordo!”
“Obama foi o Presidente que melhor compreendeu que era mais inteligente incluir o Irão na solução, em vez de o acicatar como fonte do problema”, explica ao Expresso Germano Almeida, especialista de assuntos norte-americanos. “Terá sido o Presidente dos EUA que mais perto esteve de ser bem sucedido nas tentativas de dissuasão da tensão com o Irão”, com a assinatura do acordo internacional, que envolveu também Reino Unido, França, Alemanha, Rússia e China.
“A estratégia de aproximação de Obama não deve, no entanto, ser confundida com ingenuidade ou falta de identificação da ameaça. Mesmo durante essa presidência, o Irão foi sempre visto em Washington como um dos principais perigos à segurança nacional americana, nomeadamente pela perceção de que o programa nuclear desenvolvido pelo regime de Teerão tem mesmo uma intenção bélica — e hostil e não apenas preventiva e científica”, acrescenta Germano Almeida.
Momento de viragem
A Revolução Islâmica de 1979 foi o ponto de viragem numa relação, até então, de grande proximidade. O regime monárquico dos tempos da Guerra Fria era um sólido aliado dos EUA contra os soviéticos, mas a ascensão ao poder dos “ayatollahs” tudo mudou. Os EUA passaram a ser rotulados de “Grande Satã” e a tensão tomou a relação.
Na memória dos iranianos pesava ainda a participação da CIA no golpe de 1953 — que depôs o primeiro-ministro Mohammad Mosaddegh e colocou no poder o Xá Mohammad Reza Pahlavi — e também ‘aquele’ brinde de final de ano entre o monarca e Jimmy Carter, na “Paris do Médio Oriente”. Era 31 de dezembro de 1977 e, em Teerão, o 39º Presidente dos EUA brindava com o chefe de Estado persa à “ilha de estabilidade” que era o Irão numa das zonas mais conturbadas do mundo, “graças à grande liderança do Xá”.
As ruas iranianas não o sentiam de igual forma e, consumada a Revolução, a 11 de fevereiro de 1979, estudantes tomaram a embaixada dos EUA e mantiveram 52 reféns durante 444 dias. Esta crise, que contribuiu para a não reeleição de Carter, só terminou a 20 de janeiro de 1981, dia da tomada de posse de Ronald Reagan.
Carter e Obama, ambos democratas, representam os períodos mais críticos e de maior coexistência, respetivamente, entre EUA e Irão nos últimos 40 anos. Com republicanos na Casa Branca, predominou a tensão, com ênfase para as presidências de Ronald Reagan, que apoiou o Iraque na guerra contra o Irão (1980-88), e de George W. Bush, que colocou o Irão no “eixo do mal” que apoia o terrorismo internacional.
Como um dia afirmou o insuspeito Henry Kissinger, um ‘falcão’ da política norte-americana que foi secretário de Estado entre 1973 e 1977: “Existem poucas nações no mundo com as quais os EUA têm menos motivos para discutir e interesses mais compatíveis do que o Irão.” Porém, com Trump na Casa Branca, “quase todos os resultados são possíveis”, diz ao Expresso Nigel Bowles, da Universidade de Oxford. “A chave para ele tem sido, é e continuará a ser maximizar a possibilidade de ser reeleito em 2020. Ele calculará todas as iniciativas políticas por esse critério acima de todos os outros.”
(FOTO Mural na parede exterior da antiga embaixada dos Estados Unidos em Teerão NINARA / WIKIMEDIA COMMONS)
Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 11 de fevereiro de 2020. Pode ser consultado aqui